União Europeia-Mercosul: o que falta para destravar o acordo?


Europeus acrescentaram exigências ambientais em protocolo, e governo Lula aproveita impasse para tentar negociar exceções para compras governamentais

Por Beatriz Bulla

O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências.

Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia.

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O foco europeu, segundo os negociadores do Mercosul, está apenas em um pilar do conceito de “desenvolvimento sustentável” — o ambiental —, mas ignora o desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o bloco sul-americano deve aproveitar a negociação aberta para reforçar a discussão sobre manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido por Lula.

Quando eleito, Lula anunciou que visitaria a Argentina, os Estados Unidos, a China e a União Europeia para restabelecer laços com os principais parceiros do Brasil. As relações com os governos argentino, americano, chinês e com os europeus ficaram desgastadas durante o governo Bolsonaro. O ex-presidente chegou a ofender a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, com quem discutiu sobre a situação da Amazônia durante seu mandato.

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A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro em Brasília Foto: Evaristo Sá/AFP

Além de Portugal, Lula também visitou a Espanha neste ano. Os espanhóis são defensores do acordo e assumirão a presidência da União Europeia a partir de 1º de julho. A ambição do governo brasileiro é anunciar o acordo durante a cúpula entre União Europeia e Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), prevista para 17 e 18 de julho, em Bruxelas. A meta, segundo negociadores, é “difícil, mas não impossível”.

“Claramente, há uma vontade de fazer esse acordo acontecer. Outro fator positivo é que, no segundo semestre deste ano, a Espanha assume a presidência da UE, e a Espanha tradicionalmente favorece o acordo. Tudo isso parece trabalhar a favor”, afirma Victor do Prado, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-diretor do conselho e do comitê de negociações comerciais da OMC.

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Por outro lado, diz ele, há uma resistência antiga de países como a França e a cobrança dos europeus sobre a melhora nos números de desmatamento no Brasil. “Há uma consciência na Europa de que a questão não está resolvida”, afirma.

Em abril, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.

A medida, segundo especialistas, pode ter grande impacto sobre as exportações brasileiras. A França já indicou que quer que a lei seja considerada no acordo com o Mercosul, o que indica mais cobrança sobre os compromissos ambientais pedidos pela UE.

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A resposta do Mercosul

O Brasil elaborou sua própria versão de “side letter” (protocolo adicional), com linguagem diferente da usada pelos europeus. O texto foi apresentado aos parceiros do Mercosul.

Os países do bloco devem indicar aos europeus que não aceitam um compromisso adicional vinculante e nem o estabelecimento de sanções. Uma rodada de negociações entre os países dos dois blocos aconteceria no último dia 19, mas o debate foi adiado a pedido dos sul-americanos. Uruguai, Paraguai e Argentina devem apresentar suas sugestões sobre a proposta brasileira para que se chegue a uma contraproposta comum. A ideia, no entanto, não é confrontar a União Europeia, mas apresentar um texto que agrade os dois lados.

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Há dois pontos cruciais para o Brasil na negociação dos compromissos adicionais. O primeiro é evitar o risco de punição em caso de descumprimento de obrigações ligadas às questões ambientais — sanções que não estão previstas nos próprios acordos sobre o clima dos quais os países são signatários.

Também querem evitar as metas provisórias de desmatamento colocadas. “Não é algo que se bota no papel da maneira como os europeus colocaram e é muito difícil de aceitar essas sanções. Não é comum, no direito internacional ambiental, ter esse tipo de coisa. Os acordos ambientais costumam adotar mecanismos de incentivo e não de punição”, afirma Victor do Prado, do Cebri.

O Brasil também quer que o governo mantenha o direito de preferir produtos nacionais nas compras governamentais por considerar que deve haver espaço para fomentar políticas públicas por meio das compras governamentais em áreas como saúde pública, agricultura familiar e pequenas e médias empresas. Já existem exceções desse tipo no acordo, mas a ideia é conseguir mais flexibilidade, dadas as condições de desenvolvimento do bloco — por isso o conceito de desenvolvimento sustentável, que abrange pilares econômico e social, será mencionado.

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O tema das compras governamentais vem sendo defendido por Lula, que diz querer um acordo “equilibrado”. “Em um país em desenvolvimento, como o Brasil, compras governamentais são uma forma de você fazer crescer pequenas e médias empresas. Se a gente abrir mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem”, disse, em janeiro. Na mesma ocasião, o presidente afirmou que essa é uma forma de fomentar pequenas indústrias.

