The Economist: carros elétricos podem ser cruciais para União Europeia atingir metas climáticas


Transporte é um ponto-chave por responder por 22% do total das emissões de gases poluentes do bloco; maior obstáculo, no entanto, está na infraestrutura para recarregar baterias

No último fim de semana de abril, a loja em Berlim da NIO, fabricante chinesa de veículos elétricos, era um lugar feliz. No primeiro andar, uma família estava comemorando o aniversário de uma criança. No térreo, fãs de carros examinavam um SUV, um sedã e um carro de corrida em exibição.

Os preços eram altos (cerca de € 50 mil, ou R$ 268 mil, pelo sedã, e quase € 75 mil, ou R$ 402 mil, pelo SUV; o carro de corrida não estava à venda), mas pareciam consideravelmente mais baixos do que os das rivais alemães, como a Mercedes ou a BMW - até você ler as letras pequenas. A bateria não estava inclusa. Ela devia ser comprada por € 12 mil (R$ 64 mil) ou € 21 mil (R$ 112 mil), dependendo de sua autonomia, ou alugada.

Para muitos europeus, um veículo elétrico continua sendo inacessível (um carro de passeio movido a gasolina é vendido em média por cerca de € 28 mil, ou R$ 150 mil), porém as vendas de veículos elétricos continuam a crescer rapidamente. Os automóveis movidos exclusivamente a bateria representaram 12,1% dos automóveis registrados na União Europeia no ano passado, em comparação com 9,1% dos veículos elétricos em 2021 e apenas 1,9% em 2019, de acordo com a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA, na sigla em inglês).

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Uma categoria mais ampla, a de veículos movidos a combustível alternativo, que agrupa veículos totalmente elétricos e recarregáveis com modelos híbridos, correspondeu a mais da metade do mercado de carros da UE durante o último trimestre de 2022, com mais de 1,3 milhão deles registrados no total. Foi a primeira vez que a categoria ultrapassou o número de carros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis.

“A UE é a líder global na adoção de veículos elétricos”, declarou um relatório de novembro da empresa de consultoria McKinsey. Os Estados-Membros da UE são responsáveis por mais de um quarto da produção mundial de veículos elétricos e também são grandes importadores deles.

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As montadoras visionárias e os primeiros compradores poderiam criar um ecossistema de veículos elétricos de liderança mundial, que poderia gerar novos empregos e acelerar o progresso em direção às metas climáticas – ou ir além delas, entusiasma o relatório da McKinsey.

Automóveis movidos exclusivamente a bateria representaram 12,1% dos registrados na União Europeia em 2022 Foto: Lucy Nicholson/Reuters

O maior obstáculo para um futuro com carros elétricos, no entanto, é a infraestrutura para recarregar baterias, que não está acompanhando o aumento das vendas de veículos. De acordo com a ACEA, entre 2016 e 2022, as vendas de modelos elétricos na Europa cresceram quase três vezes mais rápido do que o número de instalações para recarregar baterias.

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Eletricidade para todos

Para que os veículos elétricos possam desempenhar todo o seu potencial na meta ambiciosa da UE de neutralizar as emissões líquidas de carbono até 2050, a UE precisa aumentar o número de carregadores públicos de cerca de 300 mil para, no mínimo, 3,4 milhões, e até 6,8 milhões até 2030, diz outro relatório da McKinsey. Esta é uma tarefa bastante difícil. Cerca de 14 mil carregadores públicos precisam ser instalados por semana até 2030, segundo a ACEA. Essa marca atualmente é de apenas dois mil por semana.

A UE também tem que assegurar uma distribuição mais equitativa dos carregadores, uniformizar os sistemas de pagamento e disponibilizar mais carregadores rápidos para caminhões. Atualmente, metade de todas as instalações com carregadores da UE estão na Holanda (90 mil) e na Alemanha (60 mil). Um país grande como a Romênia, que é seis vezes maior do que a Holanda, tem apenas 0,4% de todas as instalações de recarga da UE.

