BRASÍLIA - O grupo de trabalho que prepara a regulamentação da reforma tributária decidiu incluir os jogos de azar, físicos e digitais (como as apostas esportivas, as “bets”), além dos veículos elétricos na lista de produtos sujeitos ao Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”. Esse imposto deverá tributar com uma alíquota extra produtos e bens que façam mal à saúde e ao meio ambiente.
“Os jogos de azar são prejudiciais à saúde e deveriam entrar na lista de produtos a serem tributados, assim como incluímos os carros elétricos. O (elétrico) é um carro que do berço ao túmulo polui, principalmente no túmulo, diferente dos carros a combustão”, afirmou o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), um dos integrantes do grupo de trabalho.
“Estaríamos cometendo um crime contra o principio da neutralidade se não os incluíssemos. Também incluímos carrinhos de golfe, que poluem assim como os demais.”
Como revelou o Estadão, a inclusão dos elétricos no Seletivo foi uma recomendação feita pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (MDIC), que justificou o pedido alegando não fazer distinção entre veículos a combustão, híbridos e elétricos e citando a fabricação e descarte da bateria como fatores poluentes.
O presidente da Associação Brasileira dos Veículos Elétricos (ABVE), Ricardo Bastos, afirma que o setor é contra a inclusão de qualquer automóvel na lista de produtos passíveis da tributação do Seletivo, não apenas os elétricos. “Isonomia não é tributar todos os veículos, mas retirar todo mundo do Seletivo”, disse ele ao Estadão.
Bastos afirma que a tributação sobre automóveis já é elevada no Brasil, ao redor de 34%, acima do praticado em países como os Estados Unidos. Com a reforma, a tributação vai partir da alíquota plena, estimada em 26,5%, e será acrescida pelo Seletivo.
“Isso deve fazer com que a tributação volte ao montante de 34% e, assim, não haverá uma mudança de carga tributária. O que nós precisamos é aumentar a escala (de vendas) para a gente aumentar a competitividade da indústria”, afirma.
A crítica é semelhante à feita pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), que argumenta que a tributação extra do Seletivo vai dificultar o acesso da população a carros novos, o que vai atrasar a renovação da frota por veículos menos poluentes.
Segundo os parlamentares, os caminhões foram poupados do Imposto Seletivo. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) justificou a medida alegando que o transporte de carga no País é basicamente rodoviário e, por isso, deveria escapar da sobretaxa, ainda que seja movido a diesel (mais poluente).
“Os caminhões são por causa da atividade econômica. Eu não posso nem quero aumentar o custo do frete, porque esse custo chega na mesa do mais pobre”, disse Lopes. Armas também ficaram de fora do Seletivo neste primeiro relatório: “Nós perdemos o debate na PEC (para inclusão das armas na sobretaxa). Então achamos que esse é um debate que cabe às lideranças partidárias”, afirmou o deputado.
Assim, pelo texto, ficaram sujeitos ao “imposto do pecado”:
- Veículos (incluindo elétricos)
- Aeronaves e embarcações
- Cigarro
- Bebidas alcoólicas
- Bebidas açucaradas
- Bens minerais (como petróleo e minério de ferro)
- Jogos de azar, físicos e digitais
O primeiro parecer do grupo de trabalho que prepara a regulamentação da reforma na Câmara foi apresentado nesta quinta-feira, 4, e poderá ser votado na próxima semana. O objetivo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é concluir a votação do texto antes do início do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho.
Isenção para nanoempreendedores
Os deputados também decidiram criar mais um limite de isenção tributária, voltada aos chamados nanoempreendedores, de até R$ 40,5 mil de receita bruta por ano. “Criamos novas possibilidades. É uma inovação o nanoempreendedor. Hoje, o MEI é isento até R$ 81 mil. O nanoempreendedor ficará isento até R$ 40,5 mil”, disse o deputado Moses Rodrigues (União-CE).
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“Muitas pessoas defenderam que os nanoempreendedores, aqueles que vendem de porta em porta, não fossem tributados pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado, que unificará cinco tributos). Aqueles que vendem produtos da Avon e da Natura, por exemplo. Isso foi atendido”, acrescentou Hildo Rocha.
O principal objetivo da mudança, segundo técnicos da consultoria da Câmara, foi dar maior segurança às pessoas físicas que atuam como revendedoras. Isso porque o Fisco, ao verificar a contabilidade da empresa, poderia chegar ao empreendedor e isso poderia gerar uma autuação. Com a nova isenção do IVA, eles alegam que não haverá esse risco.
Segundo Cláudio Cajado (PP-BA), outro integrante do grupo de trabalho, após a entrega desse texto inicial começará o diálogo dentro das bancadas partidárias para a alteração do parecer.
Como mostrou o Estadão, esse primeiro relatório deixou de fora pontos polêmicos da regulamentação, como a eventual inclusão das carnes na cesta básica, a tributação de setores, como armas e alimentos ultraprocessados, no Seletivo e a ampliação do cashback, que é o sistema de devolução de impostos à população mais pobre.
