RIO e SÃO PAULO - A forte queda da atividade econômica provocada pela pandemia da covid-19 continua causando estrago no mercado de trabalho. Já foram exterminados 12,044 milhões de empregos em dois trimestres, desde fevereiro, quando houve o agravamento da crise sanitária no País.
A taxa de desemprego no trimestre encerrado em agosto subiu para 14,4%, o maior nível já registrado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que teve início em 2012.No trimestre encerrado em julho, a taxa estava em 13,8%.
Isso significa que, ao final de agosto, 13,8 milhões de pessoas estavam em busca de um emprego no País. São 1,1 milhão de pessoas a mais em relação ao trimestre encerrado em maio. O aumento na procura por trabalho é reflexo da flexibilização das medidas de isolamento social para controle da pandemia. No entanto, todas as atividades econômicas seguem demitindo trabalhadores, com exceção da agricultura, que mostrou reação em agosto com contratações para o cultivo de café.
"O desemprego vai manter essa tendência de alta até o fim do primeiro semestre de 2021. No início do ano que vem ainda vamos ter parte dos programas de manutenção do emprego findando, o que deve viabilizar novas demissões em uma economia que vai estar custando a ganhar pujança. Esse crescimento gradativo da atividade associado a uma ociosidade grande pressiona o desemprego", disse o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.
O número de pessoas ocupadas no País caiu 5% na comparação com o trimestre encerrado em maio, descendo ao piso histórico de 81,7 milhões. Quando comparado ao mesmo trimestre do ano anterior, a queda é de 12,8%, o que representa 12 milhões de pessoas a menos no mercado de trabalho.
“A gente está vendo uma população ocupada diminuindo e isso está ligado com o processo de dispensa. Todas as atividades, com exceção da agricultura, estão em processo de dispensa”, afirmou Adriana Beringuy, analista da pesquisa do IBGE. Segundo ela, as demissões podem ter relação com a demanda reduzida das famílias por produtos e serviços, o que resulta em demanda menor também por mão de obra nas atividades econômicas.
Muitas pessoas também ainda se sentem desestimuladas a tentar arranjar emprego em função da pandemia, seja pelas implicações sanitárias seja pela crença de que não há vagas disponíveis, o que levou o fenômeno do desalento ao patamar também recorde de 5,851 milhões.
No entanto, a redução do valor mensal do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 deve provocar uma intensificação do movimento de busca por emprego nos próximos meses, e a taxa de desocupação deve atingir um pico de 15,5% entre dezembro e janeiro, prevê a economista Lisandra Barbero, da XP Investimentos.
“O fim do pagamento vai fazer com que as pessoas voltem a procurar por ocupação em um mercado de trabalho fragilizado, onde a oferta não vai acompanhar a procura”, disse Lisandra.
Já o Banco MUFG Brasil prevê que a taxa de desemprego suba a cerca de 15% no fechamento do terceiro trimestre, mas encerre o ano a 13,5%, considerando as projeções de recuperação ainda que gradual da economia, maior controle da pandemia e contratações temporárias de trabalhadores para as vendas de fim de ano do comércio.
“As perspectivas para o mercado de trabalho seguem preocupantes. A taxa de desocupação vai subir mais, refletindo a incapacidade de a atividade econômica incorporar a força de trabalho. A queda da massa salarial, acompanhada do fim das transferências emergenciais de renda, desenha um futuro difícil para o consumo das famílias e, portanto, para a atividade”, alertou o Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Fator, em relatório distribuído a clientes.
Informais
A taxa de desemprego poderia ter subido ainda mais em agosto se não fosse o aumento da população inativa, que alcançou o auge de 79,141 milhões, 4,177 milhões a mais que no trimestre terminado em maio. “Pode estar havendo um desestímulo por essa procura por trabalho já pelos efeitos econômicos da pandemia, e não pela ameaça de contágio”, apontou Adriana.
Faltava trabalho para um ápice de 33,319 milhões de pessoas no País no fim de agosto, se somados todos os subutilizados. A perda de postos de trabalho foi generalizada, mas, desta vez, os mais afetados foram os trabalhadores formais. Entre as 4,270 milhões de vagas perdidas no trimestre encerrado em agosto, 1,254 milhão eram ocupações informais, 29% das vagas fechadas. Ou seja, 71% dos postos de trabalho perdidos eram formais.
No trimestre terminado em maio, os informais respondiam por 74% das dispensas, enquanto os formais somavam os 26% restantes. "O informal tem contribuído menos (para a redução da ocupação), mas não significa que não esteja mais havendo perda de trabalho informal”, ponderou Adriana.
Sem vagas
Nathalia Paganelli, de 28 anos, faz parte do contingente de trabalhadores que está atrás de um posto formal desde maio, quando foi demitida da loja de artigos esportivos na qual começou a trabalhar no fim de 2017. Nathalia conta que uma semana após sua demissão, a loja reabriu, mas ela não teve interesse em negociar uma contratação porque queria encontrar algo na sua área. Ela está cursando o último semestre da faculdade de Letras. “Infelizmente, até agora não me contrataram porque querem pessoas com experiência. Desde o ano passado, procurei emprego ou estágio na área, mas já estava difícil. Como meu seguro-desemprego acaba em novembro, estou abrindo mais o leque de oportunidades em que posso trabalhar dentro da minha experiência.”
A estudante diz que participou de duas entrevistas presenciais para trabalhar novamente com vendas, mas não deu certo porque as empresas não estavam seguras quanto ao tempo de permanência dela. “Achavam que eu poderia sair a qualquer momento assim que encontrasse algo na minha área.”
Enquanto isso, Nathalia vai fazendo freelances. Ela está ajudando cinco estudantes a se preparar para a redação do Enem 2020, que acontecerá excepcionalmente no começo de 2021. Ela também conseguiu fazer umas entregas depois que anunciou seus serviços em um grupo do Facebook voltado para mulheres.
“Tentei fazer um pé de meia, mas, mesmo assim, sempre tem uns imprevistos. Parei de fazer entregas porque comecei a estragar muito a minha moto. Nisso, vai o dinheiro que eu estava querendo juntar”, contou. “Desde que tive meu primeiro emprego, não dependi mais dos meus pais. Então, é muito difícil (pensar em) ter de voltar para a casa da minha mãe ou pedir ajuda com as contas. Eu estou até ligando agora para as empresas para tentar saber se eles têm vaga. É desespero total.” / COLABOROU GREGORY PRUDENCIANO