‘Vai doer no bolso’, avisa Tebet a quem pagar salário menor a mulher na mesma função


Segundo ministra do Planejamento, além de projeto de lei que iguala remunerações, governo deve investir em fiscalização e campanhas informativas

Por Luciana Garbin e Carolina Ercolin
Atualização:
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comSimone TebetMinistra do Planejamento

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentará hoje projeto de lei que aumenta a multa para empresa que pagar salário diferente a homem e mulher na mesma função. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, a obrigação de igualdade salarial já está prevista na legislação brasileira, mas a penalidade para quem a descumpre é irrisória, o que acaba sendo um estímulo a maus empregadores.

A ministra, que no ano passado impôs como uma das condições para apoiar Lula justamente a apresentação de projeto de lei igualando salários, disse que a medida será o pontapé de uma série de ações contra a desigualdade salarial, que inclui fiscalização e campanhas informativas. “Paralelo a isso também vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles sejam nossos parceiros”, afirmou à Rádio Eldorado. Veja abaixo alguns trechos da entrevista, cuja íntegra deve ir ao ar nesta quarta-feira, a partir das 17 horas.

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A legislação brasileira já prevê igualdade salarial de homens e mulheres. Por que então é necessário novo projeto de lei para isso?

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há 80 anos, já dizia que um homem e uma mulher com o mesmo cargo, a mesma função, o mesmo perfil, tinham que ganhar salário igual. Só que, como não havia nenhuma pena, nenhuma punição, ela virou uma letra morta. Em 1988, a bancada do batom (formada por 26 parlamentares) conseguiu colocar pela primeira vez no texto da Constituição que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Então a Constituição, por si só, já valeria para dizer que, se homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e a mulher está exercendo a mesma função do homem, se ela tem a mesma capacidade, o mesmo grau de escolaridade, ela já tem que ganhar salário igual. Mas isso também foi insuficiente.

Quando veio a reforma trabalhista em 2017, a bancada feminina (do Congresso) conseguiu dar um avanço. Só que aí, para nossa surpresa, nós vimos que o texto apresentado e aprovado na reforma acabava estimulando os empregadores a pagar pra ver. Ou melhor, não pagar porque a multa que foi colocada era tão irrisória que, se o empresário fosse pego na infração, ele preferia após anos pagando menores salários pagar essa multa. Porque, pasmem, a multa hoje é de até 50% do maior benefício da Previdência Social, ou seja até cinco salários mínimos, um pouco menos que isso. Então o mau empregador, aquele de má-fé, fala: ‘Bom, é melhor eu infringir a lei porque, se eu receber uma multa, ela é muito pequena considerando a diferença salarial que eu vou pagar por um ano, por dois anos ou por mais tempo.

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Agora esse projeto de lei que o presidente da República vai apresentar hoje ao Brasil, que vai para o Congresso Nacional, fala realmente em impor essa obrigatoriedade de igualdade salarial fazendo doer no bolso, aumentando a multa e estabelecendo regras.

Como vocês pretendem lidar com as resistências no Congresso Nacional e como fazer para fiscalizar isso dentro das empresas?

Nós já enfrentamos isso na reforma trabalhista. Depois de 2017, a bancada feminina avançou num projeto que foi aprovado na Câmara e no Senado e estabelecia multa de até cinco vezes a diferença salarial. Então, hipoteticamente, uma mulher que trabalhou um ano e ganhou R$ 200 a menos que um homem multiplicaria R$ 200 por 12 meses e receberia uma multa de até cinco vezes esse total. Claro que o juiz ia ver se era caso de reincidência ou não para aplicar uma multa. Então era um projeto razoável, mas lamentavelmente o então presidente da República (Jair Bolsonaro) o recebeu e pediu para voltar ao Congresso. Eu acho que foi o único projeto em que Câmara e Senado aprovam, vai para o Executivo e depois é devolvido. O presidente poderia vetar o projeto, mas não teve a coragem de assumir esse risco porque ele ficaria mal com as mulheres brasileiras.

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O argumento foi de que não era emenda de redação que havia sido feita no Senado, que era emenda de mérito, portanto precisava voltar para a Câmara. Isso é verdade, mas tinha sido negociado, como já aconteceu com outros projetos. Enfim, isso agora é passado e estou muito otimista porque é a primeira vez que sai realmente de forma enfática da boca de um presidente da República que esse é um projeto prioritário de seu governo.

