The Economist: A falta de importância da América Latina no comércio mundial


A maior cordilheira do mundo e a maior floresta tropical tornam o comércio um desafio

Por The Economist
Atualização:

Seguindo um caminhão carregado com carros de fabricação brasileira enquanto desce as curvas fechadas do Paso Internacional Los Libertadores até o Chile, os desafios do comércio na América Latina ficam claros. Por quatro vezes o caminhão precisa parar enquanto os trabalhadores consertam a estrada à frente; neve, gelo e avalanches em breve destruirão a pista novamente.

A demora é tanta que os motoristas saem para fumar, olhando para os picos ao redor. Há pelo menos um acidente por semana, avalia um funcionário da fronteira. Esta é a travessia comercial mais movimentada entre a Argentina e o Chile, mas o gelo traiçoeiro significa que, no inverno, ela opera apenas 12 horas por dia. Durante cerca de 40 dias por ano, coberta de neve, a estrada é completamente fechada.

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O comércio internacional da América Latina, medido por exportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Os países latino-americanos são ainda piores em se tratando do comércio entre si. A região é muito mais rica do que a África Subsaariana, mas o comércio intrarregional representa apenas 7% do PIB em ambos os locais. Medido de forma diferente, apenas 14% do comércio total de bens da América Latina ocorre dentro da região, o valor mais baixo do mundo.

Estrada Interoceânica que liga Puerto Maldonado a Lima: rota São Paulo a Lima no Peru Foto: Epitacio Pessoa/AE
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O baixo comércio em geral é um problema. Os lugares mais ricos tendem a comercializar mais, e o comércio internacional tem sido um poderoso motor de desenvolvimento em todos os lugares, da Europa à Ásia. Contudo, é discutível se o baixo comércio regional é uma preocupação.

Para além do México, o crescimento comercial da América Latina nos anos mais recentes se baseou na crescente procura chinesa por commodities como cobre, soja e lítio. Muitos governos ainda estão ansiosos por se concentrarem nesta oportunidade, em vez de fomentarem o comércio com os vizinhos.

Mas a relação tensa entre os Estados Unidos e a China representa um risco. Se as tensões envolvendo Taiwan aumentarem, por exemplo, a América Latina poderá ter dificuldades em manter relações comerciais com seus dois parceiros mais importantes.

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O comércio internacional da América Latina, medido pexportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Deixando de lado o México, as exportações para os EUA se mantiveram estáveis no ano passado. Se o nearshoring estiver em curso, mas ainda não aparecer nas estatísticas de exportação, seria de esperar um aumento do investimento direto estrangeiro (IDE). Isso tampouco está acontecendo. Em porcentagem do PIB, o IDE recebido não é perceptivelmente superior à média de longo prazo na maior parte da América Latina. Comparemos isso com o Sudeste Asiático, que também procura se beneficiar das empresas que fogem da China, onde o IDE está aumentando rapidamente.

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O estímulo ao comércio intra-regional poderia proteger as economias latino-americanas da desaceleração da demanda chinesa, bem como das tensões entre as superpotências. Também poderia ajudar a tornar a América Latina mais competitiva globalmente. Se as peças e os produtos pudessem ser fabricados nas áreas da região onde é mais barato fazê-lo, sendo depois comercializados, combinados e vendidos, eles formariam as chamadas cadeias de valor regionais e impulsionariam as exportações. Por que, então, os países latino-americanos são tão ruins no comércio entre si?

Algumas razões são estruturais. “Não negociamos uns com os outros porque queremos consumir coisas que não produzimos”, diz Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard. O baixo comércio intra-regional deve-se, em parte, à falta de produção de artigos sofisticados. Pior ainda, os países latino-americanos produzem frequentemente as mesmas coisas: commodities.

O maior artigo de exportação do Chile é o cobre. O mesmo acontece com o Peru. Nenhum dos dois jamais venderá muito para o outro. A geografia também importa. A América do Sul abrange quase 18 milhões de quilômetros quadrados, quatro vezes o tamanho da União Europeia. A maior cordilheira do mundo e a sua maior floresta tropical tornam grande parte do continente intransitável para todos, exceto condores e onças.

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Estes fatores restringem o potencial do comércio intrarregional, mas são apenas parcialmente responsáveis pela sua pobreza. O FMI avalia que o comércio de bens na América Latina é 40% inferior ao que seria esperado quando o comparamos com outras partes do mundo com desafios econômicos e geográficos semelhantes. A semelhança das cestas de exportações desses países explica mais a diferença, mas as exportações podem mudar, e mudam ao longo do tempo.

O comércio intra-regional poderia melhorar se os governos abordassem os problemas básicos. Construir melhor infraestrutura aliviaria as dores de cabeça da geografia. A Argentina, por exemplo, ocupa a 73ª posição no índice de desempenho logístico do Banco Mundial, uma medida da qualidade da infraestrutura física e da eficiência aduaneira. O FMI estima que reduzir pela metade a lacuna entre a infraestrutura da América Latina e a dos países ricos poderia aumentar as exportações em 30%.

Base do Aconcágua

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De tempos em tempos, a ideia de cavar um vasto e longo túnel atravessando os Andes ressurge. Mas isso continua sendo um sonho impossível. Enquanto isso, caminhoneiros como Ricardo Emmanuel, de 38 anos, um homem de Mendoza, na Argentina, continuam transportando mercadorias para cima e para baixo em rotas perigosas e lentas. “Daquele lado a pista nunca é consertada”, reclama ele, apontando para a estrada em direção à Argentina, do alto do Paso Internacional Los Libertadores.

Ele elogia o elegante complexo alfandegário do Chile, situado no alto dos Andes, mas diz que os argentinos às vezes abrem apenas um dos seus muitos postos de controle, gerando uma fila de caminhões. Por que? “Eles não querem trabalhar!” grita ele, frustrado.

Uma melhor política comercial também ajudaria. À primeira vista, o quadro parece bom: quase 90% do comércio intrarregional já é isento de tarifas. Mas esses números são lisonjeiros e enganosos. Há dois grandes problemas. Primeiro, não existe um acordo comercial preferencial adequado entre o México, a segunda maior economia da região, e o Brasil e a Argentina, a maior e a terceira maior.

Em segundo lugar, grande parte do comércio livre se baseia em um emaranhado de acordos bilaterais. Isto é importante porque a maioria desses acordos obriga os produtores a utilizar matérias-primas e insumos produzidos quase exclusivamente no seu país de origem, em vez de provenientes de países terceiros, potencialmente mais baratos, da região. “Este é um enorme obstáculo à criação de cadeias de valor regionais”, afirma Antoni Estevadeordal, da Universidade Georgetown. Ele avalia que essas regras equivalem a uma tarifa extra de cerca de 15%.

Alguns líderes latino-americanos simplesmente não querem um comércio mais livre. Brasil e Argentina são os dois mercados emergentes mais protecionistas do mundo, diz Marcel Vaillant, da Universidade da República, no Uruguai. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado do continente, mas o protecionismo significa que, para muitas empresas na América Latina, as vendas para o país são limitadas.

A Argentina cobra atualmente um imposto de 17,5% sobre compras de moeda estrangeira para a maioria das importações, e tributa diretamente vastas áreas das suas exportações (os impostos de exportação também são populares no Cazaquistão, mas são vistos como uma loucura nos países ricos). As barreiras não tarifárias são abundantes em toda a região. Os produtores chilenos de tudo, desde abacate a salmão, têm de realizar processos de vigilância sanitária separados para cada mercado para o qual exportam. “Isso representa tempo e dinheiro”, salienta Ignacio Fernández Ruiz, chefe da ProChile, a agência de promoção de exportações do país.

Este protecionismo também destruiu grandes esperanças para o Mercosul, a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em vez disso, o bloco tem barreiras tarifárias elevadas para o restante do mundo e está repleto de barreiras internas. O Mercosul impulsionou brevemente o comércio entre seus membros, mas o comércio dentro do grupo não é atualmente melhor do que entre outros países da região. O comércio entre o Mercosul e o resto da América Latina é miseravelmente baixo.

A volatilidade política é outra dor de cabeça. A Aliança do Pacífico, um acordo de comércio livre entre o Chile, a Colômbia, o México e o Peru, foi lançada por quatro líderes de centro-direita em 2011. Esperava-se que fosse um modelo de como a integração regional também poderia impulsionar o comércio global. Mas a eleição de líderes de esquerda na Colômbia, no Chile e no México minou o dinamismo da organização.

O México se recusou a passar a liderança rotativa da Aliança para a presidente Dina Boluarte do Peru, alegando que a nomeação dela era ilegítima depois de ter substituído seu antecessor, envolvido em um impeachment. A Aliança do Pacífico está no seu ponto mais baixo desde que foi fundada, afirma Felipe Lopeandía, antigo negociador comercial principal do Chile, agora na Deloitte, uma empresa de consultoria.

Ainda assim, é mais fácil resolver estes problemas do que mover os Andes. E mesmo os dois impedimentos estruturais ao comércio na América Latina – a geografia e o fato de os seus países produzirem bens semelhantes – parecem diferentes da perspectiva da parte do comércio global que está se expandindo mais rapidamente: os serviços.

A Amazon não impede que consultorias equatorianas vendam seus serviços no Brasil. Para as empresas chilenas de engenharia de minas, o fato de o Peru também produzir cobre representa uma tremenda oportunidade. O comércio intra-regional de serviços da América Latina ainda é baixo, mas o potencial é óbvio.

As exportações de serviços do Chile também são pequenas, mas, no ano passado, cresceram 51%, principalmente na América Latina. O potencial para crescer entusiasma Fernández Ruiz, que trouxe dezenas de grandes empresas de toda a América Latina para conhecer prestadores de serviços chilenos. Não é a primeira vez que a região poderá aprender com o Chile pró-comércio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Seguindo um caminhão carregado com carros de fabricação brasileira enquanto desce as curvas fechadas do Paso Internacional Los Libertadores até o Chile, os desafios do comércio na América Latina ficam claros. Por quatro vezes o caminhão precisa parar enquanto os trabalhadores consertam a estrada à frente; neve, gelo e avalanches em breve destruirão a pista novamente.

A demora é tanta que os motoristas saem para fumar, olhando para os picos ao redor. Há pelo menos um acidente por semana, avalia um funcionário da fronteira. Esta é a travessia comercial mais movimentada entre a Argentina e o Chile, mas o gelo traiçoeiro significa que, no inverno, ela opera apenas 12 horas por dia. Durante cerca de 40 dias por ano, coberta de neve, a estrada é completamente fechada.

O comércio internacional da América Latina, medido por exportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Os países latino-americanos são ainda piores em se tratando do comércio entre si. A região é muito mais rica do que a África Subsaariana, mas o comércio intrarregional representa apenas 7% do PIB em ambos os locais. Medido de forma diferente, apenas 14% do comércio total de bens da América Latina ocorre dentro da região, o valor mais baixo do mundo.

Estrada Interoceânica que liga Puerto Maldonado a Lima: rota São Paulo a Lima no Peru Foto: Epitacio Pessoa/AE

O baixo comércio em geral é um problema. Os lugares mais ricos tendem a comercializar mais, e o comércio internacional tem sido um poderoso motor de desenvolvimento em todos os lugares, da Europa à Ásia. Contudo, é discutível se o baixo comércio regional é uma preocupação.

Para além do México, o crescimento comercial da América Latina nos anos mais recentes se baseou na crescente procura chinesa por commodities como cobre, soja e lítio. Muitos governos ainda estão ansiosos por se concentrarem nesta oportunidade, em vez de fomentarem o comércio com os vizinhos.

Mas a relação tensa entre os Estados Unidos e a China representa um risco. Se as tensões envolvendo Taiwan aumentarem, por exemplo, a América Latina poderá ter dificuldades em manter relações comerciais com seus dois parceiros mais importantes.

