Uso do rotativo mais que dobra com pandemia, e juros chegam a quase 1.000%


Concessão do financiamento mais caro do País cresceu 108% em três anos; governo e Congresso pressionam por redução das taxas, em meio à disparada da inadimplência, e setor tenta evitar tabelamento

Por Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - O uso do rotativo do cartão de crédito - linha de financiamento mais cara do País, amplamente difundida entre a população de baixa renda - mais do que dobrou nos últimos três anos. A concessão cresceu 108% no período entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2023, quando alcançou R$ 30,2 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC).

O consumidor cai no rotativo toda vez que opta por pagar apenas uma parte da fatura do cartão até o vencimento. Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC.

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Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio (agora está em 49%) e levou governo e Congresso a pressionarem pela queda dos juros. Temendo um tabelamento, como ocorreu com o cheque especial - que hoje tem teto de 8% ao mês -, os bancos aceleraram as negociações com varejistas e empresas do setor. O objetivo é encontrar uma “solução de mercado” e evitar medidas mais intervencionistas.

Essa disparada na concessão do rotativo, segundo especialistas, tem diversas raízes. Elas vão desde o impacto da pandemia no orçamento das famílias até a proliferação no número de cartões e o maior acesso a esse tipo de crédito, passando pela falta de educação financeira.

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“Muitas pessoas, principalmente as que estavam na informalidade, tiveram períodos de perda de renda durante a pandemia”, afirma a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. Ela explica que, por falta de opção, as famílias de baixa renda acabam recorrendo a linhas de crédito sem garantias, que têm juros mais elevados. “A grande oferta de cartões atende a essa necessidade, mas isso vem acompanhado da maior taxa do mercado”, diz.

No fim de 2022, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre FGV) analisaram o superendividamento das famílias mais pobres, por meio das modalidades mais caras de crédito, e também fizeram conexões com a pandemia. “O impacto das quarentenas e do fechamento da maior parte do setor de serviços foi enorme no orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda”, escreveu, à época, José Júlio Senna, coordenador do Centro de Política Monetária do FGV IBRE.

Em 2022, a quantidade de cartões de crédito representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil, segundo o BC.  Foto: Thiago Teixeira/Estadão
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Ele ponderou que o auxílio emergencial mais do que compensou a perda de renda do salário durante certo período da pandemia, mas “de maneira descontínua, de forma a gerar insegurança e momentos de privação”. Além disso, nesse intervalo de três anos, houve um repique da inflação, que foi acompanhado de uma forte alta da Selic, a taxa básica de juros da economia, a qual saiu de 3% ao ano para 13,75% - fazendo com que as dívidas crescessem mais rapidamente.

Um consumidor, vários cartões

A proliferação de cartões de crédito, com a entrada de novos players no segmento, também ajuda a explicar o maior uso do rotativo. Dados do BC apontam que 20 milhões de pessoas passaram a ter acesso a um ou mais cartões entre 2019 e 2022. Uma expansão positiva, do ponto de vista de inclusão financeira, mas que tem potencial de aumentar o nível de endividamento das famílias, alerta a autoridade monetária.

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De acordo com o documento, em junho de 2022, a quantidade de cartões de crédito (190,8 milhões) representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões). “O número de plásticos aumentou muito nos últimos anos. Logo, também há mais pessoas usando o rotativo”, afirma Rafael Schiozer, professor da FGV EAESP.

À época, 20% dos usuários tinham três ou mais cartões. E, quanto maior o número de vínculos com diferentes emissores, maiores as chances de cair no rotativo, alerta o BC.

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O aumento nessas emissões foi puxado pelas instituições digitais, mas o mercado segue dominado pelos grandes conglomerados bancários. A autoridade monetária também cita as instituições financeiras pequenas e médias e aquelas ligadas a varejistas, que emitem cartões vinculados às redes de lojas. Nesse grupo de emissores, o saldo devedor cresceu 60% no período analisado.

Segundo o Estadão apurou, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem manifestando a interlocutores, inclusive do setor varejista, preocupação com essa multiplicação de cartões, que afeta o balanço das empresas e o endividamento das famílias.

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Ricardo Vieira, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), explica que o aumento da competição no setor de cartões se deu, principalmente, por meio da oferta de limites para compras e, em menor medida, por meio da isenção de algumas taxas (mas são poucas e todas reguladas pelo BC). “A modelagem de definição de limites não previa esse crescimento tão grande (do segmento)”, diz.

Vieira diz que a Abecs está finalizando uma proposta com uma série de medidas que podem contribuir para a redução do juro do rotativo. Ele admite a taxa é elevada, mas diz que não há solução simples: “Não dá para mexer em um único vetor (da cadeia) sem provocar um grande desequilíbrio em toda a indústria”.

Educação financeira

A falta de educação financeira também está no cerne da disparada do uso do rotativo. Ione, do Idec, aponta que parte dos consumidores usa o cartão para pagar despesas correntes e, assim, “complementar” a renda do mês. “Hoje, muitas pessoas possuem mais de um cartão, em estabelecimentos diferentes: bancos, supermercados, loja de departamentos. E acabam perdendo o controle dos gastos”, diz.

Na hora da compra, os consumidores avaliam se a parcela cabe no bolso, mas esquecem dos juros. Os especialistas também apontam que falta planejamento de longo prazo para se adquirir bens à vista, sem ter de recorrer aos parcelamentos.

Katherine Hennings, pesquisadora associada do Ibre/FGV, também destacou essa questão no estudo de 2022: “o elevado endividamento e a alta inadimplência das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres, nas modalidades mais caras de crédito, aponta a relevância do tema da educação financeira da população”, escreveu.

BRASÍLIA - O uso do rotativo do cartão de crédito - linha de financiamento mais cara do País, amplamente difundida entre a população de baixa renda - mais do que dobrou nos últimos três anos. A concessão cresceu 108% no período entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2023, quando alcançou R$ 30,2 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC).

O consumidor cai no rotativo toda vez que opta por pagar apenas uma parte da fatura do cartão até o vencimento. Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC.

Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio (agora está em 49%) e levou governo e Congresso a pressionarem pela queda dos juros. Temendo um tabelamento, como ocorreu com o cheque especial - que hoje tem teto de 8% ao mês -, os bancos aceleraram as negociações com varejistas e empresas do setor. O objetivo é encontrar uma “solução de mercado” e evitar medidas mais intervencionistas.

Essa disparada na concessão do rotativo, segundo especialistas, tem diversas raízes. Elas vão desde o impacto da pandemia no orçamento das famílias até a proliferação no número de cartões e o maior acesso a esse tipo de crédito, passando pela falta de educação financeira.

“Muitas pessoas, principalmente as que estavam na informalidade, tiveram períodos de perda de renda durante a pandemia”, afirma a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. Ela explica que, por falta de opção, as famílias de baixa renda acabam recorrendo a linhas de crédito sem garantias, que têm juros mais elevados. “A grande oferta de cartões atende a essa necessidade, mas isso vem acompanhado da maior taxa do mercado”, diz.

No fim de 2022, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre FGV) analisaram o superendividamento das famílias mais pobres, por meio das modalidades mais caras de crédito, e também fizeram conexões com a pandemia. “O impacto das quarentenas e do fechamento da maior parte do setor de serviços foi enorme no orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda”, escreveu, à época, José Júlio Senna, coordenador do Centro de Política Monetária do FGV IBRE.

Em 2022, a quantidade de cartões de crédito representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil, segundo o BC.  Foto: Thiago Teixeira/Estadão

Ele ponderou que o auxílio emergencial mais do que compensou a perda de renda do salário durante certo período da pandemia, mas “de maneira descontínua, de forma a gerar insegurança e momentos de privação”. Além disso, nesse intervalo de três anos, houve um repique da inflação, que foi acompanhado de uma forte alta da Selic, a taxa básica de juros da economia, a qual saiu de 3% ao ano para 13,75% - fazendo com que as dívidas crescessem mais rapidamente.

Um consumidor, vários cartões

A proliferação de cartões de crédito, com a entrada de novos players no segmento, também ajuda a explicar o maior uso do rotativo. Dados do BC apontam que 20 milhões de pessoas passaram a ter acesso a um ou mais cartões entre 2019 e 2022. Uma expansão positiva, do ponto de vista de inclusão financeira, mas que tem potencial de aumentar o nível de endividamento das famílias, alerta a autoridade monetária.

De acordo com o documento, em junho de 2022, a quantidade de cartões de crédito (190,8 milhões) representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões). “O número de plásticos aumentou muito nos últimos anos. Logo, também há mais pessoas usando o rotativo”, afirma Rafael Schiozer, professor da FGV EAESP.

À época, 20% dos usuários tinham três ou mais cartões. E, quanto maior o número de vínculos com diferentes emissores, maiores as chances de cair no rotativo, alerta o BC.

O aumento nessas emissões foi puxado pelas instituições digitais, mas o mercado segue dominado pelos grandes conglomerados bancários. A autoridade monetária também cita as instituições financeiras pequenas e médias e aquelas ligadas a varejistas, que emitem cartões vinculados às redes de lojas. Nesse grupo de emissores, o saldo devedor cresceu 60% no período analisado.

Segundo o Estadão apurou, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem manifestando a interlocutores, inclusive do setor varejista, preocupação com essa multiplicação de cartões, que afeta o balanço das empresas e o endividamento das famílias.

Ricardo Vieira, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), explica que o aumento da competição no setor de cartões se deu, principalmente, por meio da oferta de limites para compras e, em menor medida, por meio da isenção de algumas taxas (mas são poucas e todas reguladas pelo BC). “A modelagem de definição de limites não previa esse crescimento tão grande (do segmento)”, diz.

Vieira diz que a Abecs está finalizando uma proposta com uma série de medidas que podem contribuir para a redução do juro do rotativo. Ele admite a taxa é elevada, mas diz que não há solução simples: “Não dá para mexer em um único vetor (da cadeia) sem provocar um grande desequilíbrio em toda a indústria”.

Educação financeira

A falta de educação financeira também está no cerne da disparada do uso do rotativo. Ione, do Idec, aponta que parte dos consumidores usa o cartão para pagar despesas correntes e, assim, “complementar” a renda do mês. “Hoje, muitas pessoas possuem mais de um cartão, em estabelecimentos diferentes: bancos, supermercados, loja de departamentos. E acabam perdendo o controle dos gastos”, diz.

Na hora da compra, os consumidores avaliam se a parcela cabe no bolso, mas esquecem dos juros. Os especialistas também apontam que falta planejamento de longo prazo para se adquirir bens à vista, sem ter de recorrer aos parcelamentos.

Katherine Hennings, pesquisadora associada do Ibre/FGV, também destacou essa questão no estudo de 2022: “o elevado endividamento e a alta inadimplência das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres, nas modalidades mais caras de crédito, aponta a relevância do tema da educação financeira da população”, escreveu.

BRASÍLIA - O uso do rotativo do cartão de crédito - linha de financiamento mais cara do País, amplamente difundida entre a população de baixa renda - mais do que dobrou nos últimos três anos. A concessão cresceu 108% no período entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2023, quando alcançou R$ 30,2 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC).

O consumidor cai no rotativo toda vez que opta por pagar apenas uma parte da fatura do cartão até o vencimento. Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC.

Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio (agora está em 49%) e levou governo e Congresso a pressionarem pela queda dos juros. Temendo um tabelamento, como ocorreu com o cheque especial - que hoje tem teto de 8% ao mês -, os bancos aceleraram as negociações com varejistas e empresas do setor. O objetivo é encontrar uma “solução de mercado” e evitar medidas mais intervencionistas.

Essa disparada na concessão do rotativo, segundo especialistas, tem diversas raízes. Elas vão desde o impacto da pandemia no orçamento das famílias até a proliferação no número de cartões e o maior acesso a esse tipo de crédito, passando pela falta de educação financeira.

“Muitas pessoas, principalmente as que estavam na informalidade, tiveram períodos de perda de renda durante a pandemia”, afirma a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. Ela explica que, por falta de opção, as famílias de baixa renda acabam recorrendo a linhas de crédito sem garantias, que têm juros mais elevados. “A grande oferta de cartões atende a essa necessidade, mas isso vem acompanhado da maior taxa do mercado”, diz.

No fim de 2022, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre FGV) analisaram o superendividamento das famílias mais pobres, por meio das modalidades mais caras de crédito, e também fizeram conexões com a pandemia. “O impacto das quarentenas e do fechamento da maior parte do setor de serviços foi enorme no orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda”, escreveu, à época, José Júlio Senna, coordenador do Centro de Política Monetária do FGV IBRE.

Em 2022, a quantidade de cartões de crédito representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil, segundo o BC.  Foto: Thiago Teixeira/Estadão

Ele ponderou que o auxílio emergencial mais do que compensou a perda de renda do salário durante certo período da pandemia, mas “de maneira descontínua, de forma a gerar insegurança e momentos de privação”. Além disso, nesse intervalo de três anos, houve um repique da inflação, que foi acompanhado de uma forte alta da Selic, a taxa básica de juros da economia, a qual saiu de 3% ao ano para 13,75% - fazendo com que as dívidas crescessem mais rapidamente.

Um consumidor, vários cartões

A proliferação de cartões de crédito, com a entrada de novos players no segmento, também ajuda a explicar o maior uso do rotativo. Dados do BC apontam que 20 milhões de pessoas passaram a ter acesso a um ou mais cartões entre 2019 e 2022. Uma expansão positiva, do ponto de vista de inclusão financeira, mas que tem potencial de aumentar o nível de endividamento das famílias, alerta a autoridade monetária.

De acordo com o documento, em junho de 2022, a quantidade de cartões de crédito (190,8 milhões) representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões). “O número de plásticos aumentou muito nos últimos anos. Logo, também há mais pessoas usando o rotativo”, afirma Rafael Schiozer, professor da FGV EAESP.

À época, 20% dos usuários tinham três ou mais cartões. E, quanto maior o número de vínculos com diferentes emissores, maiores as chances de cair no rotativo, alerta o BC.

O aumento nessas emissões foi puxado pelas instituições digitais, mas o mercado segue dominado pelos grandes conglomerados bancários. A autoridade monetária também cita as instituições financeiras pequenas e médias e aquelas ligadas a varejistas, que emitem cartões vinculados às redes de lojas. Nesse grupo de emissores, o saldo devedor cresceu 60% no período analisado.

Segundo o Estadão apurou, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem manifestando a interlocutores, inclusive do setor varejista, preocupação com essa multiplicação de cartões, que afeta o balanço das empresas e o endividamento das famílias.

Ricardo Vieira, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), explica que o aumento da competição no setor de cartões se deu, principalmente, por meio da oferta de limites para compras e, em menor medida, por meio da isenção de algumas taxas (mas são poucas e todas reguladas pelo BC). “A modelagem de definição de limites não previa esse crescimento tão grande (do segmento)”, diz.

Vieira diz que a Abecs está finalizando uma proposta com uma série de medidas que podem contribuir para a redução do juro do rotativo. Ele admite a taxa é elevada, mas diz que não há solução simples: “Não dá para mexer em um único vetor (da cadeia) sem provocar um grande desequilíbrio em toda a indústria”.

Educação financeira

A falta de educação financeira também está no cerne da disparada do uso do rotativo. Ione, do Idec, aponta que parte dos consumidores usa o cartão para pagar despesas correntes e, assim, “complementar” a renda do mês. “Hoje, muitas pessoas possuem mais de um cartão, em estabelecimentos diferentes: bancos, supermercados, loja de departamentos. E acabam perdendo o controle dos gastos”, diz.

Na hora da compra, os consumidores avaliam se a parcela cabe no bolso, mas esquecem dos juros. Os especialistas também apontam que falta planejamento de longo prazo para se adquirir bens à vista, sem ter de recorrer aos parcelamentos.

Katherine Hennings, pesquisadora associada do Ibre/FGV, também destacou essa questão no estudo de 2022: “o elevado endividamento e a alta inadimplência das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres, nas modalidades mais caras de crédito, aponta a relevância do tema da educação financeira da população”, escreveu.

BRASÍLIA - O uso do rotativo do cartão de crédito - linha de financiamento mais cara do País, amplamente difundida entre a população de baixa renda - mais do que dobrou nos últimos três anos. A concessão cresceu 108% no período entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2023, quando alcançou R$ 30,2 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC).

O consumidor cai no rotativo toda vez que opta por pagar apenas uma parte da fatura do cartão até o vencimento. Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC.

Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio (agora está em 49%) e levou governo e Congresso a pressionarem pela queda dos juros. Temendo um tabelamento, como ocorreu com o cheque especial - que hoje tem teto de 8% ao mês -, os bancos aceleraram as negociações com varejistas e empresas do setor. O objetivo é encontrar uma “solução de mercado” e evitar medidas mais intervencionistas.

Essa disparada na concessão do rotativo, segundo especialistas, tem diversas raízes. Elas vão desde o impacto da pandemia no orçamento das famílias até a proliferação no número de cartões e o maior acesso a esse tipo de crédito, passando pela falta de educação financeira.

“Muitas pessoas, principalmente as que estavam na informalidade, tiveram períodos de perda de renda durante a pandemia”, afirma a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. Ela explica que, por falta de opção, as famílias de baixa renda acabam recorrendo a linhas de crédito sem garantias, que têm juros mais elevados. “A grande oferta de cartões atende a essa necessidade, mas isso vem acompanhado da maior taxa do mercado”, diz.

No fim de 2022, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre FGV) analisaram o superendividamento das famílias mais pobres, por meio das modalidades mais caras de crédito, e também fizeram conexões com a pandemia. “O impacto das quarentenas e do fechamento da maior parte do setor de serviços foi enorme no orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda”, escreveu, à época, José Júlio Senna, coordenador do Centro de Política Monetária do FGV IBRE.

Em 2022, a quantidade de cartões de crédito representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil, segundo o BC.  Foto: Thiago Teixeira/Estadão

Ele ponderou que o auxílio emergencial mais do que compensou a perda de renda do salário durante certo período da pandemia, mas “de maneira descontínua, de forma a gerar insegurança e momentos de privação”. Além disso, nesse intervalo de três anos, houve um repique da inflação, que foi acompanhado de uma forte alta da Selic, a taxa básica de juros da economia, a qual saiu de 3% ao ano para 13,75% - fazendo com que as dívidas crescessem mais rapidamente.

Um consumidor, vários cartões

A proliferação de cartões de crédito, com a entrada de novos players no segmento, também ajuda a explicar o maior uso do rotativo. Dados do BC apontam que 20 milhões de pessoas passaram a ter acesso a um ou mais cartões entre 2019 e 2022. Uma expansão positiva, do ponto de vista de inclusão financeira, mas que tem potencial de aumentar o nível de endividamento das famílias, alerta a autoridade monetária.

De acordo com o documento, em junho de 2022, a quantidade de cartões de crédito (190,8 milhões) representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões). “O número de plásticos aumentou muito nos últimos anos. Logo, também há mais pessoas usando o rotativo”, afirma Rafael Schiozer, professor da FGV EAESP.

À época, 20% dos usuários tinham três ou mais cartões. E, quanto maior o número de vínculos com diferentes emissores, maiores as chances de cair no rotativo, alerta o BC.

O aumento nessas emissões foi puxado pelas instituições digitais, mas o mercado segue dominado pelos grandes conglomerados bancários. A autoridade monetária também cita as instituições financeiras pequenas e médias e aquelas ligadas a varejistas, que emitem cartões vinculados às redes de lojas. Nesse grupo de emissores, o saldo devedor cresceu 60% no período analisado.

Segundo o Estadão apurou, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem manifestando a interlocutores, inclusive do setor varejista, preocupação com essa multiplicação de cartões, que afeta o balanço das empresas e o endividamento das famílias.

Ricardo Vieira, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), explica que o aumento da competição no setor de cartões se deu, principalmente, por meio da oferta de limites para compras e, em menor medida, por meio da isenção de algumas taxas (mas são poucas e todas reguladas pelo BC). “A modelagem de definição de limites não previa esse crescimento tão grande (do segmento)”, diz.

Vieira diz que a Abecs está finalizando uma proposta com uma série de medidas que podem contribuir para a redução do juro do rotativo. Ele admite a taxa é elevada, mas diz que não há solução simples: “Não dá para mexer em um único vetor (da cadeia) sem provocar um grande desequilíbrio em toda a indústria”.

Educação financeira

A falta de educação financeira também está no cerne da disparada do uso do rotativo. Ione, do Idec, aponta que parte dos consumidores usa o cartão para pagar despesas correntes e, assim, “complementar” a renda do mês. “Hoje, muitas pessoas possuem mais de um cartão, em estabelecimentos diferentes: bancos, supermercados, loja de departamentos. E acabam perdendo o controle dos gastos”, diz.

Na hora da compra, os consumidores avaliam se a parcela cabe no bolso, mas esquecem dos juros. Os especialistas também apontam que falta planejamento de longo prazo para se adquirir bens à vista, sem ter de recorrer aos parcelamentos.

Katherine Hennings, pesquisadora associada do Ibre/FGV, também destacou essa questão no estudo de 2022: “o elevado endividamento e a alta inadimplência das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres, nas modalidades mais caras de crédito, aponta a relevância do tema da educação financeira da população”, escreveu.

BRASÍLIA - O uso do rotativo do cartão de crédito - linha de financiamento mais cara do País, amplamente difundida entre a população de baixa renda - mais do que dobrou nos últimos três anos. A concessão cresceu 108% no período entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2023, quando alcançou R$ 30,2 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC).

O consumidor cai no rotativo toda vez que opta por pagar apenas uma parte da fatura do cartão até o vencimento. Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC.

Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio (agora está em 49%) e levou governo e Congresso a pressionarem pela queda dos juros. Temendo um tabelamento, como ocorreu com o cheque especial - que hoje tem teto de 8% ao mês -, os bancos aceleraram as negociações com varejistas e empresas do setor. O objetivo é encontrar uma “solução de mercado” e evitar medidas mais intervencionistas.

Essa disparada na concessão do rotativo, segundo especialistas, tem diversas raízes. Elas vão desde o impacto da pandemia no orçamento das famílias até a proliferação no número de cartões e o maior acesso a esse tipo de crédito, passando pela falta de educação financeira.

“Muitas pessoas, principalmente as que estavam na informalidade, tiveram períodos de perda de renda durante a pandemia”, afirma a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. Ela explica que, por falta de opção, as famílias de baixa renda acabam recorrendo a linhas de crédito sem garantias, que têm juros mais elevados. “A grande oferta de cartões atende a essa necessidade, mas isso vem acompanhado da maior taxa do mercado”, diz.