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A disparidade na infraestrutura de carregadores reflete o custo dos veículos elétricos. Os carros elétricos têm uma fatia de mercado muito maior nos países do norte e oeste da Europa, onde os salários após o abatimento dos impostos em média são de € 32 mil (R$ 171 mil) por ano, do que no sul e leste europeu, onde a média de renda é inferior a metade disso.

Entretanto, por causa dos preços globais mais baixos do lítio e de outros materiais necessários para a produção de baterias e também dos subsídios do governo, das economias de escala na produção crescendo rapidamente e da concorrência feroz, sobretudo por parte dos fabricantes chineses, os preços dos veículos elétricos estão caindo mais depressa do que alguns previam.

“Até 2025 ou 2026, a maioria das montadoras será capaz de fabricar veículos movidos a gasolina e elétricos pelo mesmo preço”, estima Daniel Röska, da Bernstein Research. Por ora, custa cerca de € 3,5 mil (R$ 18 mil) a menos produzir um Golf movido a gasolina, um modelo popular da Volkswagen, do que um elétrico equivalente.

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A infraestrutura de carregadores provavelmente continuará sendo um tema polêmico por mais tempo. Em março, a Comissão Europeia anunciou uma nova lei com o objetivo de atenuar as preocupações com as disparidades.

Ela estabelece metas para a recarga elétrica e o abastecimento de hidrogênio, como uma exigência de que, para cada carro movido a bateria num Estado-Membro da UE, seja fornecida uma potência de pelo menos 1,3 quilowatt (kW) com carregadores disponibilizados ao público. E para cada 60 km ao longo da malha rodoviária entre países europeus, deve ser instalado um posto de recarga rápida com um total de pelo menos 150 kW de potência a partir de 2025.

Isso não chega nem perto do necessário, segundo o lobby das montadoras europeias. “Atualmente, a carência de postos de recarga e de abastecimento já está prejudicando gravemente a aceitação no mercado dos veículos que não geram emissões”, disse Sigrid de Vrie, diretora-geral da ACEA.

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Ela prevê que “uma discrepância significativa de infraestrutura” continuará a limitar a transição da indústria automobilística europeia. Em resposta, algumas montadoras começaram a construir suas próprias redes de recarga há algum tempo, lideradas pela Tesla. Em janeiro, a Mercedes anunciou que instalaria cerca de 10 mil carregadores em todo o mundo até o final da década.

Custo para produzir um Golf movido a gasolina, por exemplo, ainda é cerca de € 3,5 mil (R$ 18 mil) menor do que produzir um elétrico equivalente Foto: Thomas Peter/Reuters

O “Fit for 55″, um pacote de combate às mudanças climáticas com 13 propostas apresentadas pela Comissão Europeia em julho de 2021, aumentou a ambição da luta contra as emissões de gases de efeito estufa de 40%, conforme proposto inicialmente em 2011, para uma redução das emissões de 55% (em comparação com os níveis de 1990) até 2030.

O transporte é uma das chaves para o sucesso. Ele é responsável por 22% do total das emissões da UE. Desses, 70% provêm dos transportes rodoviários; e o transporte rodoviário é o único setor no qual as emissões têm aumentado constantemente desde 1990. (A UE reduziu a sua pegada de carbono global em 30% desde 1990, principalmente queimando menos carvão para gerar eletricidade).

Em um relatório de outubro, a comissão disse que a UE estava “no caminho certo para alcançar suas metas climáticas”, mas que era necessária uma “ação rápida” para cumprir as metas para 2030, assim como a de zerar as emissões líquidas até 2050. Foi por isso que as propostas do “Fit for 55″ foram apresentadas. Elas continuam tramitando no processo de elaboração de leis da UE.

Tornando-se menos poluente

O “Fit for 55″ pode parecer uma aula de ioga de baixo impacto para pessoas de meia-idade, mas sua variedade de planos poderia tornar a Europa o líder mundial em políticas climáticas, desde que eles sejam seguidos. Eles incluem a proibição da venda de novos motores de combustão interna até 2035 e novas regras que reforçam as metas de redução de emissões até 2030 para os setores que fazem parte do Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE (RCLE-UE).