Ministra, ainda durante a campanha eleitoral, impôs como uma das condições para apoiar Lula a apresentação de projeto de lei igualando salários.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Levando em conta que 40% dos trabalhadores estão hoje no mercado informal no Brasil, que outras frentes podem ser usadas para que essa outra parcela da população também seja protegida?

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Esse é o primeiro passo de inúmeros. Eu me lembro que em 2015 foi a mesma discussão sobre a lei do feminicídio. Diziam: “Ah, mas já existe o homicídio doloso, então se a mulher é morta por um companheiro ele já vai responder pelo crime de homicídio”. E nós: “Não. Nós queremos deixar claro que ela está sendo morta não por qualquer outra situação banal, ela está sendo morta por um companheiro ou ex-companheiro pelo simples fato de ser mulher. Aí caracterizar como lei do feminicídio nessa também violência política e aumentar a pena para isso vai fazer com que os homens pensem duas vezes, dez vezes antes cometer uma violência contra mulher”.

Isso fez toda a diferença, até para que a gente tivesse um raio X da realidade dos feminicídios no Brasil. Então a lei é o primeiro de inúmeros passos. Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar. Paralelo a isso nós vamos fazer campanha informativa. Paralelo a isso vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles também sejam nossos parceiros.

Como o Brasil está em relação à desigualdade salarial no mundo?

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Esse é um desafio do mundo, não é só do Brasil. Mas no Brasil a diferença salarial entre homem e mulher é maior do que na média dos países evoluídos, nos países emergentes. Quando a mulher é solteira, a diferença salarial tende a ser menor. Quando a mulher é casada, a diferença salarial tende a ser maior. Quando a mulher tem filhos, a diferença salarial é maior ainda. Essa é uma triste realidade: ao ter esse cuidado maior com a família, com os filhos, a mulher é penalizada por isso. Olha que loucura.

Mas um estudo feito pela Organização Internacional do Trabalho em 2018/ 2019 mostra que, se todos os países do mundo pagassem salários iguais para homens e mulheres, o PIB mundial cresceria 26%. Por quê? Primeiro porque você distribui a renda. Segundo porque essa trabalhadora é uma grande consumidora. Ela não guarda, ela não tem condições de fazer poupança. Com exceção de presidentes, de CEOs de grandes empresas, a grande massa das trabalhadoras vai correr para o supermercado, para o comércio, ela vai comprar material escolar para o seu filho, vai pagar um exame de saúde. Isso faz com que o dinheiro circule na economia e todo mundo ganha.

O Estado acaba arrecadando mais sem aumentar impostos. Isso vai para as áreas da saúde, da educação, da segurança pública, de investimentos. O comércio ganha com isso, o setor de serviços ganha com isso. Além de tudo é uma questão de justiça social. Nós, mulheres, somos iguais aos homens, ponto. Ninguém é melhor do que ninguém e nós temos que lutar por igualdade.

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Qual sua expectativa para apreciação do projeto pelo Congresso? As conversas com os setores produtivos já começaram?

A apresentação do projeto é o pontapé, mas nós não vamos começar do nada. A gente já conversou com esses setores na reforma trabalhista e dentro desse outro projeto. Nós vamos ter debates, vai passar pelas duas Casas do Congresso. Eu não vou ser mais realista do que o rei. Eu sei como funciona o Congresso e sei que esse projeto não vai ser aprovado em um mês ou dois meses. Mas, se a gente fechar o ano e na pior das hipóteses puder estar em 8 de março do ano que vem com esse texto sancionado pelo presidente da República, será um marco sem precedentes no avanço de políticas públicas voltadas às mulheres.

Não vou comparar esse avanço com leis relacionadas à violência contra mulher, porque acho que são duas questões muito distintas, não dá para hierarquizar. Porque só nós sabemos enquanto mulheres o quanto doem a violência doméstica, a violência física, a violência psicológica, o estupro, os abusos sexuais, os assédios, a violência moral e mesmo a violência política. Não estou querendo comparar, mas, deixando de lado esses projetos que foram grandes avanços e já olhando pelo lado da autonomia financeira e do direito à justiça social, esse projeto uma vez aprovado sem dúvida nenhuma será um marco, um divisor de águas porque ele vem com critérios que permitem que não vire uma letra morta, que o juiz lá no caso concreto possa arbitrar, possa punir realmente empresas que comprovadamente paguem salários inferiores à mulher por pura discriminação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentará hoje projeto de lei que aumenta a multa para empresa que pagar salário diferente a homem e mulher na mesma função. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, a obrigação de igualdade salarial já está prevista na legislação brasileira, mas a penalidade para quem a descumpre é irrisória, o que acaba sendo um estímulo a maus empregadores.