Diversificação da pauta comercial

A conclusão do acordo é uma prioridade da indústria nacional e consta nos pleitos do setor ao governo como parte de uma estratégia de reindustrialização, defendida por Lula.

“A negociação desse acordo levou muito tempo, mas no contexto atual a entrada em vigor se faz mais relevante porque fica evidente que há necessidade de reverter a tendência de reprimarização das exportações e há uma necessidade no mundo de diversificação da pauta comercial”, afirma Constanza Negri, gerente de comércio e integração internacional da Confederação Nacional da Indústria.

Na avaliação do embaixador Rubens Barbosa, o primeiro coordenador nacional do Mercosul, as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia, criticadas pela União Europeia, não devem atrapalhar as negociações.

“Nessa nova configuração geopolítica, cada país está atendendo seu interesse. É do interesse da Europa diversificar (e buscar parceiros além) da China e da Rússia, é do interesse do Mercosul ter acesso ao mercado europeu”, afirma Barbosa.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências.

Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia.

O foco europeu, segundo os negociadores do Mercosul, está apenas em um pilar do conceito de “desenvolvimento sustentável” — o ambiental —, mas ignora o desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o bloco sul-americano deve aproveitar a negociação aberta para reforçar a discussão sobre manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido por Lula.

Quando eleito, Lula anunciou que visitaria a Argentina, os Estados Unidos, a China e a União Europeia para restabelecer laços com os principais parceiros do Brasil. As relações com os governos argentino, americano, chinês e com os europeus ficaram desgastadas durante o governo Bolsonaro. O ex-presidente chegou a ofender a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, com quem discutiu sobre a situação da Amazônia durante seu mandato.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro em Brasília Foto: Evaristo Sá/AFP

Além de Portugal, Lula também visitou a Espanha neste ano. Os espanhóis são defensores do acordo e assumirão a presidência da União Europeia a partir de 1º de julho. A ambição do governo brasileiro é anunciar o acordo durante a cúpula entre União Europeia e Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), prevista para 17 e 18 de julho, em Bruxelas. A meta, segundo negociadores, é “difícil, mas não impossível”.

“Claramente, há uma vontade de fazer esse acordo acontecer. Outro fator positivo é que, no segundo semestre deste ano, a Espanha assume a presidência da UE, e a Espanha tradicionalmente favorece o acordo. Tudo isso parece trabalhar a favor”, afirma Victor do Prado, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-diretor do conselho e do comitê de negociações comerciais da OMC.

Por outro lado, diz ele, há uma resistência antiga de países como a França e a cobrança dos europeus sobre a melhora nos números de desmatamento no Brasil. “Há uma consciência na Europa de que a questão não está resolvida”, afirma.

Em abril, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.

A medida, segundo especialistas, pode ter grande impacto sobre as exportações brasileiras. A França já indicou que quer que a lei seja considerada no acordo com o Mercosul, o que indica mais cobrança sobre os compromissos ambientais pedidos pela UE.

A resposta do Mercosul

O Brasil elaborou sua própria versão de “side letter” (protocolo adicional), com linguagem diferente da usada pelos europeus. O texto foi apresentado aos parceiros do Mercosul.

Os países do bloco devem indicar aos europeus que não aceitam um compromisso adicional vinculante e nem o estabelecimento de sanções. Uma rodada de negociações entre os países dos dois blocos aconteceria no último dia 19, mas o debate foi adiado a pedido dos sul-americanos. Uruguai, Paraguai e Argentina devem apresentar suas sugestões sobre a proposta brasileira para que se chegue a uma contraproposta comum. A ideia, no entanto, não é confrontar a União Europeia, mas apresentar um texto que agrade os dois lados.

Há dois pontos cruciais para o Brasil na negociação dos compromissos adicionais. O primeiro é evitar o risco de punição em caso de descumprimento de obrigações ligadas às questões ambientais — sanções que não estão previstas nos próprios acordos sobre o clima dos quais os países são signatários.

Também querem evitar as metas provisórias de desmatamento colocadas. “Não é algo que se bota no papel da maneira como os europeus colocaram e é muito difícil de aceitar essas sanções. Não é comum, no direito internacional ambiental, ter esse tipo de coisa. Os acordos ambientais costumam adotar mecanismos de incentivo e não de punição”, afirma Victor do Prado, do Cebri.

