BRASÍLIA - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu nesta quinta-feira, 3, que políticas concebidas para ficar “fora do Orçamento” criam insegurança, ainda que tenham impacto “diminuto”. Ele comentou a necessidade de eliminação desses ruídos que podem atrapalhar o processo de recuperação da confiança sobre o fiscal e o alcance do grau de investimento soberano.
“Isso (recuperação fiscal) não é um desafio só da Fazenda, nem só da equipe econômica, nem só do governo. Tem de fazer esse debate, eliminar tudo o que causa ruído e incerteza no mercado. Ter grau de investimento é um legado que deixaremos”, disse Ceron, para quem tudo o que “atrapalha” o alcance do grau de investimento deveria ser debatido com “cuidado”.
O secretário disse que a elevação da nota do Brasil pela Moody’s, que deixa o País a um passo do grau de investimento, é uma “grande oportunidade” para a sociedade e os Poderes fecharem um “pacto” pelo equilíbrio fiscal. “Na minha modesta opinião, abriu-se janela por pacto da sociedade, com Poderes, mercado financeiro, para que o País atinja grau de investimento”, afirmou em entrevista à imprensa sobre os dados do Tesouro de agosto.
Segundo ele, o Congresso e o Judiciário entenderam a importância da agenda fiscal, o que se reflete nos resultados que o País apresenta. “Nós vamos dar esse meio passo que falta, isso vai gerar a expectativa de que, ao longo de 2025, ou no começo de 2026, o grau de investimento virá. Se essa expectativa se materializar, nós já começamos a colher os benefícios disso hoje. Começa a atrair capital, não residentes começam a retornar para o País, isso já gera efeitos em termos de atração de investimentos, seja investimento financeiro, seja investimento produtivo, com reflexo em câmbio, inflação, crescimento econômico”, disse.
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Ele afirmou que prefere observar esse caminho até o grau de investimento não como um “desafio”, mas como uma oportunidade, porque, para ele, o País pode suportar os ajustes necessários para recuperar o “selo de bom pagador”. Ceron afirmou que, para isso, o Brasil precisa “tão somente” garantir o cumprimento do arcabouço fiscal, a tendência sustentável de crescimento dos gastos e o atingimento das metas fiscais previstas. “Estamos a pequeno passo, uma oportunidade para consolidar ciclo de crescimento sustentável.”
Ele também afirmou que não vê como um brasileiro não possa estar feliz com o resultado da Moody’s. “A Moody’s foi clara ao colocar que há avanços, mas frisando que materialização do grau de investimento depende do compromisso fiscal”, afirmou o secretário, para quem a elevação da nota é um voto de confiança no País, e não em um governo. Ele ressaltou que a melhora do ambiente econômico vai se refletir em queda da taxa de juros, que incide sobre a dívida pública. “Quanto menor a dívida, menor o esforço fiscal que a sociedade precisa fazer para arcar com esses encargos”, afirmou.
Ceron disse ainda que, além de elevar a nota brasileira, a Moody’s colocou o País em perspectiva positiva, indicando que, num horizonte de até 18 meses, uma nova mudança do rating pode se materializar. “O País tem muito a comemorar. A decisão da Moody’s é muito relevante e há uma série de efeitos que serão colhidos em 2025. O País tem que comemorar, cresce e faz reformas institucionais, mas há desafios fiscais a serem endereçados”, disse.
Estabilização da dívida
Para o secretário, é importante que o País adote medidas para estabilizar a dívida pública “idealmente” num patamar ligeiramente inferior a 80% do PIB. “Seria um grande resultado.”
Ele lembrou que a equipe está refinando os dados da nova trajetória, afetada, segundo ele, pelo aumento da taxa de juros, com estabilização que ronda entre 81% e 82% do PIB em 2028.
“Estabilizar é o grande objetivo da política fiscal, sem dúvida nenhuma, estabilizar e depois começar a reduzir, o quanto mais próximo ou inferior a 80%, melhor. Então, como eu disse, agora é o momento de uma reflexão na sociedade do que falta fazer para a gente dar esse meio passo para o País recuperar o grau de investimento”, afirmou.
Ele defendeu também o debate sobre as medidas necessárias que conduzam a trajetória da dívida para uma estabilização, o que envolve um processo de crescimento das despesas obrigatória que seja compatível com o arcabouço fiscal. “É um necessário debate do quão importante é aproveitar essa oportunidade e fazer as medidas necessárias para que o País possa dar esse meio passo e mudar de patamar e voltar até o grau de investimento”, disse.
Ceron também defendeu que o governo está “muito atento” à gestão da dívida para tornar o mercado doméstico mais atrativo para os não-residentes. “Precisamos de estratégia coordenada na gestão da dívida tendo em vista retomada de grau de investimento. Isso tende a criar um fluxo de entrada de capital já se antecipando ao grau de investimento, se ele for crível”, avaliou.