A ministra, que no ano passado impôs como uma das condições para apoiar Lula justamente a apresentação de projeto de lei igualando salários, disse que a medida será o pontapé de uma série de ações contra a desigualdade salarial, que inclui fiscalização e campanhas informativas. “Paralelo a isso também vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles sejam nossos parceiros”, afirmou à Rádio Eldorado. Veja abaixo alguns trechos da entrevista, cuja íntegra deve ir ao ar nesta quarta-feira, a partir das 17 horas.

A legislação brasileira já prevê igualdade salarial de homens e mulheres. Por que então é necessário novo projeto de lei para isso?

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há 80 anos, já dizia que um homem e uma mulher com o mesmo cargo, a mesma função, o mesmo perfil, tinham que ganhar salário igual. Só que, como não havia nenhuma pena, nenhuma punição, ela virou uma letra morta. Em 1988, a bancada do batom (formada por 26 parlamentares) conseguiu colocar pela primeira vez no texto da Constituição que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Então a Constituição, por si só, já valeria para dizer que, se homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e a mulher está exercendo a mesma função do homem, se ela tem a mesma capacidade, o mesmo grau de escolaridade, ela já tem que ganhar salário igual. Mas isso também foi insuficiente.

Quando veio a reforma trabalhista em 2017, a bancada feminina (do Congresso) conseguiu dar um avanço. Só que aí, para nossa surpresa, nós vimos que o texto apresentado e aprovado na reforma acabava estimulando os empregadores a pagar pra ver. Ou melhor, não pagar porque a multa que foi colocada era tão irrisória que, se o empresário fosse pego na infração, ele preferia após anos pagando menores salários pagar essa multa. Porque, pasmem, a multa hoje é de até 50% do maior benefício da Previdência Social, ou seja até cinco salários mínimos, um pouco menos que isso. Então o mau empregador, aquele de má-fé, fala: ‘Bom, é melhor eu infringir a lei porque, se eu receber uma multa, ela é muito pequena considerando a diferença salarial que eu vou pagar por um ano, por dois anos ou por mais tempo.

Agora esse projeto de lei que o presidente da República vai apresentar hoje ao Brasil, que vai para o Congresso Nacional, fala realmente em impor essa obrigatoriedade de igualdade salarial fazendo doer no bolso, aumentando a multa e estabelecendo regras.

Como vocês pretendem lidar com as resistências no Congresso Nacional e como fazer para fiscalizar isso dentro das empresas?

Nós já enfrentamos isso na reforma trabalhista. Depois de 2017, a bancada feminina avançou num projeto que foi aprovado na Câmara e no Senado e estabelecia multa de até cinco vezes a diferença salarial. Então, hipoteticamente, uma mulher que trabalhou um ano e ganhou R$ 200 a menos que um homem multiplicaria R$ 200 por 12 meses e receberia uma multa de até cinco vezes esse total. Claro que o juiz ia ver se era caso de reincidência ou não para aplicar uma multa. Então era um projeto razoável, mas lamentavelmente o então presidente da República (Jair Bolsonaro) o recebeu e pediu para voltar ao Congresso. Eu acho que foi o único projeto em que Câmara e Senado aprovam, vai para o Executivo e depois é devolvido. O presidente poderia vetar o projeto, mas não teve a coragem de assumir esse risco porque ele ficaria mal com as mulheres brasileiras.

O argumento foi de que não era emenda de redação que havia sido feita no Senado, que era emenda de mérito, portanto precisava voltar para a Câmara. Isso é verdade, mas tinha sido negociado, como já aconteceu com outros projetos. Enfim, isso agora é passado e estou muito otimista porque é a primeira vez que sai realmente de forma enfática da boca de um presidente da República que esse é um projeto prioritário de seu governo.

Ministra, ainda durante a campanha eleitoral, impôs como uma das condições para apoiar Lula a apresentação de projeto de lei igualando salários.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Levando em conta que 40% dos trabalhadores estão hoje no mercado informal no Brasil, que outras frentes podem ser usadas para que essa outra parcela da população também seja protegida?

Esse é o primeiro passo de inúmeros. Eu me lembro que em 2015 foi a mesma discussão sobre a lei do feminicídio. Diziam: “Ah, mas já existe o homicídio doloso, então se a mulher é morta por um companheiro ele já vai responder pelo crime de homicídio”. E nós: “Não. Nós queremos deixar claro que ela está sendo morta não por qualquer outra situação banal, ela está sendo morta por um companheiro ou ex-companheiro pelo simples fato de ser mulher. Aí caracterizar como lei do feminicídio nessa também violência política e aumentar a pena para isso vai fazer com que os homens pensem duas vezes, dez vezes antes cometer uma violência contra mulher”.

Isso fez toda a diferença, até para que a gente tivesse um raio X da realidade dos feminicídios no Brasil. Então a lei é o primeiro de inúmeros passos. Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar. Paralelo a isso nós vamos fazer campanha informativa. Paralelo a isso vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles também sejam nossos parceiros.

Como o Brasil está em relação à desigualdade salarial no mundo?

Esse é um desafio do mundo, não é só do Brasil. Mas no Brasil a diferença salarial entre homem e mulher é maior do que na média dos países evoluídos, nos países emergentes. Quando a mulher é solteira, a diferença salarial tende a ser menor. Quando a mulher é casada, a diferença salarial tende a ser maior. Quando a mulher tem filhos, a diferença salarial é maior ainda. Essa é uma triste realidade: ao ter esse cuidado maior com a família, com os filhos, a mulher é penalizada por isso. Olha que loucura.

Mas um estudo feito pela Organização Internacional do Trabalho em 2018/ 2019 mostra que, se todos os países do mundo pagassem salários iguais para homens e mulheres, o PIB mundial cresceria 26%. Por quê? Primeiro porque você distribui a renda. Segundo porque essa trabalhadora é uma grande consumidora. Ela não guarda, ela não tem condições de fazer poupança. Com exceção de presidentes, de CEOs de grandes empresas, a grande massa das trabalhadoras vai correr para o supermercado, para o comércio, ela vai comprar material escolar para o seu filho, vai pagar um exame de saúde. Isso faz com que o dinheiro circule na economia e todo mundo ganha.

O Estado acaba arrecadando mais sem aumentar impostos. Isso vai para as áreas da saúde, da educação, da segurança pública, de investimentos. O comércio ganha com isso, o setor de serviços ganha com isso. Além de tudo é uma questão de justiça social. Nós, mulheres, somos iguais aos homens, ponto. Ninguém é melhor do que ninguém e nós temos que lutar por igualdade.

Qual sua expectativa para apreciação do projeto pelo Congresso? As conversas com os setores produtivos já começaram?

A apresentação do projeto é o pontapé, mas nós não vamos começar do nada. A gente já conversou com esses setores na reforma trabalhista e dentro desse outro projeto. Nós vamos ter debates, vai passar pelas duas Casas do Congresso. Eu não vou ser mais realista do que o rei. Eu sei como funciona o Congresso e sei que esse projeto não vai ser aprovado em um mês ou dois meses. Mas, se a gente fechar o ano e na pior das hipóteses puder estar em 8 de março do ano que vem com esse texto sancionado pelo presidente da República, será um marco sem precedentes no avanço de políticas públicas voltadas às mulheres.

Não vou comparar esse avanço com leis relacionadas à violência contra mulher, porque acho que são duas questões muito distintas, não dá para hierarquizar. Porque só nós sabemos enquanto mulheres o quanto doem a violência doméstica, a violência física, a violência psicológica, o estupro, os abusos sexuais, os assédios, a violência moral e mesmo a violência política. Não estou querendo comparar, mas, deixando de lado esses projetos que foram grandes avanços e já olhando pelo lado da autonomia financeira e do direito à justiça social, esse projeto uma vez aprovado sem dúvida nenhuma será um marco, um divisor de águas porque ele vem com critérios que permitem que não vire uma letra morta, que o juiz lá no caso concreto possa arbitrar, possa punir realmente empresas que comprovadamente paguem salários inferiores à mulher por pura discriminação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentará hoje projeto de lei que aumenta a multa para empresa que pagar salário diferente a homem e mulher na mesma função. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, a obrigação de igualdade salarial já está prevista na legislação brasileira, mas a penalidade para quem a descumpre é irrisória, o que acaba sendo um estímulo a maus empregadores.