O Brasil também quer que o governo mantenha o direito de preferir produtos nacionais nas compras governamentais por considerar que deve haver espaço para fomentar políticas públicas por meio das compras governamentais em áreas como saúde pública, agricultura familiar e pequenas e médias empresas. Já existem exceções desse tipo no acordo, mas a ideia é conseguir mais flexibilidade, dadas as condições de desenvolvimento do bloco — por isso o conceito de desenvolvimento sustentável, que abrange pilares econômico e social, será mencionado.

O tema das compras governamentais vem sendo defendido por Lula, que diz querer um acordo “equilibrado”. “Em um país em desenvolvimento, como o Brasil, compras governamentais são uma forma de você fazer crescer pequenas e médias empresas. Se a gente abrir mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem”, disse, em janeiro. Na mesma ocasião, o presidente afirmou que essa é uma forma de fomentar pequenas indústrias.

Diversificação da pauta comercial

A conclusão do acordo é uma prioridade da indústria nacional e consta nos pleitos do setor ao governo como parte de uma estratégia de reindustrialização, defendida por Lula.

“A negociação desse acordo levou muito tempo, mas no contexto atual a entrada em vigor se faz mais relevante porque fica evidente que há necessidade de reverter a tendência de reprimarização das exportações e há uma necessidade no mundo de diversificação da pauta comercial”, afirma Constanza Negri, gerente de comércio e integração internacional da Confederação Nacional da Indústria.

Na avaliação do embaixador Rubens Barbosa, o primeiro coordenador nacional do Mercosul, as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia, criticadas pela União Europeia, não devem atrapalhar as negociações.

“Nessa nova configuração geopolítica, cada país está atendendo seu interesse. É do interesse da Europa diversificar (e buscar parceiros além) da China e da Rússia, é do interesse do Mercosul ter acesso ao mercado europeu”, afirma Barbosa.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências.

Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia.

O foco europeu, segundo os negociadores do Mercosul, está apenas em um pilar do conceito de “desenvolvimento sustentável” — o ambiental —, mas ignora o desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o bloco sul-americano deve aproveitar a negociação aberta para reforçar a discussão sobre manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido por Lula.

Quando eleito, Lula anunciou que visitaria a Argentina, os Estados Unidos, a China e a União Europeia para restabelecer laços com os principais parceiros do Brasil. As relações com os governos argentino, americano, chinês e com os europeus ficaram desgastadas durante o governo Bolsonaro. O ex-presidente chegou a ofender a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, com quem discutiu sobre a situação da Amazônia durante seu mandato.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro em Brasília Foto: Evaristo Sá/AFP

Além de Portugal, Lula também visitou a Espanha neste ano. Os espanhóis são defensores do acordo e assumirão a presidência da União Europeia a partir de 1º de julho. A ambição do governo brasileiro é anunciar o acordo durante a cúpula entre União Europeia e Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), prevista para 17 e 18 de julho, em Bruxelas. A meta, segundo negociadores, é “difícil, mas não impossível”.

“Claramente, há uma vontade de fazer esse acordo acontecer. Outro fator positivo é que, no segundo semestre deste ano, a Espanha assume a presidência da UE, e a Espanha tradicionalmente favorece o acordo. Tudo isso parece trabalhar a favor”, afirma Victor do Prado, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-diretor do conselho e do comitê de negociações comerciais da OMC.

Por outro lado, diz ele, há uma resistência antiga de países como a França e a cobrança dos europeus sobre a melhora nos números de desmatamento no Brasil. “Há uma consciência na Europa de que a questão não está resolvida”, afirma.

Em abril, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.

A medida, segundo especialistas, pode ter grande impacto sobre as exportações brasileiras. A França já indicou que quer que a lei seja considerada no acordo com o Mercosul, o que indica mais cobrança sobre os compromissos ambientais pedidos pela UE.

A resposta do Mercosul

O Brasil elaborou sua própria versão de “side letter” (protocolo adicional), com linguagem diferente da usada pelos europeus. O texto foi apresentado aos parceiros do Mercosul.

Os países do bloco devem indicar aos europeus que não aceitam um compromisso adicional vinculante e nem o estabelecimento de sanções. Uma rodada de negociações entre os países dos dois blocos aconteceria no último dia 19, mas o debate foi adiado a pedido dos sul-americanos. Uruguai, Paraguai e Argentina devem apresentar suas sugestões sobre a proposta brasileira para que se chegue a uma contraproposta comum. A ideia, no entanto, não é confrontar a União Europeia, mas apresentar um texto que agrade os dois lados.

