Trabalho depois dos 60? Brasil nunca teve tantos trabalhadores da geração prateada


No segundo trimestre deste ano, 8,042 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais estavam ocupados; especialistas afirmam, no entanto, que empresas estão aprendendo a lidar com esse movimento

Por Luiz Guilherme Gerbelli e Renée Pereira

Em 24 de dezembro do ano passado, Vera Lucia Muniz, de 60 anos, diz ter ganho um presente de Natal inesperado. Após participar de um processo seletivo, no qual competiu com profissionais mais jovens, recebeu um telefonema oferecendo uma vaga de emprego. O retorno ao mercado de trabalho era a possibilidade de sair de uma rotina quase solitária e, ainda, complementar a renda da aposentadoria. “Voltei a trabalhar para conhecer pessoas, para me relacionar mais e pela parte financeira. Só com a aposentadoria não se vive”, afirma.

A história de Vera tem se repetido pelo País - e aos milhões. Nunca tantos brasileiros com mais de 60 anos atuaram no mercado de trabalho. No segundo trimestre deste ano, eram 8,042 milhões de pessoas desse grupo ocupadas - um contingente equivalente a toda a população do Estado do Pará.

continua após a publicidade
Vera Lucia, de 60 anos, voltou a trabalhar para conhecer novas pessoas e pela parte financeira Foto: Alex Silva

“A gente se aposenta naquela ilusão. Vou viajar, passear bastante, mas a realidade é que não dá para fazer tudo isso”, conta Vera, que passou quase 30 anos atuando num cartório e, agora, trabalha na Nestlé, na Boutique Nespresso, no shopping Morumbi, em São Paulo, como coffee especialista. “Em casa, eu me sentia muito solitária.”

Os dados do número de profissionais ocupados com mais de 60 anos são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando esse tipo de levantamento começou a ser realizado, no primeiro trimestre de 2012, o número de brasileiros trabalhando nessa faixa etária era de 4,934 milhões. Ou seja, quase metade do que é hoje.

continua após a publicidade

“Em termos absolutos, a forte alta da população ocupada decorreu do crescimento demográfico deste grupo de idade, associado à melhora relativa do mercado de trabalho nacional”, afirma Lucas Assis, economista da consultoria Tendências.

O aumento da ocupação entre os mais velhos é um movimento que não deve parar. O Brasil vive uma transição demográfica acelerada, com a população envelhecendo mais rápido do que o esperado, o que reforça a expectativa de que a chegada dos trabalhadores com mais de 60 anos ao mercado de trabalho deve ganhar força ao longo dos próximos anos.

continua após a publicidade

Os números capturados pelo Censo já deixam evidente esse processo de envelhecimento brasileiro. Em 2000, a população de 60 anos ou mais era de 15,2 milhões; pulou para 20,6 milhões em 2010; e chegou a 32,1 milhões em 2022. Na prática, o Brasil abandonou o chamado bônus demográfico, um período no qual muitos jovens entraram no mercado de trabalho e contribuíram para que o País registrasse elevadas taxas de crescimento econômico.

“As projeções indicam uma redução no número de crianças e jovens (entre 2000 e 2022, o número de nascimentos recuou em 998 mil), enquanto a proporção de idosos continuará crescendo, especialmente entre as mulheres, cuja expectativa de vida é maior. Portanto, em termos absolutos, a tendência é de aumento da quantidade de ocupados com mais de 60 anos de idade”, afirma Assis, responsável pelo levantamento dos dados.

Despertar das empresas

continua após a publicidade

A nova realidade demográfica brasileira impõe um desafio não apenas econômico para o País, mas, sobretudo, para as empresas, que estão diante de uma oferta menor de trabalhadores mais jovens e vão ter de repensar o seu modelo de contratação.

“À medida que a população envelhece, as empresas que valorizam a diversidade etária sairão na frente. Mas é preciso reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro ainda está em um estágio inicial nesse tema”, diz o diretor-geral da empresa de recrutamento Robert Half América do Sul, Fernando Mantovani. Segundo ele, muitas companhias carecem de compreensão e letramento sobre o assunto.

continua após a publicidade

Um levantamento recente da empresa, em parceria com a Labora, mostra que 70% das companhias não têm indicadores claros para medir o avanço de suas ações, e muitos ambientes corporativos permanecem alheios ao preconceito etário. Mantovani destaca, entretanto, que há uma vontade por mudanças. O que falta é clareza sobre como iniciar esse processo. “Vejo isso como uma excelente oportunidade para refletir sobre as barreiras existentes e, mais importante, sobre as ações necessárias para superá-las.”