O RCLE-UE é um esquema de limitação e comércio de emissões no qual as licenças para emissão de carbono são distribuídas para a aviação, as indústrias com uso intensivo de energia e as geradoras de energia, e podem ser comercializadas entre elas. As propostas também adicionaram o transporte e o aquecimento doméstico ao regime existente do RCLE.

Além disso, novas cobranças nas fronteiras da UE para importações com fator de emissão de carbono alto, como materiais para a indústria, fazem parte das propostas, assim como a criação de um “fundo social para o clima” que será utilizado para ajudar as famílias e as pequenas empresas vulneráveis a lidar com os aumentos dos preços por levar o aquecimento e o transporte para o RCLE.

No fim de abril, os ministros da UE aprovaram seis leis centrais do “Fit for 55″, incluindo o Mecanismo de Ajustamento das Emissões de Carbono nas Fronteiras e o Fundo Social para o Clima. Se a UE conseguirá cumprir suas metas climáticas audaciosas dependerá agora da vontade dos Estados-Membros de cumprir os planos e de se abster de enfraquecer qualquer legislação que não agrade seus eleitores, diz Elisabetta Cornago, do Centre for European Reform, um think-tank em Bruxelas.

As recentes tentativas da Alemanha de impedir no último instante a proibição de novos carros movidos a motores de combustão interna a partir de 2035 não são um bom presságio. A Alemanha insistiu em permitir a fabricação de alguns desses modelos depois de 2035, desde que sejam abastecidos com combustível sintético. Os críticos temem que isso favoreça fraudes.

Além disso, o governo de direita da Itália agora está se opondo aos planos da UE para aprimorar o isolamento e a eficiência energética dos edifícios públicos e residenciais. Os prédios são responsáveis por cerca de 40% do consumo de energia da UE e por 36% das suas emissões de carbono. No entanto, os imóveis da Itália são mais antigos e mais dilapidados do que os de muitos outros países; portanto, alcançar as metas exigirá reformas extensas e caras.

A associação Italiana de construção afirma que cerca de dois milhões de imóveis precisarão ser reformados nos próximos dez anos, a um custo de fazer chorar, entre € 40 bilhões e € 60 bilhões por ano, para atender aos planos de “casas verdes” da UE. O governo da Itália também apoiou a Alemanha em sua reversão de última hora sobre a extinção dos motores de combustão interna e critica a proposta de reduzir as emissões industriais.

“O ‘Fit for 55′ está totalmente no caminho certo; ou seja, as principais leis acabaram literalmente de ser votadas e agora precisam ser implementadas”, disse uma autoridade de Bruxelas.

Os transportes estão em uma situação melhor que outros setores em termos de avanço para a neutralização das emissões líquidas. Sete leis do pacote “Fit for 55″ ainda precisam ser aprovadas. Mas, se isso acontecer em breve, a UE poderá reivindicar o direito de ser considerada líder mundial no combate às mudanças climáticas./Tradução de Romina Cácia

No último fim de semana de abril, a loja em Berlim da NIO, fabricante chinesa de veículos elétricos, era um lugar feliz. No primeiro andar, uma família estava comemorando o aniversário de uma criança. No térreo, fãs de carros examinavam um SUV, um sedã e um carro de corrida em exibição.

Os preços eram altos (cerca de € 50 mil, ou R$ 268 mil, pelo sedã, e quase € 75 mil, ou R$ 402 mil, pelo SUV; o carro de corrida não estava à venda), mas pareciam consideravelmente mais baixos do que os das rivais alemães, como a Mercedes ou a BMW - até você ler as letras pequenas. A bateria não estava inclusa. Ela devia ser comprada por € 12 mil (R$ 64 mil) ou € 21 mil (R$ 112 mil), dependendo de sua autonomia, ou alugada.

Para muitos europeus, um veículo elétrico continua sendo inacessível (um carro de passeio movido a gasolina é vendido em média por cerca de € 28 mil, ou R$ 150 mil), porém as vendas de veículos elétricos continuam a crescer rapidamente. Os automóveis movidos exclusivamente a bateria representaram 12,1% dos automóveis registrados na União Europeia no ano passado, em comparação com 9,1% dos veículos elétricos em 2021 e apenas 1,9% em 2019, de acordo com a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA, na sigla em inglês).

