Coordenadora do Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Pará e do Movimento Xingu Vivo para Sempre, a ex-professora primária e hoje ambientalista Antônia Melo reclama da falta de diálogo do governo com os moradores da região e prevê o acirramento na resistência à construção da hidrelétrica. Na semana passada, Antônia, que mora em Altamira (PA), esteve no Rio, em um seminário organizado pela fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde alemão.Por que a maior parte dos movimentos sociais e ambientalistas é contra a construção de Belo Monte?Este debate existe há 20 anos e o projeto de hoje é tão danoso quanto o anterior. É um empreendimento inviável e afeta a população de maneira irreversível. Hoje estamos ainda mais atingidos pelas mudanças climáticas do que há 20 anos. Naquele tempo, a usina se chamaria Kararaô, depois enfeitaram para Belo Monte. Mas de belo este projeto não tem nada. Qual será o impacto na região?Calculamos que no mínimo 50 mil pessoas de três municípios serão atingidas. São nove povos indígenas, 19 aldeias, mais ribeirinhos e trabalhadores da agricultura familiar. O governo não mostra para onde irão essas pessoas. Elas serão jogadas. O Estudo de Impacto Ambiental subestima o número de pessoas que serão expulsas e as questões ambientais. Na cidade, cita sete ruas que serão alagadas, mas é o bairro todo. Trata-se de um projeto construído com mentiras. É um horror. Isso se chama crime contra a humanidade.O governo diz que não voltará atrás e construirá a usina.Nós, dos movimentos sociais do Xingu, também afirmamos que não vamos voltar atrás na nossa luta contra esse projeto. A resistência vai aumentar e a forma de resistência também. Não vamos baixar a guarda. O governo se fechou em uma concepção unilateral. Em julho do ano passado, um grupo de moradores e professores mostrou ao presidente Lula que o projeto é inviável. E qual foi o resultado?O presidente disse que não ia impor goela abaixo de ninguém. Mas nada aconteceu. O governo e seus órgãos vêm nos tratando com desprezo e com desdém.Os defensores da usina dizem que a resistência é ideológica. A senhora concorda?Existem duas concepções. Há os grupos que defendem o desenvolvimento responsável, consciente, E existem os que querem um modelo desenvolvimentista de crescimento a qualquer custo. Esses apontam a usina como única alternativa. Desenvolvimento já é tudo que está em nosso redor. Não está desligado da saúde, da educação, da moradia. É o bem-estar, a dignidade das pessoas. O modelo desenvolvimentista saqueia nossos recursos naturais e deixa as populações mais pobres.Nesses 20 anos, o projeto não foi aprimorado?Quanto mais o governo e o setor elétrico mexem nesse projeto, pior ele fica. Mais do que nunca acreditamos que o modelo é inviável socialmente, ambientalmente, culturalmente e economicamente. O que pode trazer mudança é um modelo sustentável.
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