O executivo afirma que a preocupação com a diversidade geracional inclui tanto o público sênior quanto a geração Z. O foco, diz ele, deve ser em como as diferentes gerações podem colaborar e agregar valor ao mercado de trabalho. Mas, apesar do interesse das empresas sobre o tema, ainda há alguma resistência.

“Existe uma mentalidade (na hora de uma eventual contratação) de que as pessoas maduras estão se aposentando ou vão se aposentar (em breve) e ter um outro momento de vida”, diz Wilma Dal Col, diretora na Right Management e diretora de RH na ManpowerGroup.

continua após a publicidade

De fato, o debate sobre etarismo ganhou relevância nos últimos anos, mas ainda aparece atrás de outros temas também importante no mundo corporativo, como gênero, raça, pessoas com deficiências e do grupo LGBTQIA+.

“Estamos num momento de despertar das empresas. De todas as diversidades, a da idade é a que mais cresce em termos de atenção das companhias”, afirma Sérgio Serapião, CEO da Labora, uma startup que surgiu há cinco anos e que une empresas e profissionais mais velhos.

“E, agora, numa vida mais longa, há uma demanda por começar novos ciclos profissionais, porque a tecnologia e os mercados estão mudando muito rápido. Um dos quesitos para se manter produtivo no mercado de trabalho é dar oportunidade para as pessoas se reinventarem. Elas precisam entender quem são aos 50, aos 60 e aos 70 anos”, acrescenta.

Há três anos contratado pela RD Saúde, Carlos Alberto de Carvalho, de 65 anos, buscou essa reinvenção tão enfatizada pelos especialistas. Tem um curso técnico, mas decidiu cursar uma faculdade de programação de sistema e análise de dados para alçar voos maiores na carreira. Desde que entrou na empresa, já recebeu uma promoção: passou de atendente 1 para atendente 2. “Se a empresa me mantiver e eu tiver lucidez, vou continuar trabalhando até os 90 anos”, afirma.

Carlos Alberto, de 65 anos, voltou entrou na faculdade e diz não ter hora para parar de trabalhar Foto: Fabio Vieira/Estadao

Para Carvalho, o trabalho também é uma forma de complementar a aposentadoria. Ele só conseguiu o benefício do INSS neste ano e o valor que recebe mensalmente é de um salário mínimo. “Efetivamente, o valor da aposentadoria não paga as minhas despesas e preciso continuar trabalhando.”

Geração dos informais

O descasamento entre a renda da aposentadoria e o custo de vida elevado ajuda a explicar um outro dado sobre o mercado de trabalho dos mais velhos. Entre os profissionais com mais de 60 anos, 53,5% dos trabalhadores estão na informalidade – um resultado que só fica abaixo da faixa etária de 14 a 17 anos (72,9%), de acordo com dados da PNAD.

Para complementar a renda, muitos trabalhadores mais velhos acabam se sujeitando a qualquer tipo de trabalho. “O fato é que o profissional maduro ou o idoso aposentado é devolvido ao mercado em situação trabalhista precária”, afirma Assis. “Os profissionais mais velhos estão dispostos a atuar em diversas condições de trabalho, confirmando a vantagem da contratação do trabalhador idoso, pois, se aposentado, a tendência é o trabalhador aceitar uma vaga com baixas garantias trabalhistas”, diz.

Márcio Premazzi, de 62 anos, é um desses trabalhadores que hoje em dia vive na informalidade. Ele trabalhou até 2022 com carteira assinada e, desde então, vive de “freelas”. “Em todo esse tempo, procurei emprego, mandei currículo, fiz testes, mas nunca fui chamado. Sinto-me muito bem fisicamente e tenho experiência e habilidades para assumir uma série de funções, do marketing ou setor administrativo.”