A ministra, que no ano passado impôs como uma das condições para apoiar Lula justamente a apresentação de projeto de lei igualando salários, disse que a medida será o pontapé de uma série de ações contra a desigualdade salarial, que inclui fiscalização e campanhas informativas. “Paralelo a isso também vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles sejam nossos parceiros”, afirmou à Rádio Eldorado. Veja abaixo alguns trechos da entrevista, cuja íntegra deve ir ao ar nesta quarta-feira, a partir das 17 horas.

A legislação brasileira já prevê igualdade salarial de homens e mulheres. Por que então é necessário novo projeto de lei para isso?

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há 80 anos, já dizia que um homem e uma mulher com o mesmo cargo, a mesma função, o mesmo perfil, tinham que ganhar salário igual. Só que, como não havia nenhuma pena, nenhuma punição, ela virou uma letra morta. Em 1988, a bancada do batom (formada por 26 parlamentares) conseguiu colocar pela primeira vez no texto da Constituição que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Então a Constituição, por si só, já valeria para dizer que, se homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e a mulher está exercendo a mesma função do homem, se ela tem a mesma capacidade, o mesmo grau de escolaridade, ela já tem que ganhar salário igual. Mas isso também foi insuficiente.

Quando veio a reforma trabalhista em 2017, a bancada feminina (do Congresso) conseguiu dar um avanço. Só que aí, para nossa surpresa, nós vimos que o texto apresentado e aprovado na reforma acabava estimulando os empregadores a pagar pra ver. Ou melhor, não pagar porque a multa que foi colocada era tão irrisória que, se o empresário fosse pego na infração, ele preferia após anos pagando menores salários pagar essa multa. Porque, pasmem, a multa hoje é de até 50% do maior benefício da Previdência Social, ou seja até cinco salários mínimos, um pouco menos que isso. Então o mau empregador, aquele de má-fé, fala: ‘Bom, é melhor eu infringir a lei porque, se eu receber uma multa, ela é muito pequena considerando a diferença salarial que eu vou pagar por um ano, por dois anos ou por mais tempo.

Agora esse projeto de lei que o presidente da República vai apresentar hoje ao Brasil, que vai para o Congresso Nacional, fala realmente em impor essa obrigatoriedade de igualdade salarial fazendo doer no bolso, aumentando a multa e estabelecendo regras.

Como vocês pretendem lidar com as resistências no Congresso Nacional e como fazer para fiscalizar isso dentro das empresas?

Nós já enfrentamos isso na reforma trabalhista. Depois de 2017, a bancada feminina avançou num projeto que foi aprovado na Câmara e no Senado e estabelecia multa de até cinco vezes a diferença salarial. Então, hipoteticamente, uma mulher que trabalhou um ano e ganhou R$ 200 a menos que um homem multiplicaria R$ 200 por 12 meses e receberia uma multa de até cinco vezes esse total. Claro que o juiz ia ver se era caso de reincidência ou não para aplicar uma multa. Então era um projeto razoável, mas lamentavelmente o então presidente da República (Jair Bolsonaro) o recebeu e pediu para voltar ao Congresso. Eu acho que foi o único projeto em que Câmara e Senado aprovam, vai para o Executivo e depois é devolvido. O presidente poderia vetar o projeto, mas não teve a coragem de assumir esse risco porque ele ficaria mal com as mulheres brasileiras.

O argumento foi de que não era emenda de redação que havia sido feita no Senado, que era emenda de mérito, portanto precisava voltar para a Câmara. Isso é verdade, mas tinha sido negociado, como já aconteceu com outros projetos. Enfim, isso agora é passado e estou muito otimista porque é a primeira vez que sai realmente de forma enfática da boca de um presidente da República que esse é um projeto prioritário de seu governo.

Ministra, ainda durante a campanha eleitoral, impôs como uma das condições para apoiar Lula a apresentação de projeto de lei igualando salários.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Levando em conta que 40% dos trabalhadores estão hoje no mercado informal no Brasil, que outras frentes podem ser usadas para que essa outra parcela da população também seja protegida?