Uma categoria mais ampla, a de veículos movidos a combustível alternativo, que agrupa veículos totalmente elétricos e recarregáveis com modelos híbridos, correspondeu a mais da metade do mercado de carros da UE durante o último trimestre de 2022, com mais de 1,3 milhão deles registrados no total. Foi a primeira vez que a categoria ultrapassou o número de carros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis.

“A UE é a líder global na adoção de veículos elétricos”, declarou um relatório de novembro da empresa de consultoria McKinsey. Os Estados-Membros da UE são responsáveis por mais de um quarto da produção mundial de veículos elétricos e também são grandes importadores deles.

As montadoras visionárias e os primeiros compradores poderiam criar um ecossistema de veículos elétricos de liderança mundial, que poderia gerar novos empregos e acelerar o progresso em direção às metas climáticas – ou ir além delas, entusiasma o relatório da McKinsey.

Automóveis movidos exclusivamente a bateria representaram 12,1% dos registrados na União Europeia em 2022 Foto: Lucy Nicholson/Reuters

O maior obstáculo para um futuro com carros elétricos, no entanto, é a infraestrutura para recarregar baterias, que não está acompanhando o aumento das vendas de veículos. De acordo com a ACEA, entre 2016 e 2022, as vendas de modelos elétricos na Europa cresceram quase três vezes mais rápido do que o número de instalações para recarregar baterias.

Eletricidade para todos

Para que os veículos elétricos possam desempenhar todo o seu potencial na meta ambiciosa da UE de neutralizar as emissões líquidas de carbono até 2050, a UE precisa aumentar o número de carregadores públicos de cerca de 300 mil para, no mínimo, 3,4 milhões, e até 6,8 milhões até 2030, diz outro relatório da McKinsey. Esta é uma tarefa bastante difícil. Cerca de 14 mil carregadores públicos precisam ser instalados por semana até 2030, segundo a ACEA. Essa marca atualmente é de apenas dois mil por semana.

A UE também tem que assegurar uma distribuição mais equitativa dos carregadores, uniformizar os sistemas de pagamento e disponibilizar mais carregadores rápidos para caminhões. Atualmente, metade de todas as instalações com carregadores da UE estão na Holanda (90 mil) e na Alemanha (60 mil). Um país grande como a Romênia, que é seis vezes maior do que a Holanda, tem apenas 0,4% de todas as instalações de recarga da UE.

A disparidade na infraestrutura de carregadores reflete o custo dos veículos elétricos. Os carros elétricos têm uma fatia de mercado muito maior nos países do norte e oeste da Europa, onde os salários após o abatimento dos impostos em média são de € 32 mil (R$ 171 mil) por ano, do que no sul e leste europeu, onde a média de renda é inferior a metade disso.

Entretanto, por causa dos preços globais mais baixos do lítio e de outros materiais necessários para a produção de baterias e também dos subsídios do governo, das economias de escala na produção crescendo rapidamente e da concorrência feroz, sobretudo por parte dos fabricantes chineses, os preços dos veículos elétricos estão caindo mais depressa do que alguns previam.

“Até 2025 ou 2026, a maioria das montadoras será capaz de fabricar veículos movidos a gasolina e elétricos pelo mesmo preço”, estima Daniel Röska, da Bernstein Research. Por ora, custa cerca de € 3,5 mil (R$ 18 mil) a menos produzir um Golf movido a gasolina, um modelo popular da Volkswagen, do que um elétrico equivalente.

A infraestrutura de carregadores provavelmente continuará sendo um tema polêmico por mais tempo. Em março, a Comissão Europeia anunciou uma nova lei com o objetivo de atenuar as preocupações com as disparidades.

Ela estabelece metas para a recarga elétrica e o abastecimento de hidrogênio, como uma exigência de que, para cada carro movido a bateria num Estado-Membro da UE, seja fornecida uma potência de pelo menos 1,3 quilowatt (kW) com carregadores disponibilizados ao público. E para cada 60 km ao longo da malha rodoviária entre países europeus, deve ser instalado um posto de recarga rápida com um total de pelo menos 150 kW de potência a partir de 2025.

