Os oponentes de Joe Biden mencionam sua idade como algo que o torna titubeante, confuso e, em última instância, inepto para a função. Portanto o grande paradoxo do primeiro mandato do presidente de 81 anos é que ele foi responsável talvez pelo governo americano mais energético em quase meio século. Biden determinou um aumento no gasto que rapidamente cortou a pobreza infantil pela metade, devolveu à vida um movimento sindical confrangido e produziu uma política industrial que tem como objetivo reformular a economia americana.
Há muito o que debater a respeito dos méritos disso tudo. Um aumento acentuado no gasto federal agravou a preocupante trajetória fiscal dos Estados Unidos. Subsídios para empresas investirem no país enfureceram aliados e ainda poderão acabar desperdiçados. Mas não há como negar que muitas dessas políticas já surtem impacto. Considerem a explosão na construção de fábricas: mesmo levando em conta a inflação, o investimento em instalações de manufatura mais que dobrou sob Biden, chegando ao maior nível já registrado.
O que Biden faria num segundo mandato? Seu slogan de campanha — “Nós somos capazes de concluir o trabalho” — soa mais como promessa de empreiteiro que reforma residências que à retórica de uma ebulição política. Ainda à espera de notícias de conselheiros e ex-conselheiros do presidente, a Bidenomics equivale quase a uma revolução econômica para os EUA. Seria uma revolução moldada pela fé no governo e uma certa desconfiança em relação aos mercados.
Cinco elementos se sobressaem. O primeiro é um desejo de estimular os trabalhadores, principalmente por meio dos sindicatos. O segundo é mais gasto social, especialmente em educação na primeira infância. O terceiro é uma política de competição mais dura para conter o grande empresariado. O quarto, uma onda de investimento destinado a tornar os EUA tanto mais verdes quanto mais produtivos. Por último, Biden quer taxar grandes empresas e os ricos para pagar por grande parte disso.
Da mesma forma que em relação a qualquer presidente, a agenda de Biden até aqui tem sido limitada pelo Congresso. Todos os cinco elementos estiveram presentes no plano “Build Back Better”, de US$ 3,5 trilhões, que os democratas na Câmara dos Deputados apoiaram em 2021 mas que acabou dando de cara com um Senado dividido. Resultou que a parte mais proeminente da Bidenomics existente tem sido o elemento do investimento, compreendendo três peças legislativas com foco em infraestrutura, semicondutores e tecnologias verdes. Sancionar três grandes leis de gastos, contudo, conta como um mandato presidencial produtivo. Elas totalizam um estímulo de até US$ 2 trilhões para reformular a economia americana.
Se Biden retornar para a Casa Branca para um segundo mandato e os republicanos mantiverem o controle da Câmara ou ganharem maioria no Senado — ou possivelmente ambos — conselheiros afirmam que seu foco seria defender suas conquistas legislativas. Apesar de serem incapazes de reverter os pacotes de investimentos de Biden se não assumirem a presidência, os republicanos poderiam desgastá-los.
Vejamos a lei dos semicondutores. Juntamente com cerca de US$ 50 bilhões para a indústria de chips, ela também incluiu aproximadamente US$ 200 bilhões em financiamento para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias pioneiras, de materiais avançados a computação quântica. Mas esse imenso balde de dinheiro só foi autorizado, não destinado, pois cabe ao Congresso aprovar orçamentos que forneçam a quantia prometida.
Até aqui ainda falta o seguinte: no atual ano fiscal, os legisladores estão a caminho de conceder US$ 19 bilhões para três agências federais de pesquisa, incluindo a Fundação Nacional da Ciência, o que equivale a cerca de 30% do nível autorizado, de acordo com estimativas de Matt Hourihan, da Federação dos Cientistas Americanos, um grupo de defesa de direitos. Se o Congresso não concordar em trabalhar com Biden, lapsos desse tipo aumentarão.
O financiamento direcionado para infraestrutura e semicondutores é mais seguro, mas grande parte se esgotará até 2028, antes do fim de um segundo mandato. Sem apoio republicano para o financiamento, o investimento iniciado ao longo dos últimos dois anos pode desvanecer. Produtores com alto custo terão dificuldades para sobreviver. Críticos poderão não ver motivo para dedicar tanto dinheiro à manufatura quando uma economia moderna com base em serviços profissionais, técnicos e científicos já gera abundantemente empregos bem pagos.