Pai de três filhos e formado em comunicação, Premazzi se considera qualificado para o mercado de trabalho atual, mas ainda vê muito etarismo no mercado. “Tenho vários amigos e quase todos eles estão trabalhando porque têm negócio próprio.” Apesar de ter conseguido se aposentar no início deste ano, ele disse que não consegue sobreviver apenas com o benefício. “Além da questão financeira, sou muito ativo. Não consigo ficar parado. A não ser que eu ganhe na mega-sena”, brinca.

Em 24 de dezembro do ano passado, Vera Lucia Muniz, de 60 anos, diz ter ganho um presente de Natal inesperado. Após participar de um processo seletivo, no qual competiu com profissionais mais jovens, recebeu um telefonema oferecendo uma vaga de emprego. O retorno ao mercado de trabalho era a possibilidade de sair de uma rotina quase solitária e, ainda, complementar a renda da aposentadoria. “Voltei a trabalhar para conhecer pessoas, para me relacionar mais e pela parte financeira. Só com a aposentadoria não se vive”, afirma.

A história de Vera tem se repetido pelo País - e aos milhões. Nunca tantos brasileiros com mais de 60 anos atuaram no mercado de trabalho. No segundo trimestre deste ano, eram 8,042 milhões de pessoas desse grupo ocupadas - um contingente equivalente a toda a população do Estado do Pará.

Vera Lucia, de 60 anos, voltou a trabalhar para conhecer novas pessoas e pela parte financeira Foto: Alex Silva

“A gente se aposenta naquela ilusão. Vou viajar, passear bastante, mas a realidade é que não dá para fazer tudo isso”, conta Vera, que passou quase 30 anos atuando num cartório e, agora, trabalha na Nestlé, na Boutique Nespresso, no shopping Morumbi, em São Paulo, como coffee especialista. “Em casa, eu me sentia muito solitária.”

Os dados do número de profissionais ocupados com mais de 60 anos são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando esse tipo de levantamento começou a ser realizado, no primeiro trimestre de 2012, o número de brasileiros trabalhando nessa faixa etária era de 4,934 milhões. Ou seja, quase metade do que é hoje.

“Em termos absolutos, a forte alta da população ocupada decorreu do crescimento demográfico deste grupo de idade, associado à melhora relativa do mercado de trabalho nacional”, afirma Lucas Assis, economista da consultoria Tendências.

O aumento da ocupação entre os mais velhos é um movimento que não deve parar. O Brasil vive uma transição demográfica acelerada, com a população envelhecendo mais rápido do que o esperado, o que reforça a expectativa de que a chegada dos trabalhadores com mais de 60 anos ao mercado de trabalho deve ganhar força ao longo dos próximos anos.

Os números capturados pelo Censo já deixam evidente esse processo de envelhecimento brasileiro. Em 2000, a população de 60 anos ou mais era de 15,2 milhões; pulou para 20,6 milhões em 2010; e chegou a 32,1 milhões em 2022. Na prática, o Brasil abandonou o chamado bônus demográfico, um período no qual muitos jovens entraram no mercado de trabalho e contribuíram para que o País registrasse elevadas taxas de crescimento econômico.

“As projeções indicam uma redução no número de crianças e jovens (entre 2000 e 2022, o número de nascimentos recuou em 998 mil), enquanto a proporção de idosos continuará crescendo, especialmente entre as mulheres, cuja expectativa de vida é maior. Portanto, em termos absolutos, a tendência é de aumento da quantidade de ocupados com mais de 60 anos de idade”, afirma Assis, responsável pelo levantamento dos dados.

Despertar das empresas

A nova realidade demográfica brasileira impõe um desafio não apenas econômico para o País, mas, sobretudo, para as empresas, que estão diante de uma oferta menor de trabalhadores mais jovens e vão ter de repensar o seu modelo de contratação.

“À medida que a população envelhece, as empresas que valorizam a diversidade etária sairão na frente. Mas é preciso reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro ainda está em um estágio inicial nesse tema”, diz o diretor-geral da empresa de recrutamento Robert Half América do Sul, Fernando Mantovani. Segundo ele, muitas companhias carecem de compreensão e letramento sobre o assunto.