Há dois pontos cruciais para o Brasil na negociação dos compromissos adicionais. O primeiro é evitar o risco de punição em caso de descumprimento de obrigações ligadas às questões ambientais — sanções que não estão previstas nos próprios acordos sobre o clima dos quais os países são signatários.

Também querem evitar as metas provisórias de desmatamento colocadas. “Não é algo que se bota no papel da maneira como os europeus colocaram e é muito difícil de aceitar essas sanções. Não é comum, no direito internacional ambiental, ter esse tipo de coisa. Os acordos ambientais costumam adotar mecanismos de incentivo e não de punição”, afirma Victor do Prado, do Cebri.

O Brasil também quer que o governo mantenha o direito de preferir produtos nacionais nas compras governamentais por considerar que deve haver espaço para fomentar políticas públicas por meio das compras governamentais em áreas como saúde pública, agricultura familiar e pequenas e médias empresas. Já existem exceções desse tipo no acordo, mas a ideia é conseguir mais flexibilidade, dadas as condições de desenvolvimento do bloco — por isso o conceito de desenvolvimento sustentável, que abrange pilares econômico e social, será mencionado.

O tema das compras governamentais vem sendo defendido por Lula, que diz querer um acordo “equilibrado”. “Em um país em desenvolvimento, como o Brasil, compras governamentais são uma forma de você fazer crescer pequenas e médias empresas. Se a gente abrir mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem”, disse, em janeiro. Na mesma ocasião, o presidente afirmou que essa é uma forma de fomentar pequenas indústrias.

Diversificação da pauta comercial

A conclusão do acordo é uma prioridade da indústria nacional e consta nos pleitos do setor ao governo como parte de uma estratégia de reindustrialização, defendida por Lula.

“A negociação desse acordo levou muito tempo, mas no contexto atual a entrada em vigor se faz mais relevante porque fica evidente que há necessidade de reverter a tendência de reprimarização das exportações e há uma necessidade no mundo de diversificação da pauta comercial”, afirma Constanza Negri, gerente de comércio e integração internacional da Confederação Nacional da Indústria.

Na avaliação do embaixador Rubens Barbosa, o primeiro coordenador nacional do Mercosul, as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia, criticadas pela União Europeia, não devem atrapalhar as negociações.

“Nessa nova configuração geopolítica, cada país está atendendo seu interesse. É do interesse da Europa diversificar (e buscar parceiros além) da China e da Rússia, é do interesse do Mercosul ter acesso ao mercado europeu”, afirma Barbosa.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências.

Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia.

O foco europeu, segundo os negociadores do Mercosul, está apenas em um pilar do conceito de “desenvolvimento sustentável” — o ambiental —, mas ignora o desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o bloco sul-americano deve aproveitar a negociação aberta para reforçar a discussão sobre manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido por Lula.

Quando eleito, Lula anunciou que visitaria a Argentina, os Estados Unidos, a China e a União Europeia para restabelecer laços com os principais parceiros do Brasil. As relações com os governos argentino, americano, chinês e com os europeus ficaram desgastadas durante o governo Bolsonaro. O ex-presidente chegou a ofender a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, com quem discutiu sobre a situação da Amazônia durante seu mandato.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro em Brasília Foto: Evaristo Sá/AFP

Além de Portugal, Lula também visitou a Espanha neste ano. Os espanhóis são defensores do acordo e assumirão a presidência da União Europeia a partir de 1º de julho. A ambição do governo brasileiro é anunciar o acordo durante a cúpula entre União Europeia e Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), prevista para 17 e 18 de julho, em Bruxelas. A meta, segundo negociadores, é “difícil, mas não impossível”.

“Claramente, há uma vontade de fazer esse acordo acontecer. Outro fator positivo é que, no segundo semestre deste ano, a Espanha assume a presidência da UE, e a Espanha tradicionalmente favorece o acordo. Tudo isso parece trabalhar a favor”, afirma Victor do Prado, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-diretor do conselho e do comitê de negociações comerciais da OMC.

Por outro lado, diz ele, há uma resistência antiga de países como a França e a cobrança dos europeus sobre a melhora nos números de desmatamento no Brasil. “Há uma consciência na Europa de que a questão não está resolvida”, afirma.