Críticas de economistas
O secretário afirmou que, embora respeite as opiniões sobre a situação fiscal do País, é preciso fazer um alerta sobre a possibilidade de essas avaliações conterem um “conflito de interesse”. O comentário foi direcionado às críticas feitas por economistas sobre a elevação da nota soberana brasileira pela Moody’s.
“Evito comentar opinião de A ou B, mas tem que alertar, tem que se tomar cuidado, as opiniões expressas em geral dificilmente têm a isenção necessária”, afirmou Ceron. Segundo ele, quem opina tem “posições armadas para lá ou para cá”, no mercado de câmbio ou de juros. “Absorvemos as opiniões e respeitamos, mas precisamos olhar essas opiniões com serenidade”, disse.
Ceron também afirmou que, nas avaliações sobre a elevação do rating brasileiro, vê pouca discussão qualitativa sobre a metodologia usada pelas agências, o que acaba resultando num debate “superficial”. “Precisamos de debate qualificado sobre isso. Se são opinião da academia ou mercado ou se há conflito de interesse...”, disse o secretário, segundo quem o “plano de voo” do governo sempre foi “muito claro”.
Crescimento ‘preocupante’ do BPC
O secretário afirmou que a trajetória de crescimento de gastos do Benefício de Prestação Continuada (BPC) continua preocupante, com elevação de 14,5% em agosto. Enquanto as despesas previdenciárias apresentaram uma acomodação, com alta de 3,7% no mês retrasado, o BPC continua crescendo. No acumulado do ano, o aumento no benefício é de 16,6%. “É um grande fator que tem chamado atenção com crescimento expressivo”, avaliou.
Já os benefícios previdenciários cresceram 3,4% entre janeiro e agosto. Segundo ele, o patamar mais equilibrado de crescimento da Previdência também foi observado em setembro. “Despesa previdenciária está retornando para um patamar mais equilibrado, observamos entre julho e setembro”, disse Ceron, pontuando ainda que o mês passado também seguiu a mesma dinâmica de acomodação da base fiscal.
Dentro dos benefícios previdenciários, Ceron observou que o gasto foi pressionado pela elevação de despesas com sentenças judiciais e precatórios, com alta de 40,1%.
Apesar do avanço de 2% nas despesas gerais em agosto, o secretário comentou que haveria um decréscimo real dos gastos se não fosse o pagamento para o fundo eleitoral. “Afetou de forma substancial o resultado do mês”, disse.
Redesenho do vale-gás
Ceron disse que a reformulação da proposta de financiamento da política do auxílio-gás é positiva para o Brasil do ponto de vista fiscal e que o debate está sendo feito com “serenidade”. Ele não antecipou o novo desenho para colocar o benefício dentro do Orçamento porque as alternativas estão sendo discutidas e dependem da chancela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ceron reconheceu que a proposta anterior, que pretendia usar recursos do Fundo Social, gerou incertezas que não valem o custo da insegurança fiscal. “Ele tem uma dimensão muito pequena do ponto de vista de Orçamento para criar o ruído que tem gerado. Vale o governo fazer um esforço para adicionar dentro dos outros regulamentos fiscais já existentes para evitar, para tirar essa incerteza. Por mais que haja o compromisso de isso não virar um precedente, de fato ele tem uma dimensão pequena do ponto de vista fiscal”, disse Ceron, reconhecendo a preocupação porque, em outros momentos da história do País, “algo pequeno acabou se transformando em grande” e criou novos problemas.
Além do auxílio-gás, Ceron foi questionado sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66 e a interpretação de que um de seus dispositivos permite destinar até 25% do superávit de fundos públicos ao financiamento de projetos ligados a ações de enfrentamento, mitigação e adaptação a mudanças climáticas.
Para Ceron, há uma compreensão “equivocada” sobre a previsão da PEC. “Do ponto de vista patrimonial, não há alteração. Claro que há uma discussão de qual é o impacto em termos de subsídio implícito, obviamente você tem um diferencial de taxa, mas tirando isso, não é um recurso que tem um subterfúgio ou que está fora do regulamento, é uma despesa orçamentária como qualquer outra dentro da regra do orçamento, mas é uma despesa orçamentária financeira. O que está previsto na PEC é a possibilidade de você ter esse instrumento à disposição em caso de novas catástrofes”, disse Ceron, citando o caso do Rio Grande do Sul.
“Nós agimos muito rápido por ser uma situação excepcional e por não termos instrumentos preparados para reagir, então nós tínhamos que reconstruir isso do dia para a noite.”
Ceron alegou que não há nenhuma criação de fundo ou autorização nova para o BNDES. “É uma salvaguarda que fica à disposição”, defendeu. Por fim, o secretário afirmou que o Brasil tem grande oportunidade na transição para uma economia de baixo carbono e que precisa aproveitar essa janela sem criar qualquer tipo de ruído ou impacto na trajetória da dívida ou dos juros. “É um compromisso que temos”, disse.