Um levantamento recente da empresa, em parceria com a Labora, mostra que 70% das companhias não têm indicadores claros para medir o avanço de suas ações, e muitos ambientes corporativos permanecem alheios ao preconceito etário. Mantovani destaca, entretanto, que há uma vontade por mudanças. O que falta é clareza sobre como iniciar esse processo. “Vejo isso como uma excelente oportunidade para refletir sobre as barreiras existentes e, mais importante, sobre as ações necessárias para superá-las.”

O executivo afirma que a preocupação com a diversidade geracional inclui tanto o público sênior quanto a geração Z. O foco, diz ele, deve ser em como as diferentes gerações podem colaborar e agregar valor ao mercado de trabalho. Mas, apesar do interesse das empresas sobre o tema, ainda há alguma resistência.

“Existe uma mentalidade (na hora de uma eventual contratação) de que as pessoas maduras estão se aposentando ou vão se aposentar (em breve) e ter um outro momento de vida”, diz Wilma Dal Col, diretora na Right Management e diretora de RH na ManpowerGroup.

De fato, o debate sobre etarismo ganhou relevância nos últimos anos, mas ainda aparece atrás de outros temas também importante no mundo corporativo, como gênero, raça, pessoas com deficiências e do grupo LGBTQIA+.

“Estamos num momento de despertar das empresas. De todas as diversidades, a da idade é a que mais cresce em termos de atenção das companhias”, afirma Sérgio Serapião, CEO da Labora, uma startup que surgiu há cinco anos e que une empresas e profissionais mais velhos.

“E, agora, numa vida mais longa, há uma demanda por começar novos ciclos profissionais, porque a tecnologia e os mercados estão mudando muito rápido. Um dos quesitos para se manter produtivo no mercado de trabalho é dar oportunidade para as pessoas se reinventarem. Elas precisam entender quem são aos 50, aos 60 e aos 70 anos”, acrescenta.

Há três anos contratado pela RD Saúde, Carlos Alberto de Carvalho, de 65 anos, buscou essa reinvenção tão enfatizada pelos especialistas. Tem um curso técnico, mas decidiu cursar uma faculdade de programação de sistema e análise de dados para alçar voos maiores na carreira. Desde que entrou na empresa, já recebeu uma promoção: passou de atendente 1 para atendente 2. “Se a empresa me mantiver e eu tiver lucidez, vou continuar trabalhando até os 90 anos”, afirma.

Carlos Alberto, de 65 anos, voltou entrou na faculdade e diz não ter hora para parar de trabalhar Foto: Fabio Vieira/Estadao

Para Carvalho, o trabalho também é uma forma de complementar a aposentadoria. Ele só conseguiu o benefício do INSS neste ano e o valor que recebe mensalmente é de um salário mínimo. “Efetivamente, o valor da aposentadoria não paga as minhas despesas e preciso continuar trabalhando.”

Geração dos informais

O descasamento entre a renda da aposentadoria e o custo de vida elevado ajuda a explicar um outro dado sobre o mercado de trabalho dos mais velhos. Entre os profissionais com mais de 60 anos, 53,5% dos trabalhadores estão na informalidade – um resultado que só fica abaixo da faixa etária de 14 a 17 anos (72,9%), de acordo com dados da PNAD.

Para complementar a renda, muitos trabalhadores mais velhos acabam se sujeitando a qualquer tipo de trabalho. “O fato é que o profissional maduro ou o idoso aposentado é devolvido ao mercado em situação trabalhista precária”, afirma Assis. “Os profissionais mais velhos estão dispostos a atuar em diversas condições de trabalho, confirmando a vantagem da contratação do trabalhador idoso, pois, se aposentado, a tendência é o trabalhador aceitar uma vaga com baixas garantias trabalhistas”, diz.

Márcio Premazzi, de 62 anos, é um desses trabalhadores que hoje em dia vive na informalidade. Ele trabalhou até 2022 com carteira assinada e, desde então, vive de “freelas”. “Em todo esse tempo, procurei emprego, mandei currículo, fiz testes, mas nunca fui chamado. Sinto-me muito bem fisicamente e tenho experiência e habilidades para assumir uma série de funções, do marketing ou setor administrativo.”

Pai de três filhos e formado em comunicação, Premazzi se considera qualificado para o mercado de trabalho atual, mas ainda vê muito etarismo no mercado. “Tenho vários amigos e quase todos eles estão trabalhando porque têm negócio próprio.” Apesar de ter conseguido se aposentar no início deste ano, ele disse que não consegue sobreviver apenas com o benefício. “Além da questão financeira, sou muito ativo. Não consigo ficar parado. A não ser que eu ganhe na mega-sena”, brinca.