Em abril, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.

A medida, segundo especialistas, pode ter grande impacto sobre as exportações brasileiras. A França já indicou que quer que a lei seja considerada no acordo com o Mercosul, o que indica mais cobrança sobre os compromissos ambientais pedidos pela UE.

A resposta do Mercosul

O Brasil elaborou sua própria versão de “side letter” (protocolo adicional), com linguagem diferente da usada pelos europeus. O texto foi apresentado aos parceiros do Mercosul.

Os países do bloco devem indicar aos europeus que não aceitam um compromisso adicional vinculante e nem o estabelecimento de sanções. Uma rodada de negociações entre os países dos dois blocos aconteceria no último dia 19, mas o debate foi adiado a pedido dos sul-americanos. Uruguai, Paraguai e Argentina devem apresentar suas sugestões sobre a proposta brasileira para que se chegue a uma contraproposta comum. A ideia, no entanto, não é confrontar a União Europeia, mas apresentar um texto que agrade os dois lados.

Há dois pontos cruciais para o Brasil na negociação dos compromissos adicionais. O primeiro é evitar o risco de punição em caso de descumprimento de obrigações ligadas às questões ambientais — sanções que não estão previstas nos próprios acordos sobre o clima dos quais os países são signatários.

Também querem evitar as metas provisórias de desmatamento colocadas. “Não é algo que se bota no papel da maneira como os europeus colocaram e é muito difícil de aceitar essas sanções. Não é comum, no direito internacional ambiental, ter esse tipo de coisa. Os acordos ambientais costumam adotar mecanismos de incentivo e não de punição”, afirma Victor do Prado, do Cebri.

O Brasil também quer que o governo mantenha o direito de preferir produtos nacionais nas compras governamentais por considerar que deve haver espaço para fomentar políticas públicas por meio das compras governamentais em áreas como saúde pública, agricultura familiar e pequenas e médias empresas. Já existem exceções desse tipo no acordo, mas a ideia é conseguir mais flexibilidade, dadas as condições de desenvolvimento do bloco — por isso o conceito de desenvolvimento sustentável, que abrange pilares econômico e social, será mencionado.

O tema das compras governamentais vem sendo defendido por Lula, que diz querer um acordo “equilibrado”. “Em um país em desenvolvimento, como o Brasil, compras governamentais são uma forma de você fazer crescer pequenas e médias empresas. Se a gente abrir mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem”, disse, em janeiro. Na mesma ocasião, o presidente afirmou que essa é uma forma de fomentar pequenas indústrias.

Diversificação da pauta comercial

A conclusão do acordo é uma prioridade da indústria nacional e consta nos pleitos do setor ao governo como parte de uma estratégia de reindustrialização, defendida por Lula.

“A negociação desse acordo levou muito tempo, mas no contexto atual a entrada em vigor se faz mais relevante porque fica evidente que há necessidade de reverter a tendência de reprimarização das exportações e há uma necessidade no mundo de diversificação da pauta comercial”, afirma Constanza Negri, gerente de comércio e integração internacional da Confederação Nacional da Indústria.

Na avaliação do embaixador Rubens Barbosa, o primeiro coordenador nacional do Mercosul, as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia, criticadas pela União Europeia, não devem atrapalhar as negociações.

“Nessa nova configuração geopolítica, cada país está atendendo seu interesse. É do interesse da Europa diversificar (e buscar parceiros além) da China e da Rússia, é do interesse do Mercosul ter acesso ao mercado europeu”, afirma Barbosa.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências.

Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia.

O foco europeu, segundo os negociadores do Mercosul, está apenas em um pilar do conceito de “desenvolvimento sustentável” — o ambiental —, mas ignora o desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o bloco sul-americano deve aproveitar a negociação aberta para reforçar a discussão sobre manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido por Lula.

Quando eleito, Lula anunciou que visitaria a Argentina, os Estados Unidos, a China e a União Europeia para restabelecer laços com os principais parceiros do Brasil. As relações com os governos argentino, americano, chinês e com os europeus ficaram desgastadas durante o governo Bolsonaro. O ex-presidente chegou a ofender a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, com quem discutiu sobre a situação da Amazônia durante seu mandato.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro em Brasília Foto: Evaristo Sá/AFP

Além de Portugal, Lula também visitou a Espanha neste ano. Os espanhóis são defensores do acordo e assumirão a presidência da União Europeia a partir de 1º de julho. A ambição do governo brasileiro é anunciar o acordo durante a cúpula entre União Europeia e Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), prevista para 17 e 18 de julho, em Bruxelas. A meta, segundo negociadores, é “difícil, mas não impossível”.