O comércio internacional da América Latina, medido pexportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Deixando de lado o México, as exportações para os EUA se mantiveram estáveis no ano passado. Se o nearshoring estiver em curso, mas ainda não aparecer nas estatísticas de exportação, seria de esperar um aumento do investimento direto estrangeiro (IDE). Isso tampouco está acontecendo. Em porcentagem do PIB, o IDE recebido não é perceptivelmente superior à média de longo prazo na maior parte da América Latina. Comparemos isso com o Sudeste Asiático, que também procura se beneficiar das empresas que fogem da China, onde o IDE está aumentando rapidamente.

O estímulo ao comércio intra-regional poderia proteger as economias latino-americanas da desaceleração da demanda chinesa, bem como das tensões entre as superpotências. Também poderia ajudar a tornar a América Latina mais competitiva globalmente. Se as peças e os produtos pudessem ser fabricados nas áreas da região onde é mais barato fazê-lo, sendo depois comercializados, combinados e vendidos, eles formariam as chamadas cadeias de valor regionais e impulsionariam as exportações. Por que, então, os países latino-americanos são tão ruins no comércio entre si?

Algumas razões são estruturais. “Não negociamos uns com os outros porque queremos consumir coisas que não produzimos”, diz Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard. O baixo comércio intra-regional deve-se, em parte, à falta de produção de artigos sofisticados. Pior ainda, os países latino-americanos produzem frequentemente as mesmas coisas: commodities.

O maior artigo de exportação do Chile é o cobre. O mesmo acontece com o Peru. Nenhum dos dois jamais venderá muito para o outro. A geografia também importa. A América do Sul abrange quase 18 milhões de quilômetros quadrados, quatro vezes o tamanho da União Europeia. A maior cordilheira do mundo e a sua maior floresta tropical tornam grande parte do continente intransitável para todos, exceto condores e onças.

Estes fatores restringem o potencial do comércio intrarregional, mas são apenas parcialmente responsáveis pela sua pobreza. O FMI avalia que o comércio de bens na América Latina é 40% inferior ao que seria esperado quando o comparamos com outras partes do mundo com desafios econômicos e geográficos semelhantes. A semelhança das cestas de exportações desses países explica mais a diferença, mas as exportações podem mudar, e mudam ao longo do tempo.

O comércio intra-regional poderia melhorar se os governos abordassem os problemas básicos. Construir melhor infraestrutura aliviaria as dores de cabeça da geografia. A Argentina, por exemplo, ocupa a 73ª posição no índice de desempenho logístico do Banco Mundial, uma medida da qualidade da infraestrutura física e da eficiência aduaneira. O FMI estima que reduzir pela metade a lacuna entre a infraestrutura da América Latina e a dos países ricos poderia aumentar as exportações em 30%.

Base do Aconcágua

De tempos em tempos, a ideia de cavar um vasto e longo túnel atravessando os Andes ressurge. Mas isso continua sendo um sonho impossível. Enquanto isso, caminhoneiros como Ricardo Emmanuel, de 38 anos, um homem de Mendoza, na Argentina, continuam transportando mercadorias para cima e para baixo em rotas perigosas e lentas. “Daquele lado a pista nunca é consertada”, reclama ele, apontando para a estrada em direção à Argentina, do alto do Paso Internacional Los Libertadores.

Ele elogia o elegante complexo alfandegário do Chile, situado no alto dos Andes, mas diz que os argentinos às vezes abrem apenas um dos seus muitos postos de controle, gerando uma fila de caminhões. Por que? “Eles não querem trabalhar!” grita ele, frustrado.

Uma melhor política comercial também ajudaria. À primeira vista, o quadro parece bom: quase 90% do comércio intrarregional já é isento de tarifas. Mas esses números são lisonjeiros e enganosos. Há dois grandes problemas. Primeiro, não existe um acordo comercial preferencial adequado entre o México, a segunda maior economia da região, e o Brasil e a Argentina, a maior e a terceira maior.

Em segundo lugar, grande parte do comércio livre se baseia em um emaranhado de acordos bilaterais. Isto é importante porque a maioria desses acordos obriga os produtores a utilizar matérias-primas e insumos produzidos quase exclusivamente no seu país de origem, em vez de provenientes de países terceiros, potencialmente mais baratos, da região. “Este é um enorme obstáculo à criação de cadeias de valor regionais”, afirma Antoni Estevadeordal, da Universidade Georgetown. Ele avalia que essas regras equivalem a uma tarifa extra de cerca de 15%.

Alguns líderes latino-americanos simplesmente não querem um comércio mais livre. Brasil e Argentina são os dois mercados emergentes mais protecionistas do mundo, diz Marcel Vaillant, da Universidade da República, no Uruguai. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado do continente, mas o protecionismo significa que, para muitas empresas na América Latina, as vendas para o país são limitadas.

A Argentina cobra atualmente um imposto de 17,5% sobre compras de moeda estrangeira para a maioria das importações, e tributa diretamente vastas áreas das suas exportações (os impostos de exportação também são populares no Cazaquistão, mas são vistos como uma loucura nos países ricos). As barreiras não tarifárias são abundantes em toda a região. Os produtores chilenos de tudo, desde abacate a salmão, têm de realizar processos de vigilância sanitária separados para cada mercado para o qual exportam. “Isso representa tempo e dinheiro”, salienta Ignacio Fernández Ruiz, chefe da ProChile, a agência de promoção de exportações do país.

Este protecionismo também destruiu grandes esperanças para o Mercosul, a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em vez disso, o bloco tem barreiras tarifárias elevadas para o restante do mundo e está repleto de barreiras internas. O Mercosul impulsionou brevemente o comércio entre seus membros, mas o comércio dentro do grupo não é atualmente melhor do que entre outros países da região. O comércio entre o Mercosul e o resto da América Latina é miseravelmente baixo.

A volatilidade política é outra dor de cabeça. A Aliança do Pacífico, um acordo de comércio livre entre o Chile, a Colômbia, o México e o Peru, foi lançada por quatro líderes de centro-direita em 2011. Esperava-se que fosse um modelo de como a integração regional também poderia impulsionar o comércio global. Mas a eleição de líderes de esquerda na Colômbia, no Chile e no México minou o dinamismo da organização.

O México se recusou a passar a liderança rotativa da Aliança para a presidente Dina Boluarte do Peru, alegando que a nomeação dela era ilegítima depois de ter substituído seu antecessor, envolvido em um impeachment. A Aliança do Pacífico está no seu ponto mais baixo desde que foi fundada, afirma Felipe Lopeandía, antigo negociador comercial principal do Chile, agora na Deloitte, uma empresa de consultoria.

Ainda assim, é mais fácil resolver estes problemas do que mover os Andes. E mesmo os dois impedimentos estruturais ao comércio na América Latina – a geografia e o fato de os seus países produzirem bens semelhantes – parecem diferentes da perspectiva da parte do comércio global que está se expandindo mais rapidamente: os serviços.

A Amazon não impede que consultorias equatorianas vendam seus serviços no Brasil. Para as empresas chilenas de engenharia de minas, o fato de o Peru também produzir cobre representa uma tremenda oportunidade. O comércio intra-regional de serviços da América Latina ainda é baixo, mas o potencial é óbvio.

As exportações de serviços do Chile também são pequenas, mas, no ano passado, cresceram 51%, principalmente na América Latina. O potencial para crescer entusiasma Fernández Ruiz, que trouxe dezenas de grandes empresas de toda a América Latina para conhecer prestadores de serviços chilenos. Não é a primeira vez que a região poderá aprender com o Chile pró-comércio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Seguindo um caminhão carregado com carros de fabricação brasileira enquanto desce as curvas fechadas do Paso Internacional Los Libertadores até o Chile, os desafios do comércio na América Latina ficam claros. Por quatro vezes o caminhão precisa parar enquanto os trabalhadores consertam a estrada à frente; neve, gelo e avalanches em breve destruirão a pista novamente.

A demora é tanta que os motoristas saem para fumar, olhando para os picos ao redor. Há pelo menos um acidente por semana, avalia um funcionário da fronteira. Esta é a travessia comercial mais movimentada entre a Argentina e o Chile, mas o gelo traiçoeiro significa que, no inverno, ela opera apenas 12 horas por dia. Durante cerca de 40 dias por ano, coberta de neve, a estrada é completamente fechada.

O comércio internacional da América Latina, medido por exportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Os países latino-americanos são ainda piores em se tratando do comércio entre si. A região é muito mais rica do que a África Subsaariana, mas o comércio intrarregional representa apenas 7% do PIB em ambos os locais. Medido de forma diferente, apenas 14% do comércio total de bens da América Latina ocorre dentro da região, o valor mais baixo do mundo.

Estrada Interoceânica que liga Puerto Maldonado a Lima: rota São Paulo a Lima no Peru Foto: Epitacio Pessoa/AE

O baixo comércio em geral é um problema. Os lugares mais ricos tendem a comercializar mais, e o comércio internacional tem sido um poderoso motor de desenvolvimento em todos os lugares, da Europa à Ásia. Contudo, é discutível se o baixo comércio regional é uma preocupação.

Para além do México, o crescimento comercial da América Latina nos anos mais recentes se baseou na crescente procura chinesa por commodities como cobre, soja e lítio. Muitos governos ainda estão ansiosos por se concentrarem nesta oportunidade, em vez de fomentarem o comércio com os vizinhos.

Mas a relação tensa entre os Estados Unidos e a China representa um risco. Se as tensões envolvendo Taiwan aumentarem, por exemplo, a América Latina poderá ter dificuldades em manter relações comerciais com seus dois parceiros mais importantes.

O comércio internacional da América Latina, medido pexportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Deixando de lado o México, as exportações para os EUA se mantiveram estáveis no ano passado. Se o nearshoring estiver em curso, mas ainda não aparecer nas estatísticas de exportação, seria de esperar um aumento do investimento direto estrangeiro (IDE). Isso tampouco está acontecendo. Em porcentagem do PIB, o IDE recebido não é perceptivelmente superior à média de longo prazo na maior parte da América Latina. Comparemos isso com o Sudeste Asiático, que também procura se beneficiar das empresas que fogem da China, onde o IDE está aumentando rapidamente.

O estímulo ao comércio intra-regional poderia proteger as economias latino-americanas da desaceleração da demanda chinesa, bem como das tensões entre as superpotências. Também poderia ajudar a tornar a América Latina mais competitiva globalmente. Se as peças e os produtos pudessem ser fabricados nas áreas da região onde é mais barato fazê-lo, sendo depois comercializados, combinados e vendidos, eles formariam as chamadas cadeias de valor regionais e impulsionariam as exportações. Por que, então, os países latino-americanos são tão ruins no comércio entre si?

Algumas razões são estruturais. “Não negociamos uns com os outros porque queremos consumir coisas que não produzimos”, diz Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard. O baixo comércio intra-regional deve-se, em parte, à falta de produção de artigos sofisticados. Pior ainda, os países latino-americanos produzem frequentemente as mesmas coisas: commodities.

O maior artigo de exportação do Chile é o cobre. O mesmo acontece com o Peru. Nenhum dos dois jamais venderá muito para o outro. A geografia também importa. A América do Sul abrange quase 18 milhões de quilômetros quadrados, quatro vezes o tamanho da União Europeia. A maior cordilheira do mundo e a sua maior floresta tropical tornam grande parte do continente intransitável para todos, exceto condores e onças.

Estes fatores restringem o potencial do comércio intrarregional, mas são apenas parcialmente responsáveis pela sua pobreza. O FMI avalia que o comércio de bens na América Latina é 40% inferior ao que seria esperado quando o comparamos com outras partes do mundo com desafios econômicos e geográficos semelhantes. A semelhança das cestas de exportações desses países explica mais a diferença, mas as exportações podem mudar, e mudam ao longo do tempo.

O comércio intra-regional poderia melhorar se os governos abordassem os problemas básicos. Construir melhor infraestrutura aliviaria as dores de cabeça da geografia. A Argentina, por exemplo, ocupa a 73ª posição no índice de desempenho logístico do Banco Mundial, uma medida da qualidade da infraestrutura física e da eficiência aduaneira. O FMI estima que reduzir pela metade a lacuna entre a infraestrutura da América Latina e a dos países ricos poderia aumentar as exportações em 30%.

Base do Aconcágua

De tempos em tempos, a ideia de cavar um vasto e longo túnel atravessando os Andes ressurge. Mas isso continua sendo um sonho impossível. Enquanto isso, caminhoneiros como Ricardo Emmanuel, de 38 anos, um homem de Mendoza, na Argentina, continuam transportando mercadorias para cima e para baixo em rotas perigosas e lentas. “Daquele lado a pista nunca é consertada”, reclama ele, apontando para a estrada em direção à Argentina, do alto do Paso Internacional Los Libertadores.

Ele elogia o elegante complexo alfandegário do Chile, situado no alto dos Andes, mas diz que os argentinos às vezes abrem apenas um dos seus muitos postos de controle, gerando uma fila de caminhões. Por que? “Eles não querem trabalhar!” grita ele, frustrado.

Uma melhor política comercial também ajudaria. À primeira vista, o quadro parece bom: quase 90% do comércio intrarregional já é isento de tarifas. Mas esses números são lisonjeiros e enganosos. Há dois grandes problemas. Primeiro, não existe um acordo comercial preferencial adequado entre o México, a segunda maior economia da região, e o Brasil e a Argentina, a maior e a terceira maior.

Em segundo lugar, grande parte do comércio livre se baseia em um emaranhado de acordos bilaterais. Isto é importante porque a maioria desses acordos obriga os produtores a utilizar matérias-primas e insumos produzidos quase exclusivamente no seu país de origem, em vez de provenientes de países terceiros, potencialmente mais baratos, da região. “Este é um enorme obstáculo à criação de cadeias de valor regionais”, afirma Antoni Estevadeordal, da Universidade Georgetown. Ele avalia que essas regras equivalem a uma tarifa extra de cerca de 15%.

Alguns líderes latino-americanos simplesmente não querem um comércio mais livre. Brasil e Argentina são os dois mercados emergentes mais protecionistas do mundo, diz Marcel Vaillant, da Universidade da República, no Uruguai. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado do continente, mas o protecionismo significa que, para muitas empresas na América Latina, as vendas para o país são limitadas.

A Argentina cobra atualmente um imposto de 17,5% sobre compras de moeda estrangeira para a maioria das importações, e tributa diretamente vastas áreas das suas exportações (os impostos de exportação também são populares no Cazaquistão, mas são vistos como uma loucura nos países ricos). As barreiras não tarifárias são abundantes em toda a região. Os produtores chilenos de tudo, desde abacate a salmão, têm de realizar processos de vigilância sanitária separados para cada mercado para o qual exportam. “Isso representa tempo e dinheiro”, salienta Ignacio Fernández Ruiz, chefe da ProChile, a agência de promoção de exportações do país.

Este protecionismo também destruiu grandes esperanças para o Mercosul, a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em vez disso, o bloco tem barreiras tarifárias elevadas para o restante do mundo e está repleto de barreiras internas. O Mercosul impulsionou brevemente o comércio entre seus membros, mas o comércio dentro do grupo não é atualmente melhor do que entre outros países da região. O comércio entre o Mercosul e o resto da América Latina é miseravelmente baixo.

A volatilidade política é outra dor de cabeça. A Aliança do Pacífico, um acordo de comércio livre entre o Chile, a Colômbia, o México e o Peru, foi lançada por quatro líderes de centro-direita em 2011. Esperava-se que fosse um modelo de como a integração regional também poderia impulsionar o comércio global. Mas a eleição de líderes de esquerda na Colômbia, no Chile e no México minou o dinamismo da organização.

O México se recusou a passar a liderança rotativa da Aliança para a presidente Dina Boluarte do Peru, alegando que a nomeação dela era ilegítima depois de ter substituído seu antecessor, envolvido em um impeachment. A Aliança do Pacífico está no seu ponto mais baixo desde que foi fundada, afirma Felipe Lopeandía, antigo negociador comercial principal do Chile, agora na Deloitte, uma empresa de consultoria.

Ainda assim, é mais fácil resolver estes problemas do que mover os Andes. E mesmo os dois impedimentos estruturais ao comércio na América Latina – a geografia e o fato de os seus países produzirem bens semelhantes – parecem diferentes da perspectiva da parte do comércio global que está se expandindo mais rapidamente: os serviços.

A Amazon não impede que consultorias equatorianas vendam seus serviços no Brasil. Para as empresas chilenas de engenharia de minas, o fato de o Peru também produzir cobre representa uma tremenda oportunidade. O comércio intra-regional de serviços da América Latina ainda é baixo, mas o potencial é óbvio.

As exportações de serviços do Chile também são pequenas, mas, no ano passado, cresceram 51%, principalmente na América Latina. O potencial para crescer entusiasma Fernández Ruiz, que trouxe dezenas de grandes empresas de toda a América Latina para conhecer prestadores de serviços chilenos. Não é a primeira vez que a região poderá aprender com o Chile pró-comércio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Seguindo um caminhão carregado com carros de fabricação brasileira enquanto desce as curvas fechadas do Paso Internacional Los Libertadores até o Chile, os desafios do comércio na América Latina ficam claros. Por quatro vezes o caminhão precisa parar enquanto os trabalhadores consertam a estrada à frente; neve, gelo e avalanches em breve destruirão a pista novamente.

A demora é tanta que os motoristas saem para fumar, olhando para os picos ao redor. Há pelo menos um acidente por semana, avalia um funcionário da fronteira. Esta é a travessia comercial mais movimentada entre a Argentina e o Chile, mas o gelo traiçoeiro significa que, no inverno, ela opera apenas 12 horas por dia. Durante cerca de 40 dias por ano, coberta de neve, a estrada é completamente fechada.

O comércio internacional da América Latina, medido por exportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Os países latino-americanos são ainda piores em se tratando do comércio entre si. A região é muito mais rica do que a África Subsaariana, mas o comércio intrarregional representa apenas 7% do PIB em ambos os locais. Medido de forma diferente, apenas 14% do comércio total de bens da América Latina ocorre dentro da região, o valor mais baixo do mundo.