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Mas Biden terá com que negociar se os republicanos tentarem diluir suas políticas. Muitos dos grandes cortes de impostos aprovados durante a presidência de Donald Trump expiram no fim de 2025. Os republicanos querem renová-los para evitar que as alíquotas de imposto de renda saltem. Portanto, uma possibilidade é Biden montar um acordo no qual concorda com uma extensão de muitos dos cortes de impostos em troca dos republicanos no Congresso apoiarem algumas de suas prioridades, incluindo seus subsídios à indústria — deixando para lá que um acordo desse tipo seja fiscalmente irresponsável.
A Casa Branca também espera que os programas de investimento de Biden desenvolvam impulso próprio. “Nós estamos muito agradavelmente surpresos pela medida com que o capital privado fluiu na direção dos nossos incentivos”, afirma o presidente do Conselho de Assessores Econômicos, Jared Bernstein. Grande parte do dinheiro vai para Estados republicanos, fecundando distritos empresariais e políticos locais que se oporiam a cortes.
Enquanto isso há, em princípio, apoio bipartidário para gastos federais em ciência e tecnologia como maneira de salvaguardar a vantagem competitiva dos EUA sobre a China. Por esse motivo, algumas dezenas de republicanos na Câmara e no Senado, exceto uma minoria, votaram a favor do pacote dos semicondutores. Dada a tamanha constelação de interesses e influências, as políticas industriais que definiram a Bidenomics no primeiro mandato do presidente provavelmente sobreviveriam no segundo, ainda que de forma pouco mais limitada.
Mas o que ocorrerá se Biden for menos limitado? Para entender verdadeiramente o possível escopo da Bidenomics vale a pena perguntar o que o presidente faria se os democratas acabassem controlando ambas as Casas do Congresso. Uma vez que seu júbilo pelo resultado eleitoral passasse, o time em torno de Biden saberia que teria uma janela limitada — provavelmente de apenas dois anos, até as eleições de meio de mandato seguintes — para promover qualquer coisa digna de nota.
Para começar, eles se voltariam para as políticas sociais que não chegaram a ser incluídas no Build Back Better — como pré-escola gratuita para crianças de 3 e 4 anos, generosos subsídios para assistência infantil, gastos em cuidados aos idosos, mais créditos tributários para famílias com crianças e licenças parentais remuneradas. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, descreveu essa agenda como “economia moderna pelo lado da oferta”.
Ela argumenta que investimentos em educação tornariam os trabalhadores americanos mais produtivos, enquanto investimentos em ajudas permitiria às pessoas, especialmente às mulheres, trabalhar, ocasionando um aumento na força de trabalho. Mas isso também seria caro, acarretando em pelo menos US$ 100 bilhões ao ano em gastos adicionais — acrescentando meio ponto porcentual ao déficit federal anual (que atingiu 7,5% do PIB em 2023).
E a implementação seria difícil. Por exemplo, financiamento para assistência infantil alimentaria a demanda pela ajuda, que por sua vez exacerbaria uma escassez crônica de cuidadores.
O desejo de Biden de fortalecer sindicatos também receberia um novo ímpeto. Ele descreve a si mesmo como o presidente mais pró-sindicatos na história americana — uma alegação que pode muito bem ser verdadeira. Em seu primeiro mandato, o apoio aos sindicatos foi expressado mais claramente por meio de palavras e ações simbólicas: quando se juntou a trabalhadores do setor automobilístico em greve, próximo a Detroit, em setembro, Biden se tornou o primeiro presidente a integrar uma linha de piquete.
Ele gostaria de ter feito mais. No início, Biden quis atrelar muitos subsídios à indústria à condição das empresas contratarem trabalhadores sindicalizados, uma exigência que acabou não virando lei. A grande esperança do movimento operário para um segundo mandato de Biden é a aprovação da Lei de Proteção do Direito à Organização, que fomentaria acordos coletivos, entre outra ações, dificultando para as empresas intervirem em votações sindicais.
Isso representaria um risco: a flexibilidade do mercado de trabalho dos EUA é fonte de resiliência para sua economia, que tem sido boa para os trabalhadores nos anos recentes.
