‘Vacina contra a dengue está pronta para ir à Anvisa’, diz diretor do Instituto Butantan


Com eficácia entre 73% e 90%, nas várias faixas etárias, ela deve chegar à agência no segundo semestre de 2024

Por Sonia Racy
Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comEsper KallasDiretor clínico do Instituto Butantan

Já nos anos 90, o infectologista Esper Georges Kallas estava na linha de frente do combate ao vírus HIV. Entre 2020 e 2021, no pior momento da covid, sua atuação no Centro de Pesquisas do HC da USP o levou a coordenar os estudos sobre esse vírus. E um ano atrás, em janeiro de 2023, Kallas tornou-se o diretor clínico do Instituto Butantan – onde comanda as pesquisas das fases 2 e 3 da vacina contra a dengue. Nesta conversa com o Estadão, ele revela: o instituto “está muito próximo de encaminhar à Anvisa o pedido de registro da nova vacina”.

A informação coincidiu com a publicação, pelo The New England Journal of Medicine (de Massachusetts, EUA), dos resultados do ensaio da fase 3 do imunizante. O que se constatou? Que a vacina antidengue do Butantan tem uma eficácia de 80,1% para crianças até seis anos e varia entre 73% e 90% nas demais faixas etárias. O quadro atual, com sinais de alerta em Brasília, São Paulo e no Rio (onde foi decretado estado de emergência), mostra “uma surpreendente antecipação do número de casos”. Não é para se dizer que está “fora do controle”, adverte o infectologista, “mas acende uma luz amarela”.

E como defender a população das epidemias? A melhor estratégia, aponta Kallas, “é o investimento em ciência, que tem um retorno certo”. Ele menciona os desafios da pesquisa científica no País: “Temos de trazê-la para o debate nacional”. É preciso, acrescenta, “estar mais bem posicionado para alguma nova crise. A questão não é se ela vai acontecer, mas quando”. A seguir, os principais trechos da conversa.

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Você participou ativamente na criação da vacina para a covid-19. Como foi esse trabalho?

Na USP, fui o coordenador do estudo da CoronaVac e fomos um dos centros de participação do estudo da Janssen. Como o Butantan tinha capacidade produtiva e de desenvolvimento, fez uma parceria com a CoronaVac, que estava interessada em desenvolver estudos em outros países. Então a vacina foi desenvolvida na China e no Brasil, mas também no Chile e na Turquia – e culminou com a aprovação tanto da CoronaVac quanto da AstraZeneca, naquela famosa reunião da Anvisa em janeiro de 2021.

Esper Kallas participou dos testes da CoronaVac, uma das vacinas aprovadas contra a Covid-19 no Brasil Foto: Felipe Rau / Estadão
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Acredita que a covid ainda é preocupante?

Sim, mas não na mesma intensidade de 2021, com hospitais lotados e sem poder atender todos os pacientes. Hoje, a proporção de pessoas com a doença de forma grave é muito menor. Por dois motivos: um, a adesão em massa da população à vacina. Dois, as pessoas que pegaram covid ganharam reforços na proteção.

Como vê o risco de surgirem novas pandemias?

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Ao longo da história sempre tivemos vírus causando problemas de forma aleatória. Há dez anos tivemos uma epidemia gravíssima do vírus ebola na África. No ano seguinte, o vírus zika, que apareceu no Brasil trazendo um problema muito sério, a microcefalia. Aliás, gravíssimo, que reduziu em 5,6% entre as mulheres a taxa de natalidade. Em 2017, a febre amarela chegou próxima de São Paulo; e no fim de 2019 apareceu o SARS-Cov2 causando a covid na China e depois no mundo. Olhando para a história, os vírus dão esses saltos. Temos de estar preparados para isso.

E estamos preparados?

Muito melhor do que no passado. Temos capacidade de detectar, identificar e caracterizar esses novos surtos e pandemias. Mas como afirmar que estamos totalmente preparados? O fato é que a gente tem de ser rápido. Não adianta desenvolver uma vacina contra uma epidemia que está em velocidade da luz com uma velocidade de tartaruga. E a melhor estratégia para defender a população é o investimento em ciência, que tem retorno certo. Quanto mais capacitados, melhor estaremos contra novos vírus. A questão não é se eles virão, mas quando.