Isso não chega nem perto do necessário, segundo o lobby das montadoras europeias. “Atualmente, a carência de postos de recarga e de abastecimento já está prejudicando gravemente a aceitação no mercado dos veículos que não geram emissões”, disse Sigrid de Vrie, diretora-geral da ACEA.

Ela prevê que “uma discrepância significativa de infraestrutura” continuará a limitar a transição da indústria automobilística europeia. Em resposta, algumas montadoras começaram a construir suas próprias redes de recarga há algum tempo, lideradas pela Tesla. Em janeiro, a Mercedes anunciou que instalaria cerca de 10 mil carregadores em todo o mundo até o final da década.

Custo para produzir um Golf movido a gasolina, por exemplo, ainda é cerca de € 3,5 mil (R$ 18 mil) menor do que produzir um elétrico equivalente Foto: Thomas Peter/Reuters

O “Fit for 55″, um pacote de combate às mudanças climáticas com 13 propostas apresentadas pela Comissão Europeia em julho de 2021, aumentou a ambição da luta contra as emissões de gases de efeito estufa de 40%, conforme proposto inicialmente em 2011, para uma redução das emissões de 55% (em comparação com os níveis de 1990) até 2030.

O transporte é uma das chaves para o sucesso. Ele é responsável por 22% do total das emissões da UE. Desses, 70% provêm dos transportes rodoviários; e o transporte rodoviário é o único setor no qual as emissões têm aumentado constantemente desde 1990. (A UE reduziu a sua pegada de carbono global em 30% desde 1990, principalmente queimando menos carvão para gerar eletricidade).

Em um relatório de outubro, a comissão disse que a UE estava “no caminho certo para alcançar suas metas climáticas”, mas que era necessária uma “ação rápida” para cumprir as metas para 2030, assim como a de zerar as emissões líquidas até 2050. Foi por isso que as propostas do “Fit for 55″ foram apresentadas. Elas continuam tramitando no processo de elaboração de leis da UE.

Tornando-se menos poluente

O “Fit for 55″ pode parecer uma aula de ioga de baixo impacto para pessoas de meia-idade, mas sua variedade de planos poderia tornar a Europa o líder mundial em políticas climáticas, desde que eles sejam seguidos. Eles incluem a proibição da venda de novos motores de combustão interna até 2035 e novas regras que reforçam as metas de redução de emissões até 2030 para os setores que fazem parte do Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE (RCLE-UE).

O RCLE-UE é um esquema de limitação e comércio de emissões no qual as licenças para emissão de carbono são distribuídas para a aviação, as indústrias com uso intensivo de energia e as geradoras de energia, e podem ser comercializadas entre elas. As propostas também adicionaram o transporte e o aquecimento doméstico ao regime existente do RCLE.

Além disso, novas cobranças nas fronteiras da UE para importações com fator de emissão de carbono alto, como materiais para a indústria, fazem parte das propostas, assim como a criação de um “fundo social para o clima” que será utilizado para ajudar as famílias e as pequenas empresas vulneráveis a lidar com os aumentos dos preços por levar o aquecimento e o transporte para o RCLE.

No fim de abril, os ministros da UE aprovaram seis leis centrais do “Fit for 55″, incluindo o Mecanismo de Ajustamento das Emissões de Carbono nas Fronteiras e o Fundo Social para o Clima. Se a UE conseguirá cumprir suas metas climáticas audaciosas dependerá agora da vontade dos Estados-Membros de cumprir os planos e de se abster de enfraquecer qualquer legislação que não agrade seus eleitores, diz Elisabetta Cornago, do Centre for European Reform, um think-tank em Bruxelas.

As recentes tentativas da Alemanha de impedir no último instante a proibição de novos carros movidos a motores de combustão interna a partir de 2035 não são um bom presságio. A Alemanha insistiu em permitir a fabricação de alguns desses modelos depois de 2035, desde que sejam abastecidos com combustível sintético. Os críticos temem que isso favoreça fraudes.