Estrada Interoceânica que liga Puerto Maldonado a Lima: rota São Paulo a Lima no Peru Foto: Epitacio Pessoa/AE

O baixo comércio em geral é um problema. Os lugares mais ricos tendem a comercializar mais, e o comércio internacional tem sido um poderoso motor de desenvolvimento em todos os lugares, da Europa à Ásia. Contudo, é discutível se o baixo comércio regional é uma preocupação.

Para além do México, o crescimento comercial da América Latina nos anos mais recentes se baseou na crescente procura chinesa por commodities como cobre, soja e lítio. Muitos governos ainda estão ansiosos por se concentrarem nesta oportunidade, em vez de fomentarem o comércio com os vizinhos.

Mas a relação tensa entre os Estados Unidos e a China representa um risco. Se as tensões envolvendo Taiwan aumentarem, por exemplo, a América Latina poderá ter dificuldades em manter relações comerciais com seus dois parceiros mais importantes.

O comércio internacional da América Latina, medido pexportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Deixando de lado o México, as exportações para os EUA se mantiveram estáveis no ano passado. Se o nearshoring estiver em curso, mas ainda não aparecer nas estatísticas de exportação, seria de esperar um aumento do investimento direto estrangeiro (IDE). Isso tampouco está acontecendo. Em porcentagem do PIB, o IDE recebido não é perceptivelmente superior à média de longo prazo na maior parte da América Latina. Comparemos isso com o Sudeste Asiático, que também procura se beneficiar das empresas que fogem da China, onde o IDE está aumentando rapidamente.

O estímulo ao comércio intra-regional poderia proteger as economias latino-americanas da desaceleração da demanda chinesa, bem como das tensões entre as superpotências. Também poderia ajudar a tornar a América Latina mais competitiva globalmente. Se as peças e os produtos pudessem ser fabricados nas áreas da região onde é mais barato fazê-lo, sendo depois comercializados, combinados e vendidos, eles formariam as chamadas cadeias de valor regionais e impulsionariam as exportações. Por que, então, os países latino-americanos são tão ruins no comércio entre si?

Algumas razões são estruturais. “Não negociamos uns com os outros porque queremos consumir coisas que não produzimos”, diz Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard. O baixo comércio intra-regional deve-se, em parte, à falta de produção de artigos sofisticados. Pior ainda, os países latino-americanos produzem frequentemente as mesmas coisas: commodities.

O maior artigo de exportação do Chile é o cobre. O mesmo acontece com o Peru. Nenhum dos dois jamais venderá muito para o outro. A geografia também importa. A América do Sul abrange quase 18 milhões de quilômetros quadrados, quatro vezes o tamanho da União Europeia. A maior cordilheira do mundo e a sua maior floresta tropical tornam grande parte do continente intransitável para todos, exceto condores e onças.

Estes fatores restringem o potencial do comércio intrarregional, mas são apenas parcialmente responsáveis pela sua pobreza. O FMI avalia que o comércio de bens na América Latina é 40% inferior ao que seria esperado quando o comparamos com outras partes do mundo com desafios econômicos e geográficos semelhantes. A semelhança das cestas de exportações desses países explica mais a diferença, mas as exportações podem mudar, e mudam ao longo do tempo.

O comércio intra-regional poderia melhorar se os governos abordassem os problemas básicos. Construir melhor infraestrutura aliviaria as dores de cabeça da geografia. A Argentina, por exemplo, ocupa a 73ª posição no índice de desempenho logístico do Banco Mundial, uma medida da qualidade da infraestrutura física e da eficiência aduaneira. O FMI estima que reduzir pela metade a lacuna entre a infraestrutura da América Latina e a dos países ricos poderia aumentar as exportações em 30%.

Base do Aconcágua

De tempos em tempos, a ideia de cavar um vasto e longo túnel atravessando os Andes ressurge. Mas isso continua sendo um sonho impossível. Enquanto isso, caminhoneiros como Ricardo Emmanuel, de 38 anos, um homem de Mendoza, na Argentina, continuam transportando mercadorias para cima e para baixo em rotas perigosas e lentas. “Daquele lado a pista nunca é consertada”, reclama ele, apontando para a estrada em direção à Argentina, do alto do Paso Internacional Los Libertadores.

Ele elogia o elegante complexo alfandegário do Chile, situado no alto dos Andes, mas diz que os argentinos às vezes abrem apenas um dos seus muitos postos de controle, gerando uma fila de caminhões. Por que? “Eles não querem trabalhar!” grita ele, frustrado.

Uma melhor política comercial também ajudaria. À primeira vista, o quadro parece bom: quase 90% do comércio intrarregional já é isento de tarifas. Mas esses números são lisonjeiros e enganosos. Há dois grandes problemas. Primeiro, não existe um acordo comercial preferencial adequado entre o México, a segunda maior economia da região, e o Brasil e a Argentina, a maior e a terceira maior.

Em segundo lugar, grande parte do comércio livre se baseia em um emaranhado de acordos bilaterais. Isto é importante porque a maioria desses acordos obriga os produtores a utilizar matérias-primas e insumos produzidos quase exclusivamente no seu país de origem, em vez de provenientes de países terceiros, potencialmente mais baratos, da região. “Este é um enorme obstáculo à criação de cadeias de valor regionais”, afirma Antoni Estevadeordal, da Universidade Georgetown. Ele avalia que essas regras equivalem a uma tarifa extra de cerca de 15%.

Alguns líderes latino-americanos simplesmente não querem um comércio mais livre. Brasil e Argentina são os dois mercados emergentes mais protecionistas do mundo, diz Marcel Vaillant, da Universidade da República, no Uruguai. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado do continente, mas o protecionismo significa que, para muitas empresas na América Latina, as vendas para o país são limitadas.

A Argentina cobra atualmente um imposto de 17,5% sobre compras de moeda estrangeira para a maioria das importações, e tributa diretamente vastas áreas das suas exportações (os impostos de exportação também são populares no Cazaquistão, mas são vistos como uma loucura nos países ricos). As barreiras não tarifárias são abundantes em toda a região. Os produtores chilenos de tudo, desde abacate a salmão, têm de realizar processos de vigilância sanitária separados para cada mercado para o qual exportam. “Isso representa tempo e dinheiro”, salienta Ignacio Fernández Ruiz, chefe da ProChile, a agência de promoção de exportações do país.

