O cenário externo e a trégua na inflação nacional em maio fizeram o mercado viver um dia de euforia nesta sexta-feira, 9, reforçando a expectativa de que o Banco Central dê início a um ciclo de redução da taxa básica de juros. Dólar e juros futuros caíram, e a Bolsa fechou em alta de 1,33%, aos 117.019,48 pontos.
A reação positiva é uma combinação de otimismo com o possível corte de juros no Brasil, a esperada pausa do aperto do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) e a expectativa com estímulos econômicos na China.
Lá fora, a projeção da maioria dos analistas é que o Fed mantenha a taxa de juros dos EUA inalterada na reunião da próxima semana. No Brasil, a última divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), feita na véspera do feriado de Corpus Christi, levantou os ânimos nesta sexta-feira. De um avanço de 0,61% em abril, o IPCA passou para uma alta de 0,23% no mês passado, o menor resultado desde antes das eleições de 2022.
O Ibovespa operou, desde os primeiros minutos do pregão desta sexta, em território de “bull market” (mercado de alta). O “bull market” acontece quando um determinado índice ou preço de ativo ultrapassa a valorização de 20% em relação ao seu mais recente piso. No caso do Ibovespa, o piso foi os 96.996,84 pontos em 23 de março — dia seguinte à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em que o Banco Central endureceu o tom em relação à desancoragem das expectativas e foi alvo de críticas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Na cena externa, havia dúvidas quanto à capacidade de solvência de bancos médios americanos, na esteira das crises do Silicon Valley Bank e do First Republic Bank.
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A situação desenhada no momento é um tanto diferente. Naquela ocasião, a tensão entre o BC e o governo fez o mercado reduzir a aposta em cortes mais robustos de juros (com Selic na curva em 12,50% no encerramento de 2023). Agora, a curva projeta algo mais próximo de 12% diante da desinflação mais forte e melhora de humor dos agentes, depois da aprovação do arcabouço fiscal na Câmara. Nos departamentos econômicos, há casas que veem chance de uma taxa em 11,75% este ano — e até abaixo dos dois dígitos em 2024, embora não seja o consenso.
A moeda americana caiu ao longo do dia e fechou a R$ 4,84, uma queda de 0,97%. Para o gerente de câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo, o piso psicológico em torno de R$ 4,90 é forte, mas pode ser rompido se aparecer fluxo de estrangeiros para a Bolsa novamente. As taxas dos contratos de depósitos interfinanceiros (DIs) tiveram queda desde a abertura.
O economista Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências, afirma haver componentes externos no clima mais favorável do mercado (com a percepção de que o ciclo de aperto do Fed, nos Estados Unidos, está próximo), mas também internos. No cenário doméstico, ele destaca a aprovação do arcabouço fiscal e os sinais de inflação desacelerando como os indicativos positivos que, em sua visão, mostram o “aval do mercado” para um corte na taxa básica de juros.
“O que desencadeou (esse clima) foi o arcabouço que, por mais que tenha suas inconsistências, no mínimo teve mérito de afastar o risco de visões mais pessimistas ou descontrole maior de gastos. A melhora nos índices de inflação complementam esse cenário desde o IPCA de abril, mas especialmente o IPCA-15 de maio e o próprio IPCA de maio. Vemos abertura boa, com desaceleração de núcleos e serviços”, afirma o economista.
“(O cenário) Abre o caminho para que o BC comece a reduzir os juros e de forma técnica, sem uma situação forçada, mas os mercados já estão dando aval para isso”, diz Silvio Campos Neto.
A projeção da Tendências é de corte gradual na Selic, começando com 0,25 ponto porcentual em agosto até 12,5% ao ano, em dezembro. Para dezembro de 2024, a projeção é de Selic a 10,5%. Segundo Silvio Campos Neto, a perspectiva de redução gradual na taxa básica de juros se deve a uma projeção de inflação ainda elevada nos próximos anos, com governo mais expansionista, e as preocupações com trocas na gestão do Banco Central — em diretorias e na presidência.
Para o economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto, o humor do mercado nesta sexta-feira é resultado de uma combinação de fatores, que inclui os dados de inflação e o humor pós-aprovação do arcabouço fiscal.
“O mercado demorou um pouco para assimilar que o arcabouço fiscal não é a oitava maravilha do mundo, mas é bastante razoável. Isso está sendo precificado cada vez mais. Em paralelo, a inflação corrente vai derretendo a cada divulgação, auxiliada também pela apreciação do real”, afirma.
“Só falta que as expectativas de inflação reajam com mais vigor para completar o quadro, já bastante benigno. A atividade também veio melhor, em que pese a concentração no setor do agronegócio”, diz o economista da Warren Rena.
Com a inflação mais controlada e a atividade econômica ainda firme, investidores se animam com a possibilidade de um início antecipado do ciclo de corte de juros pelo Banco Central, destacou a Rico, em nota. “Lá fora, dados econômicos mais fracos que o esperado continuam levantando preocupações sobre a recuperação da China. Além disso, o sentimento de cautela toma conta dos mercados nos EUA, que estão de olho na decisão da taxa de juros americana na próxima semana”, afirmou a corretora. /Colaboraram Aramis Merki II, Gustavo Nicoletta, Maria Regina Silva e Silvana Rocha