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Além das vacinas da gripe e da covid, quais outras o Butantan produz?

Além da influenza, a de HPV, de difteria, tétano, coqueluche, hepatite A, hepatite B e vacina contra a raiva. Toda essa produção é encomendada e entregue ao Ministério da Saúde. E representa 95% dos recursos que entram no instituto, via Fundação Butantan.

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As vacinas contra dengue e chikungunya estão adiantadas. O que falta?

Para chikungunya, submetemos o dossiê para a Anvisa em dezembro e se tudo correr bem pretendemos lançá-la no segundo semestre deste ano. No caso da dengue, fui investigador principal dos estudos fase 2 e fase 3 da vacina. Em breve vamos encaminhar o pedido de registro para a Anvisa.

Além das vacinas, o instituto tem outros produtos?

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Sim, os soros contra veneno de cobra, escorpião, aranha, taturana, contra o vírus da raiva, difteria e tétano, sempre com uma tecnologia totalmente desenvolvida no instituto. Vamos entregar à Saúde cerca de 60 mil unidades de soros protetores contra envenenamentos e toxinas e o vírus da raiva.

Qual a diferença entre uma empresa privada e uma pública nesse segmento?

Temos uma capacidade de produção a preços competitivos, até fora do País, porque não temos fins lucrativos. Uma empresa privada não tem como trabalhar com margens menores, porque visa o lucro. No nosso caso, precisamos agradar à Secretaria da Saúde, ao governo do Estado e ao Ministério da Saúde. Tanto o Butantan quanto a Fiocruz, ao aderirem a esse princípio, permitem ao SUS ter acesso a produtos mais baratos.

Quais são os desafios para o Brasil melhorar, no conjunto, essa performance?

Primeiro, a formação da massa crítica pensante no País – cientistas e pesquisadores. Segundo, trazer a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o debate nacional. E, por fim, um cenário econômico que facilite o investimento na biotecnologia e na indústria biofarmacêutica. Porque o valor agregado que essa indústria traz ao País é fenomenal.

Já nos anos 90, o infectologista Esper Georges Kallas estava na linha de frente do combate ao vírus HIV. Entre 2020 e 2021, no pior momento da covid, sua atuação no Centro de Pesquisas do HC da USP o levou a coordenar os estudos sobre esse vírus. E um ano atrás, em janeiro de 2023, Kallas tornou-se o diretor clínico do Instituto Butantan – onde comanda as pesquisas das fases 2 e 3 da vacina contra a dengue. Nesta conversa com o Estadão, ele revela: o instituto “está muito próximo de encaminhar à Anvisa o pedido de registro da nova vacina”.

A informação coincidiu com a publicação, pelo The New England Journal of Medicine (de Massachusetts, EUA), dos resultados do ensaio da fase 3 do imunizante. O que se constatou? Que a vacina antidengue do Butantan tem uma eficácia de 80,1% para crianças até seis anos e varia entre 73% e 90% nas demais faixas etárias. O quadro atual, com sinais de alerta em Brasília, São Paulo e no Rio (onde foi decretado estado de emergência), mostra “uma surpreendente antecipação do número de casos”. Não é para se dizer que está “fora do controle”, adverte o infectologista, “mas acende uma luz amarela”.

E como defender a população das epidemias? A melhor estratégia, aponta Kallas, “é o investimento em ciência, que tem um retorno certo”. Ele menciona os desafios da pesquisa científica no País: “Temos de trazê-la para o debate nacional”. É preciso, acrescenta, “estar mais bem posicionado para alguma nova crise. A questão não é se ela vai acontecer, mas quando”. A seguir, os principais trechos da conversa.

Você participou ativamente na criação da vacina para a covid-19. Como foi esse trabalho?

Na USP, fui o coordenador do estudo da CoronaVac e fomos um dos centros de participação do estudo da Janssen. Como o Butantan tinha capacidade produtiva e de desenvolvimento, fez uma parceria com a CoronaVac, que estava interessada em desenvolver estudos em outros países. Então a vacina foi desenvolvida na China e no Brasil, mas também no Chile e na Turquia – e culminou com a aprovação tanto da CoronaVac quanto da AstraZeneca, naquela famosa reunião da Anvisa em janeiro de 2021.

