BRASÍLIA - Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) veem precedente para o uso de crédito extraordinário para cobrir o Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023 e despesas de outros programas que já estão em curso e que não têm verbas previstas no Orçamento do ano que vem. A edição de crédito extraordinário seria um plano B à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, que depende de complexa negociação no Congresso Nacional.
Segundo fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, o tribunal autorizou a abertura de créditos extraordinários em casos similares, como em consulta feita em 2016 pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), sobre a possibilidade de editar medidas provisórias para cobrir despesas de programas já existentes e que não estavam no Orçamento.
Na época, o governo de Michel Temer (MDB) foi autorizado a cobrir por esse tipo de crédito despesas obrigatórias da Justiça do Trabalho, auxílio para as Olimpíadas do Rio e subsídios para o BNDES, que não tinham receitas correspondentes no Orçamento aprovado.
No acórdão, o TCU diz que “é cabível a abertura de crédito extraordinário quando a insuficiência de dotação puder potencialmente acarretar a descontinuidade de serviços públicos essenciais”. Segundo a reportagem apurou, a decisão deve ser utilizada como precedente na Corte caso o governo eleito decida utilizar créditos extraordinários.
O caso foi relatado na época pelo então ministro do TCU Raimundo Carreiro - que foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo de embaixador do Brasil em Portugal. Em seu voto, Carreiro, ao comentar a necessidade de complementar o orçamento da Justiça do Trabalho naquele ano, disse que se tratava de “despesa obrigatória e inadiável desprovida da devida, necessária e ordinária previsão orçamentária para a sua cobertura”.
A escolha do instrumento legal opõe aliados do governo de transição. A PEC aumenta a dependência do Centrão e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas é considerada o melhor caminho por alguns técnicos por poder ser aprovada ainda neste ano, o que faria Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomar posse já com as despesas previstas. Segundo cálculos da equipe de transição, os gastos fora do teto seriam de R$ 160 bilhões, podendo chegar a R$ 200 bilhões, como defendem alguns integrantes da cúpula petista.
Mais cedo, o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), que tem sido o porta-voz do novo governo na questão orçamentária - afirmou que a equipe de transição estuda como a alternativa a abertura do crédito extraordinário, mas está “fixada” na PEC.
“Ainda estamos na organização de duas frentes. Uma, primeiro, diz respeito à redação da PEC. O Tribunal de Contas da União tem também essa alternativa do crédito extraordinário. Porém, nós estamos fixados aqui no diálogo que temos tido com o presidente do Senado [Rodrigo Pacheco, PSD-MG], o presidente da Câmara, a Comissão de Orçamento, o relator, senador Marcelo Castro. Todas as equipes técnicas estão trabalhando para que a gente tenha muita segurança e, a partir daí, a redação desse projeto de emenda constitucional”, declarou o senador eleito a jornalistas após uma reunião do PT no Senado.
Ontem, Dias havia dito que alterar a Constituição é um caminho mais “seguro”, ao ser questionado sobre o crédito extraordinário. “Do ponto de vista da transição, nós trabalhamos com um projeto de emenda constitucional. A PEC é um caminho seguro, já experimentado, legal, e é com ele que vamos trabalhar”, disse Dias após uma reunião anterior com parlamentares petistas no Senado.
Pacheco defende edição de crédito extraordinário
Para Pacheco, porém, a melhor saída é a abertura do crédito extraordinário, sem necessidade de mexer mais uma vez na Constituição - esta seria a sexta vez que o teto de gastos seria alterado, as outras cinco vezes foram no governo Bolsonaro.
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“Se houver alternativa que seja Medida Provisória através de crédito extraordinário, para que tudo isso seja implementado, evidentemente que não mexer na Constituição seria melhor. Mas, se a técnica nos recomendar que a segurança jurídica necessária é a alternativa constitucional, infelizmente, nós reputaremos como necessária mais essa mudança constitucional para o bem do povo brasileiro”, afirmou Pacheco em entrevista na tarde desta sexta-feira, 4, à GloboNews.
Pacheco defendeu ainda que é necessário fazer “relativização do teto de gastos” para custear políticas que foram compromissos de campanha de Lula e que o Congresso terá “boa vontade” na apreciação da PEC de Transição.
“Considero que, em se tratando de um novo governo, é muito importante que, antes da discussão de Orçamento, se defina um planejamento. A partir disso, se definir uma peça orçamentária que se encaixe dentro desse propósito do governo, como Auxílio Brasil de R$ 600, correção de aspectos na saúde, educação, cultura, meio ambiente. (...) É natural que haja necessidade de se fazer relativização do teto de gasto, como foi feito em 2020 com PEC Emergencial (na pandemia) e em 2021, com a PEC dos Precatórios, agora recentemente com essa PEC que aumentou o Auxílio Brasil”, declarou.
O presidente do Senado disse também que, apesar da necessidade de se manter e ampliar políticas sociais, é preciso evitar “extravagâncias orçamentárias”. “É preciso que haja um diagnóstico do que realmente se precisa no orçamento. De nossa parte, havendo esse diagnóstico, diagnóstico técnico, sem extravagâncias orçamentárias, que não podemos permitir um gasto além do necessário, haverá, por parte do Congresso Nacional, toda boa vontade de apreciação, desde já, de uma PEC.” (Colaboraram Iander Porcella e Bruno Luiz)