Este protecionismo também destruiu grandes esperanças para o Mercosul, a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em vez disso, o bloco tem barreiras tarifárias elevadas para o restante do mundo e está repleto de barreiras internas. O Mercosul impulsionou brevemente o comércio entre seus membros, mas o comércio dentro do grupo não é atualmente melhor do que entre outros países da região. O comércio entre o Mercosul e o resto da América Latina é miseravelmente baixo.

A volatilidade política é outra dor de cabeça. A Aliança do Pacífico, um acordo de comércio livre entre o Chile, a Colômbia, o México e o Peru, foi lançada por quatro líderes de centro-direita em 2011. Esperava-se que fosse um modelo de como a integração regional também poderia impulsionar o comércio global. Mas a eleição de líderes de esquerda na Colômbia, no Chile e no México minou o dinamismo da organização.

O México se recusou a passar a liderança rotativa da Aliança para a presidente Dina Boluarte do Peru, alegando que a nomeação dela era ilegítima depois de ter substituído seu antecessor, envolvido em um impeachment. A Aliança do Pacífico está no seu ponto mais baixo desde que foi fundada, afirma Felipe Lopeandía, antigo negociador comercial principal do Chile, agora na Deloitte, uma empresa de consultoria.

Ainda assim, é mais fácil resolver estes problemas do que mover os Andes. E mesmo os dois impedimentos estruturais ao comércio na América Latina – a geografia e o fato de os seus países produzirem bens semelhantes – parecem diferentes da perspectiva da parte do comércio global que está se expandindo mais rapidamente: os serviços.

A Amazon não impede que consultorias equatorianas vendam seus serviços no Brasil. Para as empresas chilenas de engenharia de minas, o fato de o Peru também produzir cobre representa uma tremenda oportunidade. O comércio intra-regional de serviços da América Latina ainda é baixo, mas o potencial é óbvio.

As exportações de serviços do Chile também são pequenas, mas, no ano passado, cresceram 51%, principalmente na América Latina. O potencial para crescer entusiasma Fernández Ruiz, que trouxe dezenas de grandes empresas de toda a América Latina para conhecer prestadores de serviços chilenos. Não é a primeira vez que a região poderá aprender com o Chile pró-comércio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Seguindo um caminhão carregado com carros de fabricação brasileira enquanto desce as curvas fechadas do Paso Internacional Los Libertadores até o Chile, os desafios do comércio na América Latina ficam claros. Por quatro vezes o caminhão precisa parar enquanto os trabalhadores consertam a estrada à frente; neve, gelo e avalanches em breve destruirão a pista novamente.

A demora é tanta que os motoristas saem para fumar, olhando para os picos ao redor. Há pelo menos um acidente por semana, avalia um funcionário da fronteira. Esta é a travessia comercial mais movimentada entre a Argentina e o Chile, mas o gelo traiçoeiro significa que, no inverno, ela opera apenas 12 horas por dia. Durante cerca de 40 dias por ano, coberta de neve, a estrada é completamente fechada.

O comércio internacional da América Latina, medido por exportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Os países latino-americanos são ainda piores em se tratando do comércio entre si. A região é muito mais rica do que a África Subsaariana, mas o comércio intrarregional representa apenas 7% do PIB em ambos os locais. Medido de forma diferente, apenas 14% do comércio total de bens da América Latina ocorre dentro da região, o valor mais baixo do mundo.

Estrada Interoceânica que liga Puerto Maldonado a Lima: rota São Paulo a Lima no Peru Foto: Epitacio Pessoa/AE

O baixo comércio em geral é um problema. Os lugares mais ricos tendem a comercializar mais, e o comércio internacional tem sido um poderoso motor de desenvolvimento em todos os lugares, da Europa à Ásia. Contudo, é discutível se o baixo comércio regional é uma preocupação.

Para além do México, o crescimento comercial da América Latina nos anos mais recentes se baseou na crescente procura chinesa por commodities como cobre, soja e lítio. Muitos governos ainda estão ansiosos por se concentrarem nesta oportunidade, em vez de fomentarem o comércio com os vizinhos.

Mas a relação tensa entre os Estados Unidos e a China representa um risco. Se as tensões envolvendo Taiwan aumentarem, por exemplo, a América Latina poderá ter dificuldades em manter relações comerciais com seus dois parceiros mais importantes.

O comércio internacional da América Latina, medido pexportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Deixando de lado o México, as exportações para os EUA se mantiveram estáveis no ano passado. Se o nearshoring estiver em curso, mas ainda não aparecer nas estatísticas de exportação, seria de esperar um aumento do investimento direto estrangeiro (IDE). Isso tampouco está acontecendo. Em porcentagem do PIB, o IDE recebido não é perceptivelmente superior à média de longo prazo na maior parte da América Latina. Comparemos isso com o Sudeste Asiático, que também procura se beneficiar das empresas que fogem da China, onde o IDE está aumentando rapidamente.

O estímulo ao comércio intra-regional poderia proteger as economias latino-americanas da desaceleração da demanda chinesa, bem como das tensões entre as superpotências. Também poderia ajudar a tornar a América Latina mais competitiva globalmente. Se as peças e os produtos pudessem ser fabricados nas áreas da região onde é mais barato fazê-lo, sendo depois comercializados, combinados e vendidos, eles formariam as chamadas cadeias de valor regionais e impulsionariam as exportações. Por que, então, os países latino-americanos são tão ruins no comércio entre si?

Algumas razões são estruturais. “Não negociamos uns com os outros porque queremos consumir coisas que não produzimos”, diz Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard. O baixo comércio intra-regional deve-se, em parte, à falta de produção de artigos sofisticados. Pior ainda, os países latino-americanos produzem frequentemente as mesmas coisas: commodities.