Esper Kallas participou dos testes da CoronaVac, uma das vacinas aprovadas contra a Covid-19 no Brasil Foto: Felipe Rau / Estadão

Acredita que a covid ainda é preocupante?

Sim, mas não na mesma intensidade de 2021, com hospitais lotados e sem poder atender todos os pacientes. Hoje, a proporção de pessoas com a doença de forma grave é muito menor. Por dois motivos: um, a adesão em massa da população à vacina. Dois, as pessoas que pegaram covid ganharam reforços na proteção.

Como vê o risco de surgirem novas pandemias?

Ao longo da história sempre tivemos vírus causando problemas de forma aleatória. Há dez anos tivemos uma epidemia gravíssima do vírus ebola na África. No ano seguinte, o vírus zika, que apareceu no Brasil trazendo um problema muito sério, a microcefalia. Aliás, gravíssimo, que reduziu em 5,6% entre as mulheres a taxa de natalidade. Em 2017, a febre amarela chegou próxima de São Paulo; e no fim de 2019 apareceu o SARS-Cov2 causando a covid na China e depois no mundo. Olhando para a história, os vírus dão esses saltos. Temos de estar preparados para isso.

E estamos preparados?

Muito melhor do que no passado. Temos capacidade de detectar, identificar e caracterizar esses novos surtos e pandemias. Mas como afirmar que estamos totalmente preparados? O fato é que a gente tem de ser rápido. Não adianta desenvolver uma vacina contra uma epidemia que está em velocidade da luz com uma velocidade de tartaruga. E a melhor estratégia para defender a população é o investimento em ciência, que tem retorno certo. Quanto mais capacitados, melhor estaremos contra novos vírus. A questão não é se eles virão, mas quando.

Além das vacinas da gripe e da covid, quais outras o Butantan produz?

Além da influenza, a de HPV, de difteria, tétano, coqueluche, hepatite A, hepatite B e vacina contra a raiva. Toda essa produção é encomendada e entregue ao Ministério da Saúde. E representa 95% dos recursos que entram no instituto, via Fundação Butantan.

As vacinas contra dengue e chikungunya estão adiantadas. O que falta?

Para chikungunya, submetemos o dossiê para a Anvisa em dezembro e se tudo correr bem pretendemos lançá-la no segundo semestre deste ano. No caso da dengue, fui investigador principal dos estudos fase 2 e fase 3 da vacina. Em breve vamos encaminhar o pedido de registro para a Anvisa.

Além das vacinas, o instituto tem outros produtos?

Sim, os soros contra veneno de cobra, escorpião, aranha, taturana, contra o vírus da raiva, difteria e tétano, sempre com uma tecnologia totalmente desenvolvida no instituto. Vamos entregar à Saúde cerca de 60 mil unidades de soros protetores contra envenenamentos e toxinas e o vírus da raiva.

Qual a diferença entre uma empresa privada e uma pública nesse segmento?

Temos uma capacidade de produção a preços competitivos, até fora do País, porque não temos fins lucrativos. Uma empresa privada não tem como trabalhar com margens menores, porque visa o lucro. No nosso caso, precisamos agradar à Secretaria da Saúde, ao governo do Estado e ao Ministério da Saúde. Tanto o Butantan quanto a Fiocruz, ao aderirem a esse princípio, permitem ao SUS ter acesso a produtos mais baratos.

Quais são os desafios para o Brasil melhorar, no conjunto, essa performance?

Primeiro, a formação da massa crítica pensante no País – cientistas e pesquisadores. Segundo, trazer a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o debate nacional. E, por fim, um cenário econômico que facilite o investimento na biotecnologia e na indústria biofarmacêutica. Porque o valor agregado que essa indústria traz ao País é fenomenal.

Já nos anos 90, o infectologista Esper Georges Kallas estava na linha de frente do combate ao vírus HIV. Entre 2020 e 2021, no pior momento da covid, sua atuação no Centro de Pesquisas do HC da USP o levou a coordenar os estudos sobre esse vírus. E um ano atrás, em janeiro de 2023, Kallas tornou-se o diretor clínico do Instituto Butantan – onde comanda as pesquisas das fases 2 e 3 da vacina contra a dengue. Nesta conversa com o Estadão, ele revela: o instituto “está muito próximo de encaminhar à Anvisa o pedido de registro da nova vacina”.