“Há ainda pontos de divergências no texto, esses pontos serão discutidos nas bancadas”, disse Luiz Gastão (PSD-CE). “Qualquer situação diferenciada para algum setor vai impactar a alíquota de referência, de 26,5%. Mas acreditamos que conseguimos reduzir essa alíquota pelas melhorias que fizemos no texto”, afirmou.
Segundo Augusto Coutinho (Republicanos-PE), a entrada das carnes poderia ter impacto nessa alíquota. “O impacto da questão da carne (inclusão na cesta básica zero) é muito substancial, em relação à taxa já cobrada. A gente teve o cuidado e a cautela para que a gente apresentasse um relatório que não subisse a alíquota já prevista. Pelo contrário: vai baixar (a alíquota do IVA)”, disse, destacando os efeitos da reforma sobre a sonegação.
Atualmente, as proteínas animais estão na chamada cesta básica estendida, com desconto de 60% da alíquota padrão. O pleito do setor supermercadista e da bancada do agronegócio é de que esses itens migrem para a cesta zero. Cálculos do Banco Mundial e do Ministério da Fazenda apontam, porém, que isso faria com que a alíquota média subisse para 27,1%.
Regras para fundos de investimento
O relatório deixou opcional a inscrição dos Fundos Imobiliários (FII) e de Fundos Agropecuários (Fiagro) como contribuintes do novo IVA. Segundo o deputado Luiz Gastão, o objetivo é evitar o impacto sobre os investimentos.
“São fundos constituídos por pequenos e médios investidores e que injetam volume grande de investimentos na economia”, afirmou. “Se fossemos taxar, retiraríamos investimentos do País. Os que quiserem passar para o sistema contributivo poderão migrar para esse sistema”.
Os deputados também decidiram isentar os empréstimos concedidos por cooperativas a seus associados.“O entendimento é de que os recursos emprestados aos cooperados não devem ser tributados, já os empréstimos a terceiros, igual ao feito pelos bancos, aí nessa parte serão tributados”, disse Gastão.
Mudanças no sistema ‘split payment’
Os deputados também fizeram alterações no chamado split payment, sistema de pagamento que busca reduzir a sonegação de impostos no País. Isso se dará por meio do pagamento imediato ou quase imediato dos tributos no momento da compra.
Pelo mecanismo, o banco vai separar, já na hora do pagamento da compra, o imposto que irá aos cofres dos governos (federal, estadual e municipal) e o valor destinado a quem forneceu o bem ou serviço.
Segundo os parlamentares, o parecer do GT cria três tipos de split payments. “O primeiro é o inteligente, que é automático, com toda operação sendo compensada em tempo real para evitar problemas de fluxo de caixa para as empresas”, afirma o deputado Hildo Rocha.
O segundo, diz o parlamentar, será o simplificado, direcionado a estabelecimentos do varejo, como os supermercados, que vendem itens variados, com alíquotas distintas. Nesse caso, será estimada uma média das alíquotas dos produtos. “No fim do mês, quando o supermercado fizer o encontro de contas, ele pagará a diferença a maior ou, se for a menor, receberá o reembolso”, explica o deputado.
E o terceiro é o manual, para transações com pagamento em dinheiro ou cheque, que terá prazo de três dias. Além disso, os deputados decidiram esclarecer no texto que a divisão será de atribuição do Fisco e não caberá aos meios de pagamento, uma preocupação do setor financeiro.
Prazo menor para ressarcimento
Os integrantes do GT também reduziram de 60 dias para 30 dias o prazo para o ressarcimento de créditos a empresas que não conseguirem abater todo o tributo acumulado ao longo da cadeia produtiva. O prazo encurtado deverá valer apenas para empresas enquadradas em programas de conformidade dos fiscos.
A redução desse período era um pleito do setor produtivo. A proposta original do Ministério da Fazenda era de que o ressarcimento ocorreria em até 75 dias - 60 dias de análise e 15 para o pagamento.
Com a alteração da proposta pelos deputados, o prazo foi reduzido para até 45 dias - 30 dias de análise e 15 para o pagamento, no caso das empresas em programas de conformidade. Para as demais, foi mantido o prazo de 60 dias.
A reforma tributária eliminará cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e criará um IVA com dupla repartição - um de âmbito federal, a CBS, e outro de âmbito de estados e municipal, o IBS.
Com o IVA, a tributação passa a ser feita a cada etapa da produção, descontando-se o que foi pago na fase anterior por um fornecedor. A ideia é que cada elo da cadeia pague imposto somente sobre o valor que adicionou ao produto ou serviço prestado.
Dessa forma, o imposto pago na etapa anterior se transforma em crédito, que a empresa poderá usar para abater obrigações futuras. No entanto, haverá companhias que acumularão mais créditos do que têm a pagar, como é o caso de exportadoras ou de empresas que terão tributação zerada. Neste caso, o governo devolverá o imposto pago por elas.
No caso de valores que fujam ao padrão de operações das empresas, o governo fixou um prazo máximo de 285 dias para o ressarcimento. A proposta do grupo de trabalho, no entanto, também reduziu o limite para 180 dias, mais 15 dias para o pagamento.