O Brasil precisa superar divergências ideológicas para não perder a oportunidade gigante de liderar a transição internacional para a economia sustentável. “Temos todo capital ambiental para tanto”, opina Roberto Klabin, defendendo colaboração entre iniciativa privada, governo, sociedade em geral para que haja avanço. “Não adianta um ficar acusando o outro de inação, incompetência. A gente tem todo esse potencial e fica se perdendo em discussões.
Klabin é cofundador da SOS Mata Atlântica e criador da Caiman, uma fazenda que não produz gado ou produtos agrícolas e “se concentra na produção da natureza”, interrompida mais uma vez pelas queimadas recentes que varreram 80% da propriedade. “Se o agro responsável não tiver a visão de ajudar os governos a combater a destruição ambiental, vamos pagar o preço desse desinteresse”, afirmou, nesta conversa com o Estadão.
O Brasil tem todo o capital ambiental para liderar o processo de transição, de ser a economia sustentável n.º 1 do mundo. Há alguma chance de a gente perder o bonde?
O Brasil ainda não percebeu o potencial ambiental que tem. Temos um patrimônio espetacular em florestas, água, clima, terras, matriz energética. Nós ainda não entendemos o tamanho desse tesouro, em função da dificuldade de explicar os atributos naturais e como eles podem ser transformados em desenvolvimento sustentável. Explicar o papel das pessoas, por que a Floresta Amazônica tem um papel tão fundamental na regulação do clima, e suplantar questões ideológicas que fazem com que muitas vezes a gente não consiga chegar a um entendimento. E isso não diz apenas respeito à população em geral, mas principalmente às lideranças. Temos ainda líderes no Brasil que pensam como se estivessem no século 20.
Quem tem de liderar a questão ambiental?
Acho que tem de haver um trabalho entre iniciativa privada, governo, sociedade. Não adianta um ficar acusando o outro de inação, incompetência. A gente tem todo esse potencial e fica se perdendo em discussões. O pessoal do agro se sente ofendido pelo pessoal ambiental, o pessoal ambiental não está devidamente assistido pelas políticas governamentais. Um número diminuto de pessoas no agro cria situações criminosas, mais no caso específico da Amazônia, que prejudica o agro que faz as coisas corretas.
Devem se comunicar melhor? Contar o que estão fazendo?
Acredito que vamos ficar cada vez mais ameaçados por legislações internacionais que vão criar todo tipo de impeditivo para exportação de produtos agrícolas brasileiros. A Europa vai ser muito mais restritiva. Se o agro responsável não tiver essa visão de ajudar os governos e combater a destruição ambiental, vamos pagar o preço desse desinteresse. O Ministério do Meio Ambiente foi praticamente desmontado no governo Bolsonaro. Neste governo, estão tentando remontá-lo, mas, mesmo assim, a velocidade é muito lenta. Você tem um Congresso eminentemente agro, com uma visão ideológica de que qualquer coisa que venha da questão ambiental é uma coisa da esquerda. E a esquerda também não valoriza a questão ambiental, a ponto de tornar isso parte da agenda de desenvolvimento.
Você é um ambientalista de primeira hora, foi um dos fundadores do SOS Mata Atlântica. É também empresário. Você teve essa visão antes das outras pessoas?
Quando eu estava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o Fabio Feldman (advogado, ambientalista e ex-deputado federal) me convidou para entrar numa luta contra o (projeto do) aeroporto de São Paulo em Caucaia do Alto, que é uma região de mananciais. A partir dali, eu me envolvi com essa questão, com o Fabio e outros ambientalistas, e fundamos a SOS Mata Atlântica em 1986. O Rodrigo Mesquita, que foi a pessoa idealizadora da criação da entidade, o Fabio, eu, o João Paulo Capobianco, Mario Mantovani e vários outros entramos e fundamos a entidade. Não vi nada antes dos outros, me envolvi nessa questão e me apaixonei. Sou empresário. Tenho no Pantanal um projeto que é fazenda, hotel e tudo mais. Quando eu era menino e passava férias no Pantanal, não conseguia entender por que as pessoas ali só conseguiam ver o Pantanal como lugar para criação de gado. Quando a fazenda foi dividida entre a família e eu peguei um pedaço, pensei: ‘Vou criar um projeto baseado num tripé que tenha conservação, turismo de observação de fauna selvagem e pecuária’. Esse projeto é pioneiro em ecoturismo no Brasil, pioneiro na observação de fauna selvagem, principalmente de onças. Tenho lá uma arca de Noé, e vou me dedicar a consolidá-la, apesar de toda essa mudança climática que no Pantanal acarreta incêndios dramáticos como o deste ano.
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Esses incêndios poderiam ter sido evitados?
Praticamente, 99% dos incêndios são de origem humana. Na Amazônia e em São Paulo, nos canaviais, foram de origem criminosa. No Pantanal, não. O Pantanal você pode ter alguma origem criminosa de um indivíduo que aproveita um fogo que começou para queimar a sua área sem licença, mas é burrice. O incêndio que atingiu a (pousada) Caiman começou com um caminhão que explodiu e queimou 300 mil hectares.
O que você espera da COP-30, em Belém?
Acho que vai ser muito importante para o Brasil reafirmar o protagonismo. Temos a maior floresta tropical do mundo, que nós podemos conservá-la. Desde 1970, destruímos na Floresta Amazônica uma área equivalente à soma de, mais ou menos, Inglaterra e França. E as pessoas ficaram mais ricas? Não. Desmatamento não trouxe desenvolvimento. A Floresta Amazônica funciona como um ar-condicionado do mundo. Ela tem a capacidade de influenciar o clima em função da transpiração e da regulação dos ciclos de água. Quando você destrói a floresta, muda o ciclo de chuvas. Estamos dando um tiro no pé.c