A informação coincidiu com a publicação, pelo The New England Journal of Medicine (de Massachusetts, EUA), dos resultados do ensaio da fase 3 do imunizante. O que se constatou? Que a vacina antidengue do Butantan tem uma eficácia de 80,1% para crianças até seis anos e varia entre 73% e 90% nas demais faixas etárias. O quadro atual, com sinais de alerta em Brasília, São Paulo e no Rio (onde foi decretado estado de emergência), mostra “uma surpreendente antecipação do número de casos”. Não é para se dizer que está “fora do controle”, adverte o infectologista, “mas acende uma luz amarela”.

E como defender a população das epidemias? A melhor estratégia, aponta Kallas, “é o investimento em ciência, que tem um retorno certo”. Ele menciona os desafios da pesquisa científica no País: “Temos de trazê-la para o debate nacional”. É preciso, acrescenta, “estar mais bem posicionado para alguma nova crise. A questão não é se ela vai acontecer, mas quando”. A seguir, os principais trechos da conversa.

Você participou ativamente na criação da vacina para a covid-19. Como foi esse trabalho?

Na USP, fui o coordenador do estudo da CoronaVac e fomos um dos centros de participação do estudo da Janssen. Como o Butantan tinha capacidade produtiva e de desenvolvimento, fez uma parceria com a CoronaVac, que estava interessada em desenvolver estudos em outros países. Então a vacina foi desenvolvida na China e no Brasil, mas também no Chile e na Turquia – e culminou com a aprovação tanto da CoronaVac quanto da AstraZeneca, naquela famosa reunião da Anvisa em janeiro de 2021.

Esper Kallas participou dos testes da CoronaVac, uma das vacinas aprovadas contra a Covid-19 no Brasil Foto: Felipe Rau / Estadão

Acredita que a covid ainda é preocupante?

Sim, mas não na mesma intensidade de 2021, com hospitais lotados e sem poder atender todos os pacientes. Hoje, a proporção de pessoas com a doença de forma grave é muito menor. Por dois motivos: um, a adesão em massa da população à vacina. Dois, as pessoas que pegaram covid ganharam reforços na proteção.

Como vê o risco de surgirem novas pandemias?

Ao longo da história sempre tivemos vírus causando problemas de forma aleatória. Há dez anos tivemos uma epidemia gravíssima do vírus ebola na África. No ano seguinte, o vírus zika, que apareceu no Brasil trazendo um problema muito sério, a microcefalia. Aliás, gravíssimo, que reduziu em 5,6% entre as mulheres a taxa de natalidade. Em 2017, a febre amarela chegou próxima de São Paulo; e no fim de 2019 apareceu o SARS-Cov2 causando a covid na China e depois no mundo. Olhando para a história, os vírus dão esses saltos. Temos de estar preparados para isso.

E estamos preparados?

Muito melhor do que no passado. Temos capacidade de detectar, identificar e caracterizar esses novos surtos e pandemias. Mas como afirmar que estamos totalmente preparados? O fato é que a gente tem de ser rápido. Não adianta desenvolver uma vacina contra uma epidemia que está em velocidade da luz com uma velocidade de tartaruga. E a melhor estratégia para defender a população é o investimento em ciência, que tem retorno certo. Quanto mais capacitados, melhor estaremos contra novos vírus. A questão não é se eles virão, mas quando.

Além das vacinas da gripe e da covid, quais outras o Butantan produz?

Além da influenza, a de HPV, de difteria, tétano, coqueluche, hepatite A, hepatite B e vacina contra a raiva. Toda essa produção é encomendada e entregue ao Ministério da Saúde. E representa 95% dos recursos que entram no instituto, via Fundação Butantan.

As vacinas contra dengue e chikungunya estão adiantadas. O que falta?

Para chikungunya, submetemos o dossiê para a Anvisa em dezembro e se tudo correr bem pretendemos lançá-la no segundo semestre deste ano. No caso da dengue, fui investigador principal dos estudos fase 2 e fase 3 da vacina. Em breve vamos encaminhar o pedido de registro para a Anvisa.

Além das vacinas, o instituto tem outros produtos?

Sim, os soros contra veneno de cobra, escorpião, aranha, taturana, contra o vírus da raiva, difteria e tétano, sempre com uma tecnologia totalmente desenvolvida no instituto. Vamos entregar à Saúde cerca de 60 mil unidades de soros protetores contra envenenamentos e toxinas e o vírus da raiva.