Além disso, o governo de direita da Itália agora está se opondo aos planos da UE para aprimorar o isolamento e a eficiência energética dos edifícios públicos e residenciais. Os prédios são responsáveis por cerca de 40% do consumo de energia da UE e por 36% das suas emissões de carbono. No entanto, os imóveis da Itália são mais antigos e mais dilapidados do que os de muitos outros países; portanto, alcançar as metas exigirá reformas extensas e caras.

A associação Italiana de construção afirma que cerca de dois milhões de imóveis precisarão ser reformados nos próximos dez anos, a um custo de fazer chorar, entre € 40 bilhões e € 60 bilhões por ano, para atender aos planos de “casas verdes” da UE. O governo da Itália também apoiou a Alemanha em sua reversão de última hora sobre a extinção dos motores de combustão interna e critica a proposta de reduzir as emissões industriais.

“O ‘Fit for 55′ está totalmente no caminho certo; ou seja, as principais leis acabaram literalmente de ser votadas e agora precisam ser implementadas”, disse uma autoridade de Bruxelas.

Os transportes estão em uma situação melhor que outros setores em termos de avanço para a neutralização das emissões líquidas. Sete leis do pacote “Fit for 55″ ainda precisam ser aprovadas. Mas, se isso acontecer em breve, a UE poderá reivindicar o direito de ser considerada líder mundial no combate às mudanças climáticas./Tradução de Romina Cácia

No último fim de semana de abril, a loja em Berlim da NIO, fabricante chinesa de veículos elétricos, era um lugar feliz. No primeiro andar, uma família estava comemorando o aniversário de uma criança. No térreo, fãs de carros examinavam um SUV, um sedã e um carro de corrida em exibição.

Os preços eram altos (cerca de € 50 mil, ou R$ 268 mil, pelo sedã, e quase € 75 mil, ou R$ 402 mil, pelo SUV; o carro de corrida não estava à venda), mas pareciam consideravelmente mais baixos do que os das rivais alemães, como a Mercedes ou a BMW - até você ler as letras pequenas. A bateria não estava inclusa. Ela devia ser comprada por € 12 mil (R$ 64 mil) ou € 21 mil (R$ 112 mil), dependendo de sua autonomia, ou alugada.

Para muitos europeus, um veículo elétrico continua sendo inacessível (um carro de passeio movido a gasolina é vendido em média por cerca de € 28 mil, ou R$ 150 mil), porém as vendas de veículos elétricos continuam a crescer rapidamente. Os automóveis movidos exclusivamente a bateria representaram 12,1% dos automóveis registrados na União Europeia no ano passado, em comparação com 9,1% dos veículos elétricos em 2021 e apenas 1,9% em 2019, de acordo com a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA, na sigla em inglês).

Uma categoria mais ampla, a de veículos movidos a combustível alternativo, que agrupa veículos totalmente elétricos e recarregáveis com modelos híbridos, correspondeu a mais da metade do mercado de carros da UE durante o último trimestre de 2022, com mais de 1,3 milhão deles registrados no total. Foi a primeira vez que a categoria ultrapassou o número de carros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis.

“A UE é a líder global na adoção de veículos elétricos”, declarou um relatório de novembro da empresa de consultoria McKinsey. Os Estados-Membros da UE são responsáveis por mais de um quarto da produção mundial de veículos elétricos e também são grandes importadores deles.

As montadoras visionárias e os primeiros compradores poderiam criar um ecossistema de veículos elétricos de liderança mundial, que poderia gerar novos empregos e acelerar o progresso em direção às metas climáticas – ou ir além delas, entusiasma o relatório da McKinsey.

Automóveis movidos exclusivamente a bateria representaram 12,1% dos registrados na União Europeia em 2022 Foto: Lucy Nicholson/Reuters

O maior obstáculo para um futuro com carros elétricos, no entanto, é a infraestrutura para recarregar baterias, que não está acompanhando o aumento das vendas de veículos. De acordo com a ACEA, entre 2016 e 2022, as vendas de modelos elétricos na Europa cresceram quase três vezes mais rápido do que o número de instalações para recarregar baterias.