Esse é o primeiro passo de inúmeros. Eu me lembro que em 2015 foi a mesma discussão sobre a lei do feminicídio. Diziam: “Ah, mas já existe o homicídio doloso, então se a mulher é morta por um companheiro ele já vai responder pelo crime de homicídio”. E nós: “Não. Nós queremos deixar claro que ela está sendo morta não por qualquer outra situação banal, ela está sendo morta por um companheiro ou ex-companheiro pelo simples fato de ser mulher. Aí caracterizar como lei do feminicídio nessa também violência política e aumentar a pena para isso vai fazer com que os homens pensem duas vezes, dez vezes antes cometer uma violência contra mulher”.

Isso fez toda a diferença, até para que a gente tivesse um raio X da realidade dos feminicídios no Brasil. Então a lei é o primeiro de inúmeros passos. Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar. Paralelo a isso nós vamos fazer campanha informativa. Paralelo a isso vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles também sejam nossos parceiros.

Como o Brasil está em relação à desigualdade salarial no mundo?

Esse é um desafio do mundo, não é só do Brasil. Mas no Brasil a diferença salarial entre homem e mulher é maior do que na média dos países evoluídos, nos países emergentes. Quando a mulher é solteira, a diferença salarial tende a ser menor. Quando a mulher é casada, a diferença salarial tende a ser maior. Quando a mulher tem filhos, a diferença salarial é maior ainda. Essa é uma triste realidade: ao ter esse cuidado maior com a família, com os filhos, a mulher é penalizada por isso. Olha que loucura.

Mas um estudo feito pela Organização Internacional do Trabalho em 2018/ 2019 mostra que, se todos os países do mundo pagassem salários iguais para homens e mulheres, o PIB mundial cresceria 26%. Por quê? Primeiro porque você distribui a renda. Segundo porque essa trabalhadora é uma grande consumidora. Ela não guarda, ela não tem condições de fazer poupança. Com exceção de presidentes, de CEOs de grandes empresas, a grande massa das trabalhadoras vai correr para o supermercado, para o comércio, ela vai comprar material escolar para o seu filho, vai pagar um exame de saúde. Isso faz com que o dinheiro circule na economia e todo mundo ganha.

O Estado acaba arrecadando mais sem aumentar impostos. Isso vai para as áreas da saúde, da educação, da segurança pública, de investimentos. O comércio ganha com isso, o setor de serviços ganha com isso. Além de tudo é uma questão de justiça social. Nós, mulheres, somos iguais aos homens, ponto. Ninguém é melhor do que ninguém e nós temos que lutar por igualdade.

Qual sua expectativa para apreciação do projeto pelo Congresso? As conversas com os setores produtivos já começaram?

A apresentação do projeto é o pontapé, mas nós não vamos começar do nada. A gente já conversou com esses setores na reforma trabalhista e dentro desse outro projeto. Nós vamos ter debates, vai passar pelas duas Casas do Congresso. Eu não vou ser mais realista do que o rei. Eu sei como funciona o Congresso e sei que esse projeto não vai ser aprovado em um mês ou dois meses. Mas, se a gente fechar o ano e na pior das hipóteses puder estar em 8 de março do ano que vem com esse texto sancionado pelo presidente da República, será um marco sem precedentes no avanço de políticas públicas voltadas às mulheres.

Não vou comparar esse avanço com leis relacionadas à violência contra mulher, porque acho que são duas questões muito distintas, não dá para hierarquizar. Porque só nós sabemos enquanto mulheres o quanto doem a violência doméstica, a violência física, a violência psicológica, o estupro, os abusos sexuais, os assédios, a violência moral e mesmo a violência política. Não estou querendo comparar, mas, deixando de lado esses projetos que foram grandes avanços e já olhando pelo lado da autonomia financeira e do direito à justiça social, esse projeto uma vez aprovado sem dúvida nenhuma será um marco, um divisor de águas porque ele vem com critérios que permitem que não vire uma letra morta, que o juiz lá no caso concreto possa arbitrar, possa punir realmente empresas que comprovadamente paguem salários inferiores à mulher por pura discriminação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentará hoje projeto de lei que aumenta a multa para empresa que pagar salário diferente a homem e mulher na mesma função. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, a obrigação de igualdade salarial já está prevista na legislação brasileira, mas a penalidade para quem a descumpre é irrisória, o que acaba sendo um estímulo a maus empregadores.

A ministra, que no ano passado impôs como uma das condições para apoiar Lula justamente a apresentação de projeto de lei igualando salários, disse que a medida será o pontapé de uma série de ações contra a desigualdade salarial, que inclui fiscalização e campanhas informativas. “Paralelo a isso também vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles sejam nossos parceiros”, afirmou à Rádio Eldorado. Veja abaixo alguns trechos da entrevista, cuja íntegra deve ir ao ar nesta quarta-feira, a partir das 17 horas.

