BRASÍLIA – A TAV Brasil, empresa criada para viabilizar a construção do trem de alta velocidade entre São Paulo e o Rio de Janeiro, já realiza as primeiras conversas com empreiteiras para viabilizar o projeto. Diferentemente do que se via dez anos atrás, quando as transações para viabilizar a obra se concentraram em grandes construtoras nacionais, agora negocia-se, também, com grandes companhias da China e da Espanha, já especializadas em erguer esse tipo de projeto. Os contatos passaram a ser feitos pelas próprias empresas, após vir à tona a confirmação de que o projeto obteve autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Ao Estadão, o diretor-presidente da TAV Brasil, Bernardo Figueiredo, detalhou os próximos passos da empresa para tirar o projeto do papel e as principais mudanças que o empreendimento passa a ter, agora que se tornou um negócio 100% privado, sem nenhuma participação estatal.
Figueiredo foi diretor da ANTT e comandou o projeto do 1º trem de alta velocidade ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2007. Em 2012, foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff à presidência da Etav, estatal que licitaria o projeto do trem de alta velocidade, mas o projeto não vingou. Ele também acabou por não ser reconduzido ao cargo na agência.
Na parte de infraestrutura, uma das principais mudanças que o novo empreendimento prevê diz respeito ao traçado, que retirou estações que estavam desenhadas para os centros das cidades. O projeto original previa, por exemplo, 20 quilômetros de túnel na cidade São Paulo, enquanto o novo não contempla essa obra. A ideia é terminar o trajeto na região de Pirituba. Do lado carioca, a obra acabaria em Santa Cruz, podendo ser acessada, a partir dali, por meio de uma eventual parceria com a rede da Supervia. São 34 estações de Santa Cruz à região central do Rio.
“Essa é uma questão que está resolvida. Não entraremos dentro dos centros urbanos, mas buscaremos parcerias. A partir destes pontos, podemos negociar conexões com outras redes, ou eventuais construções de ramais”, disse Figueiredo.
O número de paradas também foi cortado pela metade. Enquanto o primeiro traçado do trem-bala, desenvolvido durante o primeiro governo Dilma Rousseff, previa a construção de até oito estações em seu trajeto de 400 km, o novo projeto conta com apenas quatro estações – São Paulo, São José dos Campos, Volta Redonda e Rio de Janeiro – prevendo diversos tipo de viagens, como viagens sem parada, por exemplo. O traçado inteiro, de 378 km, poderá ser feito em viagens de 1 hora e 30 minutos, com velocidade aproximada de 350 km por hora, diz Figueiredo.
O detalhamento do trajeto ainda será conhecido durante a elaboração do projeto executivo de engenharia, mas o que já se sabe é que todo percurso será novo, ou seja, não está prevista a exploração paralela de nenhuma outra linha de trem pré-existente.
Nesta quarta-feira, 1, a TAV Brasil assinou o contrato de adesão ao projeto com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Com esse contrato, a TAV Brasil passa a ter, na prática, o direito de construir e explorar comercialmente o trem-bala, pelo prazo de 99 anos. Trata-se de um passo fundamental do empreendimento, que recebeu aval do poder público para ir adiante. Resta agora ver como o setor privado vai se comportar.
Bernardo Figueiredo disse que, ao longo deste ano, a TAV Brasil, que é uma sociedade de propósito específico (SPE) criada exclusivamente para viabilizar o projeto, vai firmar acordos com empreiteiras e o futuro operador do trem. Com a autorização obtida junto da ANTT, o próximo passo, agora, é contratar uma empresa que fará o estudo de impacto ambiental (EIA) da obra, processo que deverá ser encaminhado ao Ibama, responsável pelo licenciamento ambiental.
Paralelamente, com o avanço das parcerias e investidores, a TAV Brasil vai atrás de alternativas para o financiamento do projeto. A estimativa é de que o empreendimento de R$ 50 bilhões – cifra que o transforma na obra de infraestrutura mais cara do País – tenha entre 72% e 80% de seu valor financiado, em acordos de longo prazo, de 25 a 30 anos.
Questionado se o BNDES será acionado pela empresa, Figueiredo disse que a TAV Brasil deve falar com todos os bancos possíveis para viabilizar a obra, priorizando as alternativas internacionais, além de bancos privados. Entre as portas que devem ser acionadas estão nomes como o Banco Europeu de Investimento (BEI). Outra opção considerada é o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), conhecido como o “banco dos Brics”, em referência ao bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O governo Luiz Inácio Lula da Silva deve indicar a ex-presidente Dilma Rousseff para a presidência da instituição.
Fechada toda a equação financeira e de engenharia, a TAV Brasil precisa viabilizar o licenciamento da obra. É nesta fase, por exemplo, que se estabelece os processos de desapropriação pública de propriedades. Cabe ao poder público indicar o que deve ser desapropriado e, à empresa, indenizar os proprietários.
Figueiredo disse que, dos R$ 50 bilhões previstos no projeto, cerca de 80% estão ligados a custos com a construção da malha, o trem em si e os sistemas de funcionamento. Nos demais 20% entram gastos com indenizações e o próprio licenciamento, entre outros itens.
Apesar de toda a movimentação empresarial, o início efetivo da obra está previsto para ocorrer somente daqui a cerca de cinco anos, estima Figueiredo. Para que possa cravar o primeiro trilho no chão, o trem-bala precisa obter duas autorizações do Ibama, as licenças prévia e de instalação. Depois, vem a fase da construção em si, estimada entre quatro e seis anos. Na prática, portanto, caso o calendário caminhe como se espera, o trem estaria em operação daqui a cerca de dez anos.
Com uma sucessão de reuniões na agenda desde que recebeu sinal verde da ANTT para tocar o projeto, Bernardo Figueiredo tem a parceria do advogado Marcos Joaquim, sócio-fundador do M.J. Alves e Burle Advogados e Consultores, especializado em estruturar projetos, e da Global Ace, do empresário Daniel Suh, que já apoiou a estruturação de projetos de trem de alta velocidade em parceria com os coreanos.
Os estudos de engenharia apontam que, do ponto de vista de demanda e da distância entre São Paulo e Rio de Janeiro, nenhum outro traçado no mundo reúne hoje condições técnicas e financeiras mais interessantes para viabilizar a obra. Para Bernardo Figueiredo, não há nenhuma sombra de dúvidas de que, dessa vez, o projeto vai sair do papel, e sem depender da injeção de recursos públicos.
Por ser um empreendimento 100% privado, sob risco total do empreendedor, a TAV Brasil ficaria livre para cobrar qualquer tarifa do usuário, diferentemente do que ocorria no modelo original proposto pelo governo, que estabelecia uma tarifa teto para oferta do serviço. No modelo de autorização, cabe à empresa dizer quanto vai cobrar, por qual tipo de viagem, concorrendo com o setor aéreo e o transporte rodoviário. “Passamos a ter, também, essa liberdade a mais, o que atrai a competição”, disse Figueiredo. “Não tenho nenhuma dúvida de que, agora, o projeto vai pra frente. Não trabalho com outra hipótese. Vamos fazer o trem bala virar realidade”, diz.