Por outro lado, Biden aspirar aprovação como um presidente pró-sindicatos também faz com que ele seja visto como antinegócios. Membros de seu gabinete ressentem-se dessa acusação notando que os lucros corporativos foram às alturas e que empreendedores criaram um número recorde de empresas durante seu primeiro mandato. Mas a maior razão que explica a má reputação da Bidenomics é sua agenda de competição, liderada por Lina Khan, da Comissão Federal de Comércio (FTC).
Apesar de seus esforços no sentido de abalar os gigantes corporativos terem engasgado, com processos jurídicos fracassados contra a Meta e a Microsoft, ela ainda não acabou. A FTC introduziu novas diretrizes de revisão de fusões que exige das agências reguladoras escrutinar praticamente qualquer contrato que torne grandes empresas maiores, o que poderia produzir políticas de competição ainda mais contenciosas.
O excesso de escrutínio nos contratos também esgotaria os escassos recursos das agências reguladoras e envenenaria o ambiente para grandes negócios. Um foco alternativo, sobre relaxamento de restrições de uso de terra e licenciamento para ocupação, daria um impulso muito mais saudável à competição.
Capitão da indústria
Ao mesmo tempo, Biden poderá dobrar a aposta nas políticas de estímulo à manufatura de seu primeiro mandato. Os cerca de US$ 50 bilhões em incentivos para a indústria de semicondutores foram um início, mas o montante é pequeno em relação a quanto investimento é preciso para construir grandes fábricas de chips.
Conselheiros falam de um pacote de financiamento subsequente. Também haveria um desejo de criar uma nova legislação para abrandar os solavancos na implementação da política industrial. Todd Tucker, do Instituto Roosevelt, um centro de análise que pende para a esquerda, defende a criação de um banco nacional de desenvolvimento, com uma reserva de dinheiro a ser destinado para projetos merecedores.
Como pagar por isso tudo? Biden deixa claro há muito que deseja aumentar impostos dos ricos, em particular de lares que ganham mais de US$ 400 mil ao ano, e de empresas. Os conselheiros do presidente argumentam que ele acredita verdadeiramente em disciplina fiscal. Seu orçamento para o atual ano fiscal, por exemplo, cortaria o déficit em US$ 3 trilhões ao longo de uma década, ou em 1% do PIB ao ano, de acordo com o Comitê para um Orçamento Federal Responsável (CRFB), uma organização sem fins lucrativos. Isso, contudo, dependeria de um comedimento dos democratas conforme as receitas fiscais aumentarem — algo difícil de imaginar, afirma Maya MacGuineas, do CRFB.
À parte uma aversão a negociações comerciais tradicionais, foi notável a ausência de qualquer agenda comercial séria no primeiro mandato de Biden. Talvez ele possa ficar algo menos onerado pela assustadora política doméstica de contratos comerciais em um segundo mandato. Um teste será a capacidade de EUA e Europa estabelecerem um contrato crítico de minérios, trabalhando juntamente para assegurar fornecimentos para a produção de baterias e diminuindo a dependência de fornecedores chineses.
Mas a aparente desconfiança de Biden a respeito da globalização provavelmente descartará qualquer ambição maior. A decisão do presidente de 26 de janeiro de pausar aprovações para exportações de gás natural liquefeito foi a mais recente demonstração de seus instintos protecionistas. E ele quase certamente manterá uma linha dura com a China. Durante grande parte de seu primeiro mandato, especulou-se que ele reduziria as tarifas sobre a China. Agora, alguns em sua órbita falam, em vez disso, de ajustes: reduzir encargos sobre bens de consumo básicos e aumentá-los sobre produtos de alta tecnologia.
A maior parte da ação, portanto, ocorreria na arena doméstica — o campo de batalha para todo tipo de coisa, de gastos com assistência infantil a subsídios para semicondutores. Apoiadores argumentam que essas políticas tornariam os EUA mais igualitários, impulsionariam sua indústria e favoreceriam as condições dos trabalhadores, em detrimento dos patrões.
Para outros, elas parecem um retrocesso para um Estado grande, com foco ultrapassado na manufatura e nos sindicatos, o que pode tensionar laços com aliados. Biden foi um radical dos mais improváveis em seu primeiro mandato. Se as opiniões penderem para seu lado, ele poderá ser ainda mais no segundo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO