RIO E BRASÍLIA – O avanço nas negociações entre Brasil e China para que o comércio e investimentos entre os dois países seja feito diretamente entre o real e o yuan (RMB), excluindo o dólar dos Estados Unidos, pode trazer vantagens para exportadores e importadores brasileiros, com baixo risco para o País, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Não se trata de substituir o dólar como moeda de referência, mas de ter opções, avaliam.
“O dólar vai continuar sendo a principal moeda de troca internacional. Não consigo enxergar uma situação em que o dólar não seja a moeda hegemônica, mas o fato é que o yuan está se fortalecendo internacionalmente”, afirmou Tulio Cariello, diretor de Conteúdo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Segundo o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento Welber Barral, o acordo não deve substituir por completo o uso do dólar porque, embora o Brasil possa comercializar diretamente por meio de outras moedas, chamadas de conversíveis – como euro, franco suíço e libra esterlina –, mais de 90% das transações do comércio exterior brasileiro hoje ainda são em dólar.
“Esse é um esforço do governo chinês já há algum tempo, para transformar o yuan em moeda conversível. Pode ser uma alternativa para diminuir o custo de transação, para evitar duas conversões”, afirmou Barral.
Na visão de Cariello, do CEBC, um acordo que permita transações diretas entre o real e o yuan traria vantagens para exportadores e importadores brasileiros. Em primeiro lugar, as transações diretas permitiriam redução de custos financeiros, já que ao passar os pagamentos da moeda chinesa para o dólar e depois para o real, ou vice-versa, há perdas nas taxas de câmbio. Em segundo lugar, as taxas de câmbio para o renmimbi, com maior controle do governo chinês, variam menos, dando maior previsibilidade para as empresas.
Outra vantagem, segundo o consultor Sérgio Quadros, diretor da SQ Asia Business Consulting, é a possibilidade de abrir mercado na China. Além de ampliar o comércio entre os dois países, isso seria importante para diversificar a pauta de exportações do Brasil para o gigante asiático, atualmente concentrada em poucos produtos básicos, como soja, minério de ferro e petróleo bruto. Um estudo do CEBC identificou 216 produtos fabricados pelo Brasil que poderiam ganhar espaço nas compras chinesas.
“O exportador vai ter opção. Para alguns produtos, pode ser que seja mais competitivo exportar em dólar, até porque, sendo uma commodity, a cotação será em dólar numa bolsa localizada nos Estados Unidos, como é o caso da soja. Agora, para outros produtos pequenos, como frutas, ou produtos com valor agregado, tipo móveis, que não são commodities, pode ter um fator competitivo pela taxa cambial. A taxa cambial é formada dentro da China”, afirmou Quadros, que trabalhou no Banco do Brasil (BB) até 2016 e foi o responsável pela instalação da agência da instituição brasileira na China.
O acordo abriria mercados porque importadores chineses que não compram do Brasil poderiam se tornar clientes dos exportadores brasileiros, disse Quadros. Isso porque as regras da política de controle de capitais do governo chinês limitam o acesso dos importadores locais ao dólar. Com as transações diretas, é possível ir além desses limites. E empresas chinesas que só usam a moeda local também poderiam importar.
Risco baixo
Para Quadros, justamente porque a internacionalização do renmimbi é uma estratégia geopolítica planejada, o risco para o Brasil é baixo, completamente diferente, por exemplo, da possibilidade de um acordo de conversão direta entre o real e o peso da Argentina. O consultor lembrou que há clearings chinesas em 25 países, incluindo as principais economias do mundo. Na prática, a clearing é um banco escolhido pelo governo chinês para realizar as transações diretas.
“O Brasil é um dos poucos países que não tem. O que a clearing vai fazer é dar liquidez às operações com a moeda chinesa e mais opções para as empresas brasileiras exportarem ou importarem da China. Com isso, certamente haverá aumento do comércio”, afirmou Quadros.
Conforme o consultor, o risco financeiro é baixo porque a clearing fica diretamente conectada com os sistemas do Banco do Povo da China (PBC, o banco central chinês). O rol de opções para as empresas brasileiras também inclui a possibilidade de investir em títulos cambiais em renmimbi, que sirvam de hedge (jargão do mercado para a proteção às variações cambiais).
Apesar do risco baixo, Quadros acrescentou que o Brasil aproveitará melhor o acordo se conseguir incluir nele a participação de um banco brasileiro como clearing, para atuar em conjunto com a instituição financeira chinesa. Segundo o consultor, isso elevaria o montante de recursos transacionados e, principalmente, daria capilaridade – já que um banco brasileiro teria clientes e uma rede de agências espalhada pelo País, diferentemente da instituição chinesa. No caso dos Estados Unidos, que responde por 3% das operações globais com yuan, o JP Morgan Chase atua nessa função, conforme um levantamento feito por Quadros em 2018.