Qual a diferença entre uma empresa privada e uma pública nesse segmento?

Temos uma capacidade de produção a preços competitivos, até fora do País, porque não temos fins lucrativos. Uma empresa privada não tem como trabalhar com margens menores, porque visa o lucro. No nosso caso, precisamos agradar à Secretaria da Saúde, ao governo do Estado e ao Ministério da Saúde. Tanto o Butantan quanto a Fiocruz, ao aderirem a esse princípio, permitem ao SUS ter acesso a produtos mais baratos.

Quais são os desafios para o Brasil melhorar, no conjunto, essa performance?

Primeiro, a formação da massa crítica pensante no País – cientistas e pesquisadores. Segundo, trazer a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o debate nacional. E, por fim, um cenário econômico que facilite o investimento na biotecnologia e na indústria biofarmacêutica. Porque o valor agregado que essa indústria traz ao País é fenomenal.

Já nos anos 90, o infectologista Esper Georges Kallas estava na linha de frente do combate ao vírus HIV. Entre 2020 e 2021, no pior momento da covid, sua atuação no Centro de Pesquisas do HC da USP o levou a coordenar os estudos sobre esse vírus. E um ano atrás, em janeiro de 2023, Kallas tornou-se o diretor clínico do Instituto Butantan – onde comanda as pesquisas das fases 2 e 3 da vacina contra a dengue. Nesta conversa com o Estadão, ele revela: o instituto “está muito próximo de encaminhar à Anvisa o pedido de registro da nova vacina”.

A informação coincidiu com a publicação, pelo The New England Journal of Medicine (de Massachusetts, EUA), dos resultados do ensaio da fase 3 do imunizante. O que se constatou? Que a vacina antidengue do Butantan tem uma eficácia de 80,1% para crianças até seis anos e varia entre 73% e 90% nas demais faixas etárias. O quadro atual, com sinais de alerta em Brasília, São Paulo e no Rio (onde foi decretado estado de emergência), mostra “uma surpreendente antecipação do número de casos”. Não é para se dizer que está “fora do controle”, adverte o infectologista, “mas acende uma luz amarela”.

E como defender a população das epidemias? A melhor estratégia, aponta Kallas, “é o investimento em ciência, que tem um retorno certo”. Ele menciona os desafios da pesquisa científica no País: “Temos de trazê-la para o debate nacional”. É preciso, acrescenta, “estar mais bem posicionado para alguma nova crise. A questão não é se ela vai acontecer, mas quando”. A seguir, os principais trechos da conversa.

Você participou ativamente na criação da vacina para a covid-19. Como foi esse trabalho?

Na USP, fui o coordenador do estudo da CoronaVac e fomos um dos centros de participação do estudo da Janssen. Como o Butantan tinha capacidade produtiva e de desenvolvimento, fez uma parceria com a CoronaVac, que estava interessada em desenvolver estudos em outros países. Então a vacina foi desenvolvida na China e no Brasil, mas também no Chile e na Turquia – e culminou com a aprovação tanto da CoronaVac quanto da AstraZeneca, naquela famosa reunião da Anvisa em janeiro de 2021.

Esper Kallas participou dos testes da CoronaVac, uma das vacinas aprovadas contra a Covid-19 no Brasil Foto: Felipe Rau / Estadão

Acredita que a covid ainda é preocupante?

Sim, mas não na mesma intensidade de 2021, com hospitais lotados e sem poder atender todos os pacientes. Hoje, a proporção de pessoas com a doença de forma grave é muito menor. Por dois motivos: um, a adesão em massa da população à vacina. Dois, as pessoas que pegaram covid ganharam reforços na proteção.

Como vê o risco de surgirem novas pandemias?

Ao longo da história sempre tivemos vírus causando problemas de forma aleatória. Há dez anos tivemos uma epidemia gravíssima do vírus ebola na África. No ano seguinte, o vírus zika, que apareceu no Brasil trazendo um problema muito sério, a microcefalia. Aliás, gravíssimo, que reduziu em 5,6% entre as mulheres a taxa de natalidade. Em 2017, a febre amarela chegou próxima de São Paulo; e no fim de 2019 apareceu o SARS-Cov2 causando a covid na China e depois no mundo. Olhando para a história, os vírus dão esses saltos. Temos de estar preparados para isso.