O maior artigo de exportação do Chile é o cobre. O mesmo acontece com o Peru. Nenhum dos dois jamais venderá muito para o outro. A geografia também importa. A América do Sul abrange quase 18 milhões de quilômetros quadrados, quatro vezes o tamanho da União Europeia. A maior cordilheira do mundo e a sua maior floresta tropical tornam grande parte do continente intransitável para todos, exceto condores e onças.

Estes fatores restringem o potencial do comércio intrarregional, mas são apenas parcialmente responsáveis pela sua pobreza. O FMI avalia que o comércio de bens na América Latina é 40% inferior ao que seria esperado quando o comparamos com outras partes do mundo com desafios econômicos e geográficos semelhantes. A semelhança das cestas de exportações desses países explica mais a diferença, mas as exportações podem mudar, e mudam ao longo do tempo.

O comércio intra-regional poderia melhorar se os governos abordassem os problemas básicos. Construir melhor infraestrutura aliviaria as dores de cabeça da geografia. A Argentina, por exemplo, ocupa a 73ª posição no índice de desempenho logístico do Banco Mundial, uma medida da qualidade da infraestrutura física e da eficiência aduaneira. O FMI estima que reduzir pela metade a lacuna entre a infraestrutura da América Latina e a dos países ricos poderia aumentar as exportações em 30%.

Base do Aconcágua

De tempos em tempos, a ideia de cavar um vasto e longo túnel atravessando os Andes ressurge. Mas isso continua sendo um sonho impossível. Enquanto isso, caminhoneiros como Ricardo Emmanuel, de 38 anos, um homem de Mendoza, na Argentina, continuam transportando mercadorias para cima e para baixo em rotas perigosas e lentas. “Daquele lado a pista nunca é consertada”, reclama ele, apontando para a estrada em direção à Argentina, do alto do Paso Internacional Los Libertadores.

Ele elogia o elegante complexo alfandegário do Chile, situado no alto dos Andes, mas diz que os argentinos às vezes abrem apenas um dos seus muitos postos de controle, gerando uma fila de caminhões. Por que? “Eles não querem trabalhar!” grita ele, frustrado.

Uma melhor política comercial também ajudaria. À primeira vista, o quadro parece bom: quase 90% do comércio intrarregional já é isento de tarifas. Mas esses números são lisonjeiros e enganosos. Há dois grandes problemas. Primeiro, não existe um acordo comercial preferencial adequado entre o México, a segunda maior economia da região, e o Brasil e a Argentina, a maior e a terceira maior.

Em segundo lugar, grande parte do comércio livre se baseia em um emaranhado de acordos bilaterais. Isto é importante porque a maioria desses acordos obriga os produtores a utilizar matérias-primas e insumos produzidos quase exclusivamente no seu país de origem, em vez de provenientes de países terceiros, potencialmente mais baratos, da região. “Este é um enorme obstáculo à criação de cadeias de valor regionais”, afirma Antoni Estevadeordal, da Universidade Georgetown. Ele avalia que essas regras equivalem a uma tarifa extra de cerca de 15%.

Alguns líderes latino-americanos simplesmente não querem um comércio mais livre. Brasil e Argentina são os dois mercados emergentes mais protecionistas do mundo, diz Marcel Vaillant, da Universidade da República, no Uruguai. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado do continente, mas o protecionismo significa que, para muitas empresas na América Latina, as vendas para o país são limitadas.

A Argentina cobra atualmente um imposto de 17,5% sobre compras de moeda estrangeira para a maioria das importações, e tributa diretamente vastas áreas das suas exportações (os impostos de exportação também são populares no Cazaquistão, mas são vistos como uma loucura nos países ricos). As barreiras não tarifárias são abundantes em toda a região. Os produtores chilenos de tudo, desde abacate a salmão, têm de realizar processos de vigilância sanitária separados para cada mercado para o qual exportam. “Isso representa tempo e dinheiro”, salienta Ignacio Fernández Ruiz, chefe da ProChile, a agência de promoção de exportações do país.

Este protecionismo também destruiu grandes esperanças para o Mercosul, a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em vez disso, o bloco tem barreiras tarifárias elevadas para o restante do mundo e está repleto de barreiras internas. O Mercosul impulsionou brevemente o comércio entre seus membros, mas o comércio dentro do grupo não é atualmente melhor do que entre outros países da região. O comércio entre o Mercosul e o resto da América Latina é miseravelmente baixo.

A volatilidade política é outra dor de cabeça. A Aliança do Pacífico, um acordo de comércio livre entre o Chile, a Colômbia, o México e o Peru, foi lançada por quatro líderes de centro-direita em 2011. Esperava-se que fosse um modelo de como a integração regional também poderia impulsionar o comércio global. Mas a eleição de líderes de esquerda na Colômbia, no Chile e no México minou o dinamismo da organização.

O México se recusou a passar a liderança rotativa da Aliança para a presidente Dina Boluarte do Peru, alegando que a nomeação dela era ilegítima depois de ter substituído seu antecessor, envolvido em um impeachment. A Aliança do Pacífico está no seu ponto mais baixo desde que foi fundada, afirma Felipe Lopeandía, antigo negociador comercial principal do Chile, agora na Deloitte, uma empresa de consultoria.

Ainda assim, é mais fácil resolver estes problemas do que mover os Andes. E mesmo os dois impedimentos estruturais ao comércio na América Latina – a geografia e o fato de os seus países produzirem bens semelhantes – parecem diferentes da perspectiva da parte do comércio global que está se expandindo mais rapidamente: os serviços.

A Amazon não impede que consultorias equatorianas vendam seus serviços no Brasil. Para as empresas chilenas de engenharia de minas, o fato de o Peru também produzir cobre representa uma tremenda oportunidade. O comércio intra-regional de serviços da América Latina ainda é baixo, mas o potencial é óbvio.

As exportações de serviços do Chile também são pequenas, mas, no ano passado, cresceram 51%, principalmente na América Latina. O potencial para crescer entusiasma Fernández Ruiz, que trouxe dezenas de grandes empresas de toda a América Latina para conhecer prestadores de serviços chilenos. Não é a primeira vez que a região poderá aprender com o Chile pró-comércio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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