Em 24 de dezembro do ano passado, Vera Lucia Muniz, de 60 anos, diz ter ganho um presente de Natal inesperado. Após participar de um processo seletivo, no qual competiu com profissionais mais jovens, recebeu um telefonema oferecendo uma vaga de emprego. O retorno ao mercado de trabalho era a possibilidade de sair de uma rotina quase solitária e, ainda, complementar a renda da aposentadoria. “Voltei a trabalhar para conhecer pessoas, para me relacionar mais e pela parte financeira. Só com a aposentadoria não se vive”, afirma.

A história de Vera tem se repetido pelo País - e aos milhões. Nunca tantos brasileiros com mais de 60 anos atuaram no mercado de trabalho. No segundo trimestre deste ano, eram 8,042 milhões de pessoas desse grupo ocupadas - um contingente equivalente a toda a população do Estado do Pará.

Vera Lucia, de 60 anos, voltou a trabalhar para conhecer novas pessoas e pela parte financeira Foto: Alex Silva

“A gente se aposenta naquela ilusão. Vou viajar, passear bastante, mas a realidade é que não dá para fazer tudo isso”, conta Vera, que passou quase 30 anos atuando num cartório e, agora, trabalha na Nestlé, na Boutique Nespresso, no shopping Morumbi, em São Paulo, como coffee especialista. “Em casa, eu me sentia muito solitária.”

Os dados do número de profissionais ocupados com mais de 60 anos são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando esse tipo de levantamento começou a ser realizado, no primeiro trimestre de 2012, o número de brasileiros trabalhando nessa faixa etária era de 4,934 milhões. Ou seja, quase metade do que é hoje.

“Em termos absolutos, a forte alta da população ocupada decorreu do crescimento demográfico deste grupo de idade, associado à melhora relativa do mercado de trabalho nacional”, afirma Lucas Assis, economista da consultoria Tendências.

O aumento da ocupação entre os mais velhos é um movimento que não deve parar. O Brasil vive uma transição demográfica acelerada, com a população envelhecendo mais rápido do que o esperado, o que reforça a expectativa de que a chegada dos trabalhadores com mais de 60 anos ao mercado de trabalho deve ganhar força ao longo dos próximos anos.

Os números capturados pelo Censo já deixam evidente esse processo de envelhecimento brasileiro. Em 2000, a população de 60 anos ou mais era de 15,2 milhões; pulou para 20,6 milhões em 2010; e chegou a 32,1 milhões em 2022. Na prática, o Brasil abandonou o chamado bônus demográfico, um período no qual muitos jovens entraram no mercado de trabalho e contribuíram para que o País registrasse elevadas taxas de crescimento econômico.

“As projeções indicam uma redução no número de crianças e jovens (entre 2000 e 2022, o número de nascimentos recuou em 998 mil), enquanto a proporção de idosos continuará crescendo, especialmente entre as mulheres, cuja expectativa de vida é maior. Portanto, em termos absolutos, a tendência é de aumento da quantidade de ocupados com mais de 60 anos de idade”, afirma Assis, responsável pelo levantamento dos dados.

Despertar das empresas

A nova realidade demográfica brasileira impõe um desafio não apenas econômico para o País, mas, sobretudo, para as empresas, que estão diante de uma oferta menor de trabalhadores mais jovens e vão ter de repensar o seu modelo de contratação.

“À medida que a população envelhece, as empresas que valorizam a diversidade etária sairão na frente. Mas é preciso reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro ainda está em um estágio inicial nesse tema”, diz o diretor-geral da empresa de recrutamento Robert Half América do Sul, Fernando Mantovani. Segundo ele, muitas companhias carecem de compreensão e letramento sobre o assunto.

Um levantamento recente da empresa, em parceria com a Labora, mostra que 70% das companhias não têm indicadores claros para medir o avanço de suas ações, e muitos ambientes corporativos permanecem alheios ao preconceito etário. Mantovani destaca, entretanto, que há uma vontade por mudanças. O que falta é clareza sobre como iniciar esse processo. “Vejo isso como uma excelente oportunidade para refletir sobre as barreiras existentes e, mais importante, sobre as ações necessárias para superá-las.”