Eletricidade para todos

Para que os veículos elétricos possam desempenhar todo o seu potencial na meta ambiciosa da UE de neutralizar as emissões líquidas de carbono até 2050, a UE precisa aumentar o número de carregadores públicos de cerca de 300 mil para, no mínimo, 3,4 milhões, e até 6,8 milhões até 2030, diz outro relatório da McKinsey. Esta é uma tarefa bastante difícil. Cerca de 14 mil carregadores públicos precisam ser instalados por semana até 2030, segundo a ACEA. Essa marca atualmente é de apenas dois mil por semana.

A UE também tem que assegurar uma distribuição mais equitativa dos carregadores, uniformizar os sistemas de pagamento e disponibilizar mais carregadores rápidos para caminhões. Atualmente, metade de todas as instalações com carregadores da UE estão na Holanda (90 mil) e na Alemanha (60 mil). Um país grande como a Romênia, que é seis vezes maior do que a Holanda, tem apenas 0,4% de todas as instalações de recarga da UE.

A disparidade na infraestrutura de carregadores reflete o custo dos veículos elétricos. Os carros elétricos têm uma fatia de mercado muito maior nos países do norte e oeste da Europa, onde os salários após o abatimento dos impostos em média são de € 32 mil (R$ 171 mil) por ano, do que no sul e leste europeu, onde a média de renda é inferior a metade disso.

Entretanto, por causa dos preços globais mais baixos do lítio e de outros materiais necessários para a produção de baterias e também dos subsídios do governo, das economias de escala na produção crescendo rapidamente e da concorrência feroz, sobretudo por parte dos fabricantes chineses, os preços dos veículos elétricos estão caindo mais depressa do que alguns previam.

“Até 2025 ou 2026, a maioria das montadoras será capaz de fabricar veículos movidos a gasolina e elétricos pelo mesmo preço”, estima Daniel Röska, da Bernstein Research. Por ora, custa cerca de € 3,5 mil (R$ 18 mil) a menos produzir um Golf movido a gasolina, um modelo popular da Volkswagen, do que um elétrico equivalente.

A infraestrutura de carregadores provavelmente continuará sendo um tema polêmico por mais tempo. Em março, a Comissão Europeia anunciou uma nova lei com o objetivo de atenuar as preocupações com as disparidades.

Ela estabelece metas para a recarga elétrica e o abastecimento de hidrogênio, como uma exigência de que, para cada carro movido a bateria num Estado-Membro da UE, seja fornecida uma potência de pelo menos 1,3 quilowatt (kW) com carregadores disponibilizados ao público. E para cada 60 km ao longo da malha rodoviária entre países europeus, deve ser instalado um posto de recarga rápida com um total de pelo menos 150 kW de potência a partir de 2025.

Isso não chega nem perto do necessário, segundo o lobby das montadoras europeias. “Atualmente, a carência de postos de recarga e de abastecimento já está prejudicando gravemente a aceitação no mercado dos veículos que não geram emissões”, disse Sigrid de Vrie, diretora-geral da ACEA.

Ela prevê que “uma discrepância significativa de infraestrutura” continuará a limitar a transição da indústria automobilística europeia. Em resposta, algumas montadoras começaram a construir suas próprias redes de recarga há algum tempo, lideradas pela Tesla. Em janeiro, a Mercedes anunciou que instalaria cerca de 10 mil carregadores em todo o mundo até o final da década.

Custo para produzir um Golf movido a gasolina, por exemplo, ainda é cerca de € 3,5 mil (R$ 18 mil) menor do que produzir um elétrico equivalente Foto: Thomas Peter/Reuters

O “Fit for 55″, um pacote de combate às mudanças climáticas com 13 propostas apresentadas pela Comissão Europeia em julho de 2021, aumentou a ambição da luta contra as emissões de gases de efeito estufa de 40%, conforme proposto inicialmente em 2011, para uma redução das emissões de 55% (em comparação com os níveis de 1990) até 2030.