E estamos preparados?

Muito melhor do que no passado. Temos capacidade de detectar, identificar e caracterizar esses novos surtos e pandemias. Mas como afirmar que estamos totalmente preparados? O fato é que a gente tem de ser rápido. Não adianta desenvolver uma vacina contra uma epidemia que está em velocidade da luz com uma velocidade de tartaruga. E a melhor estratégia para defender a população é o investimento em ciência, que tem retorno certo. Quanto mais capacitados, melhor estaremos contra novos vírus. A questão não é se eles virão, mas quando.

Além das vacinas da gripe e da covid, quais outras o Butantan produz?

Além da influenza, a de HPV, de difteria, tétano, coqueluche, hepatite A, hepatite B e vacina contra a raiva. Toda essa produção é encomendada e entregue ao Ministério da Saúde. E representa 95% dos recursos que entram no instituto, via Fundação Butantan.

As vacinas contra dengue e chikungunya estão adiantadas. O que falta?

Para chikungunya, submetemos o dossiê para a Anvisa em dezembro e se tudo correr bem pretendemos lançá-la no segundo semestre deste ano. No caso da dengue, fui investigador principal dos estudos fase 2 e fase 3 da vacina. Em breve vamos encaminhar o pedido de registro para a Anvisa.

Além das vacinas, o instituto tem outros produtos?

Sim, os soros contra veneno de cobra, escorpião, aranha, taturana, contra o vírus da raiva, difteria e tétano, sempre com uma tecnologia totalmente desenvolvida no instituto. Vamos entregar à Saúde cerca de 60 mil unidades de soros protetores contra envenenamentos e toxinas e o vírus da raiva.

Qual a diferença entre uma empresa privada e uma pública nesse segmento?

Temos uma capacidade de produção a preços competitivos, até fora do País, porque não temos fins lucrativos. Uma empresa privada não tem como trabalhar com margens menores, porque visa o lucro. No nosso caso, precisamos agradar à Secretaria da Saúde, ao governo do Estado e ao Ministério da Saúde. Tanto o Butantan quanto a Fiocruz, ao aderirem a esse princípio, permitem ao SUS ter acesso a produtos mais baratos.

Quais são os desafios para o Brasil melhorar, no conjunto, essa performance?

Primeiro, a formação da massa crítica pensante no País – cientistas e pesquisadores. Segundo, trazer a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o debate nacional. E, por fim, um cenário econômico que facilite o investimento na biotecnologia e na indústria biofarmacêutica. Porque o valor agregado que essa indústria traz ao País é fenomenal.

Já nos anos 90, o infectologista Esper Georges Kallas estava na linha de frente do combate ao vírus HIV. Entre 2020 e 2021, no pior momento da covid, sua atuação no Centro de Pesquisas do HC da USP o levou a coordenar os estudos sobre esse vírus. E um ano atrás, em janeiro de 2023, Kallas tornou-se o diretor clínico do Instituto Butantan – onde comanda as pesquisas das fases 2 e 3 da vacina contra a dengue. Nesta conversa com o Estadão, ele revela: o instituto “está muito próximo de encaminhar à Anvisa o pedido de registro da nova vacina”.

A informação coincidiu com a publicação, pelo The New England Journal of Medicine (de Massachusetts, EUA), dos resultados do ensaio da fase 3 do imunizante. O que se constatou? Que a vacina antidengue do Butantan tem uma eficácia de 80,1% para crianças até seis anos e varia entre 73% e 90% nas demais faixas etárias. O quadro atual, com sinais de alerta em Brasília, São Paulo e no Rio (onde foi decretado estado de emergência), mostra “uma surpreendente antecipação do número de casos”. Não é para se dizer que está “fora do controle”, adverte o infectologista, “mas acende uma luz amarela”.

E como defender a população das epidemias? A melhor estratégia, aponta Kallas, “é o investimento em ciência, que tem um retorno certo”. Ele menciona os desafios da pesquisa científica no País: “Temos de trazê-la para o debate nacional”. É preciso, acrescenta, “estar mais bem posicionado para alguma nova crise. A questão não é se ela vai acontecer, mas quando”. A seguir, os principais trechos da conversa.