O executivo afirma que a preocupação com a diversidade geracional inclui tanto o público sênior quanto a geração Z. O foco, diz ele, deve ser em como as diferentes gerações podem colaborar e agregar valor ao mercado de trabalho. Mas, apesar do interesse das empresas sobre o tema, ainda há alguma resistência.

“Existe uma mentalidade (na hora de uma eventual contratação) de que as pessoas maduras estão se aposentando ou vão se aposentar (em breve) e ter um outro momento de vida”, diz Wilma Dal Col, diretora na Right Management e diretora de RH na ManpowerGroup.

De fato, o debate sobre etarismo ganhou relevância nos últimos anos, mas ainda aparece atrás de outros temas também importante no mundo corporativo, como gênero, raça, pessoas com deficiências e do grupo LGBTQIA+.

“Estamos num momento de despertar das empresas. De todas as diversidades, a da idade é a que mais cresce em termos de atenção das companhias”, afirma Sérgio Serapião, CEO da Labora, uma startup que surgiu há cinco anos e que une empresas e profissionais mais velhos.

“E, agora, numa vida mais longa, há uma demanda por começar novos ciclos profissionais, porque a tecnologia e os mercados estão mudando muito rápido. Um dos quesitos para se manter produtivo no mercado de trabalho é dar oportunidade para as pessoas se reinventarem. Elas precisam entender quem são aos 50, aos 60 e aos 70 anos”, acrescenta.

Há três anos contratado pela RD Saúde, Carlos Alberto de Carvalho, de 65 anos, buscou essa reinvenção tão enfatizada pelos especialistas. Tem um curso técnico, mas decidiu cursar uma faculdade de programação de sistema e análise de dados para alçar voos maiores na carreira. Desde que entrou na empresa, já recebeu uma promoção: passou de atendente 1 para atendente 2. “Se a empresa me mantiver e eu tiver lucidez, vou continuar trabalhando até os 90 anos”, afirma.

Carlos Alberto, de 65 anos, voltou entrou na faculdade e diz não ter hora para parar de trabalhar Foto: Fabio Vieira/Estadao

Para Carvalho, o trabalho também é uma forma de complementar a aposentadoria. Ele só conseguiu o benefício do INSS neste ano e o valor que recebe mensalmente é de um salário mínimo. “Efetivamente, o valor da aposentadoria não paga as minhas despesas e preciso continuar trabalhando.”

Geração dos informais

O descasamento entre a renda da aposentadoria e o custo de vida elevado ajuda a explicar um outro dado sobre o mercado de trabalho dos mais velhos. Entre os profissionais com mais de 60 anos, 53,5% dos trabalhadores estão na informalidade – um resultado que só fica abaixo da faixa etária de 14 a 17 anos (72,9%), de acordo com dados da PNAD.

Para complementar a renda, muitos trabalhadores mais velhos acabam se sujeitando a qualquer tipo de trabalho. “O fato é que o profissional maduro ou o idoso aposentado é devolvido ao mercado em situação trabalhista precária”, afirma Assis. “Os profissionais mais velhos estão dispostos a atuar em diversas condições de trabalho, confirmando a vantagem da contratação do trabalhador idoso, pois, se aposentado, a tendência é o trabalhador aceitar uma vaga com baixas garantias trabalhistas”, diz.

Márcio Premazzi, de 62 anos, é um desses trabalhadores que hoje em dia vive na informalidade. Ele trabalhou até 2022 com carteira assinada e, desde então, vive de “freelas”. “Em todo esse tempo, procurei emprego, mandei currículo, fiz testes, mas nunca fui chamado. Sinto-me muito bem fisicamente e tenho experiência e habilidades para assumir uma série de funções, do marketing ou setor administrativo.”

Pai de três filhos e formado em comunicação, Premazzi se considera qualificado para o mercado de trabalho atual, mas ainda vê muito etarismo no mercado. “Tenho vários amigos e quase todos eles estão trabalhando porque têm negócio próprio.” Apesar de ter conseguido se aposentar no início deste ano, ele disse que não consegue sobreviver apenas com o benefício. “Além da questão financeira, sou muito ativo. Não consigo ficar parado. A não ser que eu ganhe na mega-sena”, brinca.