A legislação brasileira já prevê igualdade salarial de homens e mulheres. Por que então é necessário novo projeto de lei para isso?

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há 80 anos, já dizia que um homem e uma mulher com o mesmo cargo, a mesma função, o mesmo perfil, tinham que ganhar salário igual. Só que, como não havia nenhuma pena, nenhuma punição, ela virou uma letra morta. Em 1988, a bancada do batom (formada por 26 parlamentares) conseguiu colocar pela primeira vez no texto da Constituição que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Então a Constituição, por si só, já valeria para dizer que, se homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e a mulher está exercendo a mesma função do homem, se ela tem a mesma capacidade, o mesmo grau de escolaridade, ela já tem que ganhar salário igual. Mas isso também foi insuficiente.

Quando veio a reforma trabalhista em 2017, a bancada feminina (do Congresso) conseguiu dar um avanço. Só que aí, para nossa surpresa, nós vimos que o texto apresentado e aprovado na reforma acabava estimulando os empregadores a pagar pra ver. Ou melhor, não pagar porque a multa que foi colocada era tão irrisória que, se o empresário fosse pego na infração, ele preferia após anos pagando menores salários pagar essa multa. Porque, pasmem, a multa hoje é de até 50% do maior benefício da Previdência Social, ou seja até cinco salários mínimos, um pouco menos que isso. Então o mau empregador, aquele de má-fé, fala: ‘Bom, é melhor eu infringir a lei porque, se eu receber uma multa, ela é muito pequena considerando a diferença salarial que eu vou pagar por um ano, por dois anos ou por mais tempo.

Agora esse projeto de lei que o presidente da República vai apresentar hoje ao Brasil, que vai para o Congresso Nacional, fala realmente em impor essa obrigatoriedade de igualdade salarial fazendo doer no bolso, aumentando a multa e estabelecendo regras.

Como vocês pretendem lidar com as resistências no Congresso Nacional e como fazer para fiscalizar isso dentro das empresas?

Nós já enfrentamos isso na reforma trabalhista. Depois de 2017, a bancada feminina avançou num projeto que foi aprovado na Câmara e no Senado e estabelecia multa de até cinco vezes a diferença salarial. Então, hipoteticamente, uma mulher que trabalhou um ano e ganhou R$ 200 a menos que um homem multiplicaria R$ 200 por 12 meses e receberia uma multa de até cinco vezes esse total. Claro que o juiz ia ver se era caso de reincidência ou não para aplicar uma multa. Então era um projeto razoável, mas lamentavelmente o então presidente da República (Jair Bolsonaro) o recebeu e pediu para voltar ao Congresso. Eu acho que foi o único projeto em que Câmara e Senado aprovam, vai para o Executivo e depois é devolvido. O presidente poderia vetar o projeto, mas não teve a coragem de assumir esse risco porque ele ficaria mal com as mulheres brasileiras.

O argumento foi de que não era emenda de redação que havia sido feita no Senado, que era emenda de mérito, portanto precisava voltar para a Câmara. Isso é verdade, mas tinha sido negociado, como já aconteceu com outros projetos. Enfim, isso agora é passado e estou muito otimista porque é a primeira vez que sai realmente de forma enfática da boca de um presidente da República que esse é um projeto prioritário de seu governo.

Ministra, ainda durante a campanha eleitoral, impôs como uma das condições para apoiar Lula a apresentação de projeto de lei igualando salários.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Levando em conta que 40% dos trabalhadores estão hoje no mercado informal no Brasil, que outras frentes podem ser usadas para que essa outra parcela da população também seja protegida?

Esse é o primeiro passo de inúmeros. Eu me lembro que em 2015 foi a mesma discussão sobre a lei do feminicídio. Diziam: “Ah, mas já existe o homicídio doloso, então se a mulher é morta por um companheiro ele já vai responder pelo crime de homicídio”. E nós: “Não. Nós queremos deixar claro que ela está sendo morta não por qualquer outra situação banal, ela está sendo morta por um companheiro ou ex-companheiro pelo simples fato de ser mulher. Aí caracterizar como lei do feminicídio nessa também violência política e aumentar a pena para isso vai fazer com que os homens pensem duas vezes, dez vezes antes cometer uma violência contra mulher”.