O transporte é uma das chaves para o sucesso. Ele é responsável por 22% do total das emissões da UE. Desses, 70% provêm dos transportes rodoviários; e o transporte rodoviário é o único setor no qual as emissões têm aumentado constantemente desde 1990. (A UE reduziu a sua pegada de carbono global em 30% desde 1990, principalmente queimando menos carvão para gerar eletricidade).

Em um relatório de outubro, a comissão disse que a UE estava “no caminho certo para alcançar suas metas climáticas”, mas que era necessária uma “ação rápida” para cumprir as metas para 2030, assim como a de zerar as emissões líquidas até 2050. Foi por isso que as propostas do “Fit for 55″ foram apresentadas. Elas continuam tramitando no processo de elaboração de leis da UE.

Tornando-se menos poluente

O “Fit for 55″ pode parecer uma aula de ioga de baixo impacto para pessoas de meia-idade, mas sua variedade de planos poderia tornar a Europa o líder mundial em políticas climáticas, desde que eles sejam seguidos. Eles incluem a proibição da venda de novos motores de combustão interna até 2035 e novas regras que reforçam as metas de redução de emissões até 2030 para os setores que fazem parte do Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE (RCLE-UE).

O RCLE-UE é um esquema de limitação e comércio de emissões no qual as licenças para emissão de carbono são distribuídas para a aviação, as indústrias com uso intensivo de energia e as geradoras de energia, e podem ser comercializadas entre elas. As propostas também adicionaram o transporte e o aquecimento doméstico ao regime existente do RCLE.

Além disso, novas cobranças nas fronteiras da UE para importações com fator de emissão de carbono alto, como materiais para a indústria, fazem parte das propostas, assim como a criação de um “fundo social para o clima” que será utilizado para ajudar as famílias e as pequenas empresas vulneráveis a lidar com os aumentos dos preços por levar o aquecimento e o transporte para o RCLE.

No fim de abril, os ministros da UE aprovaram seis leis centrais do “Fit for 55″, incluindo o Mecanismo de Ajustamento das Emissões de Carbono nas Fronteiras e o Fundo Social para o Clima. Se a UE conseguirá cumprir suas metas climáticas audaciosas dependerá agora da vontade dos Estados-Membros de cumprir os planos e de se abster de enfraquecer qualquer legislação que não agrade seus eleitores, diz Elisabetta Cornago, do Centre for European Reform, um think-tank em Bruxelas.

As recentes tentativas da Alemanha de impedir no último instante a proibição de novos carros movidos a motores de combustão interna a partir de 2035 não são um bom presságio. A Alemanha insistiu em permitir a fabricação de alguns desses modelos depois de 2035, desde que sejam abastecidos com combustível sintético. Os críticos temem que isso favoreça fraudes.

Além disso, o governo de direita da Itália agora está se opondo aos planos da UE para aprimorar o isolamento e a eficiência energética dos edifícios públicos e residenciais. Os prédios são responsáveis por cerca de 40% do consumo de energia da UE e por 36% das suas emissões de carbono. No entanto, os imóveis da Itália são mais antigos e mais dilapidados do que os de muitos outros países; portanto, alcançar as metas exigirá reformas extensas e caras.

A associação Italiana de construção afirma que cerca de dois milhões de imóveis precisarão ser reformados nos próximos dez anos, a um custo de fazer chorar, entre € 40 bilhões e € 60 bilhões por ano, para atender aos planos de “casas verdes” da UE. O governo da Itália também apoiou a Alemanha em sua reversão de última hora sobre a extinção dos motores de combustão interna e critica a proposta de reduzir as emissões industriais.

“O ‘Fit for 55′ está totalmente no caminho certo; ou seja, as principais leis acabaram literalmente de ser votadas e agora precisam ser implementadas”, disse uma autoridade de Bruxelas.

Os transportes estão em uma situação melhor que outros setores em termos de avanço para a neutralização das emissões líquidas. Sete leis do pacote “Fit for 55″ ainda precisam ser aprovadas. Mas, se isso acontecer em breve, a UE poderá reivindicar o direito de ser considerada líder mundial no combate às mudanças climáticas./Tradução de Romina Cácia

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