Em 24 de dezembro do ano passado, Vera Lucia Muniz, de 60 anos, diz ter ganho um presente de Natal inesperado. Após participar de um processo seletivo, no qual competiu com profissionais mais jovens, recebeu um telefonema oferecendo uma vaga de emprego. O retorno ao mercado de trabalho era a possibilidade de sair de uma rotina quase solitária e, ainda, complementar a renda da aposentadoria. “Voltei a trabalhar para conhecer pessoas, para me relacionar mais e pela parte financeira. Só com a aposentadoria não se vive”, afirma.

A história de Vera tem se repetido pelo País - e aos milhões. Nunca tantos brasileiros com mais de 60 anos atuaram no mercado de trabalho. No segundo trimestre deste ano, eram 8,042 milhões de pessoas desse grupo ocupadas - um contingente equivalente a toda a população do Estado do Pará.

Vera Lucia, de 60 anos, voltou a trabalhar para conhecer novas pessoas e pela parte financeira Foto: Alex Silva

“A gente se aposenta naquela ilusão. Vou viajar, passear bastante, mas a realidade é que não dá para fazer tudo isso”, conta Vera, que passou quase 30 anos atuando num cartório e, agora, trabalha na Nestlé, na Boutique Nespresso, no shopping Morumbi, em São Paulo, como coffee especialista. “Em casa, eu me sentia muito solitária.”

Os dados do número de profissionais ocupados com mais de 60 anos são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando esse tipo de levantamento começou a ser realizado, no primeiro trimestre de 2012, o número de brasileiros trabalhando nessa faixa etária era de 4,934 milhões. Ou seja, quase metade do que é hoje.

“Em termos absolutos, a forte alta da população ocupada decorreu do crescimento demográfico deste grupo de idade, associado à melhora relativa do mercado de trabalho nacional”, afirma Lucas Assis, economista da consultoria Tendências.

O aumento da ocupação entre os mais velhos é um movimento que não deve parar. O Brasil vive uma transição demográfica acelerada, com a população envelhecendo mais rápido do que o esperado, o que reforça a expectativa de que a chegada dos trabalhadores com mais de 60 anos ao mercado de trabalho deve ganhar força ao longo dos próximos anos.

Os números capturados pelo Censo já deixam evidente esse processo de envelhecimento brasileiro. Em 2000, a população de 60 anos ou mais era de 15,2 milhões; pulou para 20,6 milhões em 2010; e chegou a 32,1 milhões em 2022. Na prática, o Brasil abandonou o chamado bônus demográfico, um período no qual muitos jovens entraram no mercado de trabalho e contribuíram para que o País registrasse elevadas taxas de crescimento econômico.

“As projeções indicam uma redução no número de crianças e jovens (entre 2000 e 2022, o número de nascimentos recuou em 998 mil), enquanto a proporção de idosos continuará crescendo, especialmente entre as mulheres, cuja expectativa de vida é maior. Portanto, em termos absolutos, a tendência é de aumento da quantidade de ocupados com mais de 60 anos de idade”, afirma Assis, responsável pelo levantamento dos dados.

Despertar das empresas

A nova realidade demográfica brasileira impõe um desafio não apenas econômico para o País, mas, sobretudo, para as empresas, que estão diante de uma oferta menor de trabalhadores mais jovens e vão ter de repensar o seu modelo de contratação.

“À medida que a população envelhece, as empresas que valorizam a diversidade etária sairão na frente. Mas é preciso reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro ainda está em um estágio inicial nesse tema”, diz o diretor-geral da empresa de recrutamento Robert Half América do Sul, Fernando Mantovani. Segundo ele, muitas companhias carecem de compreensão e letramento sobre o assunto.

Um levantamento recente da empresa, em parceria com a Labora, mostra que 70% das companhias não têm indicadores claros para medir o avanço de suas ações, e muitos ambientes corporativos permanecem alheios ao preconceito etário. Mantovani destaca, entretanto, que há uma vontade por mudanças. O que falta é clareza sobre como iniciar esse processo. “Vejo isso como uma excelente oportunidade para refletir sobre as barreiras existentes e, mais importante, sobre as ações necessárias para superá-las.”

O executivo afirma que a preocupação com a diversidade geracional inclui tanto o público sênior quanto a geração Z. O foco, diz ele, deve ser em como as diferentes gerações podem colaborar e agregar valor ao mercado de trabalho. Mas, apesar do interesse das empresas sobre o tema, ainda há alguma resistência.

“Existe uma mentalidade (na hora de uma eventual contratação) de que as pessoas maduras estão se aposentando ou vão se aposentar (em breve) e ter um outro momento de vida”, diz Wilma Dal Col, diretora na Right Management e diretora de RH na ManpowerGroup.

De fato, o debate sobre etarismo ganhou relevância nos últimos anos, mas ainda aparece atrás de outros temas também importante no mundo corporativo, como gênero, raça, pessoas com deficiências e do grupo LGBTQIA+.

“Estamos num momento de despertar das empresas. De todas as diversidades, a da idade é a que mais cresce em termos de atenção das companhias”, afirma Sérgio Serapião, CEO da Labora, uma startup que surgiu há cinco anos e que une empresas e profissionais mais velhos.

“E, agora, numa vida mais longa, há uma demanda por começar novos ciclos profissionais, porque a tecnologia e os mercados estão mudando muito rápido. Um dos quesitos para se manter produtivo no mercado de trabalho é dar oportunidade para as pessoas se reinventarem. Elas precisam entender quem são aos 50, aos 60 e aos 70 anos”, acrescenta.

Há três anos contratado pela RD Saúde, Carlos Alberto de Carvalho, de 65 anos, buscou essa reinvenção tão enfatizada pelos especialistas. Tem um curso técnico, mas decidiu cursar uma faculdade de programação de sistema e análise de dados para alçar voos maiores na carreira. Desde que entrou na empresa, já recebeu uma promoção: passou de atendente 1 para atendente 2. “Se a empresa me mantiver e eu tiver lucidez, vou continuar trabalhando até os 90 anos”, afirma.

Carlos Alberto, de 65 anos, voltou entrou na faculdade e diz não ter hora para parar de trabalhar Foto: Fabio Vieira/Estadao

Para Carvalho, o trabalho também é uma forma de complementar a aposentadoria. Ele só conseguiu o benefício do INSS neste ano e o valor que recebe mensalmente é de um salário mínimo. “Efetivamente, o valor da aposentadoria não paga as minhas despesas e preciso continuar trabalhando.”

Geração dos informais

O descasamento entre a renda da aposentadoria e o custo de vida elevado ajuda a explicar um outro dado sobre o mercado de trabalho dos mais velhos. Entre os profissionais com mais de 60 anos, 53,5% dos trabalhadores estão na informalidade – um resultado que só fica abaixo da faixa etária de 14 a 17 anos (72,9%), de acordo com dados da PNAD.

Para complementar a renda, muitos trabalhadores mais velhos acabam se sujeitando a qualquer tipo de trabalho. “O fato é que o profissional maduro ou o idoso aposentado é devolvido ao mercado em situação trabalhista precária”, afirma Assis. “Os profissionais mais velhos estão dispostos a atuar em diversas condições de trabalho, confirmando a vantagem da contratação do trabalhador idoso, pois, se aposentado, a tendência é o trabalhador aceitar uma vaga com baixas garantias trabalhistas”, diz.

Márcio Premazzi, de 62 anos, é um desses trabalhadores que hoje em dia vive na informalidade. Ele trabalhou até 2022 com carteira assinada e, desde então, vive de “freelas”. “Em todo esse tempo, procurei emprego, mandei currículo, fiz testes, mas nunca fui chamado. Sinto-me muito bem fisicamente e tenho experiência e habilidades para assumir uma série de funções, do marketing ou setor administrativo.”

Pai de três filhos e formado em comunicação, Premazzi se considera qualificado para o mercado de trabalho atual, mas ainda vê muito etarismo no mercado. “Tenho vários amigos e quase todos eles estão trabalhando porque têm negócio próprio.” Apesar de ter conseguido se aposentar no início deste ano, ele disse que não consegue sobreviver apenas com o benefício. “Além da questão financeira, sou muito ativo. Não consigo ficar parado. A não ser que eu ganhe na mega-sena”, brinca.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.