“Claramente, há uma vontade de fazer esse acordo acontecer. Outro fator positivo é que, no segundo semestre deste ano, a Espanha assume a presidência da UE, e a Espanha tradicionalmente favorece o acordo. Tudo isso parece trabalhar a favor”, afirma Victor do Prado, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-diretor do conselho e do comitê de negociações comerciais da OMC.

Por outro lado, diz ele, há uma resistência antiga de países como a França e a cobrança dos europeus sobre a melhora nos números de desmatamento no Brasil. “Há uma consciência na Europa de que a questão não está resolvida”, afirma.

Em abril, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.

A medida, segundo especialistas, pode ter grande impacto sobre as exportações brasileiras. A França já indicou que quer que a lei seja considerada no acordo com o Mercosul, o que indica mais cobrança sobre os compromissos ambientais pedidos pela UE.

A resposta do Mercosul

O Brasil elaborou sua própria versão de “side letter” (protocolo adicional), com linguagem diferente da usada pelos europeus. O texto foi apresentado aos parceiros do Mercosul.

Os países do bloco devem indicar aos europeus que não aceitam um compromisso adicional vinculante e nem o estabelecimento de sanções. Uma rodada de negociações entre os países dos dois blocos aconteceria no último dia 19, mas o debate foi adiado a pedido dos sul-americanos. Uruguai, Paraguai e Argentina devem apresentar suas sugestões sobre a proposta brasileira para que se chegue a uma contraproposta comum. A ideia, no entanto, não é confrontar a União Europeia, mas apresentar um texto que agrade os dois lados.

Há dois pontos cruciais para o Brasil na negociação dos compromissos adicionais. O primeiro é evitar o risco de punição em caso de descumprimento de obrigações ligadas às questões ambientais — sanções que não estão previstas nos próprios acordos sobre o clima dos quais os países são signatários.

Também querem evitar as metas provisórias de desmatamento colocadas. “Não é algo que se bota no papel da maneira como os europeus colocaram e é muito difícil de aceitar essas sanções. Não é comum, no direito internacional ambiental, ter esse tipo de coisa. Os acordos ambientais costumam adotar mecanismos de incentivo e não de punição”, afirma Victor do Prado, do Cebri.

O Brasil também quer que o governo mantenha o direito de preferir produtos nacionais nas compras governamentais por considerar que deve haver espaço para fomentar políticas públicas por meio das compras governamentais em áreas como saúde pública, agricultura familiar e pequenas e médias empresas. Já existem exceções desse tipo no acordo, mas a ideia é conseguir mais flexibilidade, dadas as condições de desenvolvimento do bloco — por isso o conceito de desenvolvimento sustentável, que abrange pilares econômico e social, será mencionado.

O tema das compras governamentais vem sendo defendido por Lula, que diz querer um acordo “equilibrado”. “Em um país em desenvolvimento, como o Brasil, compras governamentais são uma forma de você fazer crescer pequenas e médias empresas. Se a gente abrir mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem”, disse, em janeiro. Na mesma ocasião, o presidente afirmou que essa é uma forma de fomentar pequenas indústrias.

Diversificação da pauta comercial

A conclusão do acordo é uma prioridade da indústria nacional e consta nos pleitos do setor ao governo como parte de uma estratégia de reindustrialização, defendida por Lula.

“A negociação desse acordo levou muito tempo, mas no contexto atual a entrada em vigor se faz mais relevante porque fica evidente que há necessidade de reverter a tendência de reprimarização das exportações e há uma necessidade no mundo de diversificação da pauta comercial”, afirma Constanza Negri, gerente de comércio e integração internacional da Confederação Nacional da Indústria.

Na avaliação do embaixador Rubens Barbosa, o primeiro coordenador nacional do Mercosul, as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia, criticadas pela União Europeia, não devem atrapalhar as negociações.

“Nessa nova configuração geopolítica, cada país está atendendo seu interesse. É do interesse da Europa diversificar (e buscar parceiros além) da China e da Rússia, é do interesse do Mercosul ter acesso ao mercado europeu”, afirma Barbosa.

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