No fim de 2022, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre FGV) analisaram o superendividamento das famílias mais pobres, por meio das modalidades mais caras de crédito, e também fizeram conexões com a pandemia. “O impacto das quarentenas e do fechamento da maior parte do setor de serviços foi enorme no orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda”, escreveu, à época, José Júlio Senna, coordenador do Centro de Política Monetária do FGV IBRE.

Em 2022, a quantidade de cartões de crédito representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil, segundo o BC.  Foto: Thiago Teixeira/Estadão

Ele ponderou que o auxílio emergencial mais do que compensou a perda de renda do salário durante certo período da pandemia, mas “de maneira descontínua, de forma a gerar insegurança e momentos de privação”. Além disso, nesse intervalo de três anos, houve um repique da inflação, que foi acompanhado de uma forte alta da Selic, a taxa básica de juros da economia, a qual saiu de 3% ao ano para 13,75% - fazendo com que as dívidas crescessem mais rapidamente.

Um consumidor, vários cartões

A proliferação de cartões de crédito, com a entrada de novos players no segmento, também ajuda a explicar o maior uso do rotativo. Dados do BC apontam que 20 milhões de pessoas passaram a ter acesso a um ou mais cartões entre 2019 e 2022. Uma expansão positiva, do ponto de vista de inclusão financeira, mas que tem potencial de aumentar o nível de endividamento das famílias, alerta a autoridade monetária.

De acordo com o documento, em junho de 2022, a quantidade de cartões de crédito (190,8 milhões) representava quase o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões). “O número de plásticos aumentou muito nos últimos anos. Logo, também há mais pessoas usando o rotativo”, afirma Rafael Schiozer, professor da FGV EAESP.

À época, 20% dos usuários tinham três ou mais cartões. E, quanto maior o número de vínculos com diferentes emissores, maiores as chances de cair no rotativo, alerta o BC.

O aumento nessas emissões foi puxado pelas instituições digitais, mas o mercado segue dominado pelos grandes conglomerados bancários. A autoridade monetária também cita as instituições financeiras pequenas e médias e aquelas ligadas a varejistas, que emitem cartões vinculados às redes de lojas. Nesse grupo de emissores, o saldo devedor cresceu 60% no período analisado.

Segundo o Estadão apurou, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem manifestando a interlocutores, inclusive do setor varejista, preocupação com essa multiplicação de cartões, que afeta o balanço das empresas e o endividamento das famílias.

Ricardo Vieira, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), explica que o aumento da competição no setor de cartões se deu, principalmente, por meio da oferta de limites para compras e, em menor medida, por meio da isenção de algumas taxas (mas são poucas e todas reguladas pelo BC). “A modelagem de definição de limites não previa esse crescimento tão grande (do segmento)”, diz.

Vieira diz que a Abecs está finalizando uma proposta com uma série de medidas que podem contribuir para a redução do juro do rotativo. Ele admite a taxa é elevada, mas diz que não há solução simples: “Não dá para mexer em um único vetor (da cadeia) sem provocar um grande desequilíbrio em toda a indústria”.

Educação financeira

A falta de educação financeira também está no cerne da disparada do uso do rotativo. Ione, do Idec, aponta que parte dos consumidores usa o cartão para pagar despesas correntes e, assim, “complementar” a renda do mês. “Hoje, muitas pessoas possuem mais de um cartão, em estabelecimentos diferentes: bancos, supermercados, loja de departamentos. E acabam perdendo o controle dos gastos”, diz.

Na hora da compra, os consumidores avaliam se a parcela cabe no bolso, mas esquecem dos juros. Os especialistas também apontam que falta planejamento de longo prazo para se adquirir bens à vista, sem ter de recorrer aos parcelamentos.

Katherine Hennings, pesquisadora associada do Ibre/FGV, também destacou essa questão no estudo de 2022: “o elevado endividamento e a alta inadimplência das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres, nas modalidades mais caras de crédito, aponta a relevância do tema da educação financeira da população”, escreveu.

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