Você participou ativamente na criação da vacina para a covid-19. Como foi esse trabalho?

Na USP, fui o coordenador do estudo da CoronaVac e fomos um dos centros de participação do estudo da Janssen. Como o Butantan tinha capacidade produtiva e de desenvolvimento, fez uma parceria com a CoronaVac, que estava interessada em desenvolver estudos em outros países. Então a vacina foi desenvolvida na China e no Brasil, mas também no Chile e na Turquia – e culminou com a aprovação tanto da CoronaVac quanto da AstraZeneca, naquela famosa reunião da Anvisa em janeiro de 2021.

Esper Kallas participou dos testes da CoronaVac, uma das vacinas aprovadas contra a Covid-19 no Brasil Foto: Felipe Rau / Estadão

Acredita que a covid ainda é preocupante?

Sim, mas não na mesma intensidade de 2021, com hospitais lotados e sem poder atender todos os pacientes. Hoje, a proporção de pessoas com a doença de forma grave é muito menor. Por dois motivos: um, a adesão em massa da população à vacina. Dois, as pessoas que pegaram covid ganharam reforços na proteção.

Como vê o risco de surgirem novas pandemias?

Ao longo da história sempre tivemos vírus causando problemas de forma aleatória. Há dez anos tivemos uma epidemia gravíssima do vírus ebola na África. No ano seguinte, o vírus zika, que apareceu no Brasil trazendo um problema muito sério, a microcefalia. Aliás, gravíssimo, que reduziu em 5,6% entre as mulheres a taxa de natalidade. Em 2017, a febre amarela chegou próxima de São Paulo; e no fim de 2019 apareceu o SARS-Cov2 causando a covid na China e depois no mundo. Olhando para a história, os vírus dão esses saltos. Temos de estar preparados para isso.

E estamos preparados?

Muito melhor do que no passado. Temos capacidade de detectar, identificar e caracterizar esses novos surtos e pandemias. Mas como afirmar que estamos totalmente preparados? O fato é que a gente tem de ser rápido. Não adianta desenvolver uma vacina contra uma epidemia que está em velocidade da luz com uma velocidade de tartaruga. E a melhor estratégia para defender a população é o investimento em ciência, que tem retorno certo. Quanto mais capacitados, melhor estaremos contra novos vírus. A questão não é se eles virão, mas quando.

Além das vacinas da gripe e da covid, quais outras o Butantan produz?

Além da influenza, a de HPV, de difteria, tétano, coqueluche, hepatite A, hepatite B e vacina contra a raiva. Toda essa produção é encomendada e entregue ao Ministério da Saúde. E representa 95% dos recursos que entram no instituto, via Fundação Butantan.

As vacinas contra dengue e chikungunya estão adiantadas. O que falta?

Para chikungunya, submetemos o dossiê para a Anvisa em dezembro e se tudo correr bem pretendemos lançá-la no segundo semestre deste ano. No caso da dengue, fui investigador principal dos estudos fase 2 e fase 3 da vacina. Em breve vamos encaminhar o pedido de registro para a Anvisa.

Além das vacinas, o instituto tem outros produtos?

Sim, os soros contra veneno de cobra, escorpião, aranha, taturana, contra o vírus da raiva, difteria e tétano, sempre com uma tecnologia totalmente desenvolvida no instituto. Vamos entregar à Saúde cerca de 60 mil unidades de soros protetores contra envenenamentos e toxinas e o vírus da raiva.

Qual a diferença entre uma empresa privada e uma pública nesse segmento?

Temos uma capacidade de produção a preços competitivos, até fora do País, porque não temos fins lucrativos. Uma empresa privada não tem como trabalhar com margens menores, porque visa o lucro. No nosso caso, precisamos agradar à Secretaria da Saúde, ao governo do Estado e ao Ministério da Saúde. Tanto o Butantan quanto a Fiocruz, ao aderirem a esse princípio, permitem ao SUS ter acesso a produtos mais baratos.

Quais são os desafios para o Brasil melhorar, no conjunto, essa performance?

Primeiro, a formação da massa crítica pensante no País – cientistas e pesquisadores. Segundo, trazer a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o debate nacional. E, por fim, um cenário econômico que facilite o investimento na biotecnologia e na indústria biofarmacêutica. Porque o valor agregado que essa indústria traz ao País é fenomenal.

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