Isso fez toda a diferença, até para que a gente tivesse um raio X da realidade dos feminicídios no Brasil. Então a lei é o primeiro de inúmeros passos. Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar. Paralelo a isso nós vamos fazer campanha informativa. Paralelo a isso vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles também sejam nossos parceiros.

Como o Brasil está em relação à desigualdade salarial no mundo?

Esse é um desafio do mundo, não é só do Brasil. Mas no Brasil a diferença salarial entre homem e mulher é maior do que na média dos países evoluídos, nos países emergentes. Quando a mulher é solteira, a diferença salarial tende a ser menor. Quando a mulher é casada, a diferença salarial tende a ser maior. Quando a mulher tem filhos, a diferença salarial é maior ainda. Essa é uma triste realidade: ao ter esse cuidado maior com a família, com os filhos, a mulher é penalizada por isso. Olha que loucura.

Mas um estudo feito pela Organização Internacional do Trabalho em 2018/ 2019 mostra que, se todos os países do mundo pagassem salários iguais para homens e mulheres, o PIB mundial cresceria 26%. Por quê? Primeiro porque você distribui a renda. Segundo porque essa trabalhadora é uma grande consumidora. Ela não guarda, ela não tem condições de fazer poupança. Com exceção de presidentes, de CEOs de grandes empresas, a grande massa das trabalhadoras vai correr para o supermercado, para o comércio, ela vai comprar material escolar para o seu filho, vai pagar um exame de saúde. Isso faz com que o dinheiro circule na economia e todo mundo ganha.

O Estado acaba arrecadando mais sem aumentar impostos. Isso vai para as áreas da saúde, da educação, da segurança pública, de investimentos. O comércio ganha com isso, o setor de serviços ganha com isso. Além de tudo é uma questão de justiça social. Nós, mulheres, somos iguais aos homens, ponto. Ninguém é melhor do que ninguém e nós temos que lutar por igualdade.

Qual sua expectativa para apreciação do projeto pelo Congresso? As conversas com os setores produtivos já começaram?

A apresentação do projeto é o pontapé, mas nós não vamos começar do nada. A gente já conversou com esses setores na reforma trabalhista e dentro desse outro projeto. Nós vamos ter debates, vai passar pelas duas Casas do Congresso. Eu não vou ser mais realista do que o rei. Eu sei como funciona o Congresso e sei que esse projeto não vai ser aprovado em um mês ou dois meses. Mas, se a gente fechar o ano e na pior das hipóteses puder estar em 8 de março do ano que vem com esse texto sancionado pelo presidente da República, será um marco sem precedentes no avanço de políticas públicas voltadas às mulheres.

Não vou comparar esse avanço com leis relacionadas à violência contra mulher, porque acho que são duas questões muito distintas, não dá para hierarquizar. Porque só nós sabemos enquanto mulheres o quanto doem a violência doméstica, a violência física, a violência psicológica, o estupro, os abusos sexuais, os assédios, a violência moral e mesmo a violência política. Não estou querendo comparar, mas, deixando de lado esses projetos que foram grandes avanços e já olhando pelo lado da autonomia financeira e do direito à justiça social, esse projeto uma vez aprovado sem dúvida nenhuma será um marco, um divisor de águas porque ele vem com critérios que permitem que não vire uma letra morta, que o juiz lá no caso concreto possa arbitrar, possa punir realmente empresas que comprovadamente paguem salários inferiores à mulher por pura discriminação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentará hoje projeto de lei que aumenta a multa para empresa que pagar salário diferente a homem e mulher na mesma função. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, a obrigação de igualdade salarial já está prevista na legislação brasileira, mas a penalidade para quem a descumpre é irrisória, o que acaba sendo um estímulo a maus empregadores.

A ministra, que no ano passado impôs como uma das condições para apoiar Lula justamente a apresentação de projeto de lei igualando salários, disse que a medida será o pontapé de uma série de ações contra a desigualdade salarial, que inclui fiscalização e campanhas informativas. “Paralelo a isso também vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles sejam nossos parceiros”, afirmou à Rádio Eldorado. Veja abaixo alguns trechos da entrevista, cuja íntegra deve ir ao ar nesta quarta-feira, a partir das 17 horas.

A legislação brasileira já prevê igualdade salarial de homens e mulheres. Por que então é necessário novo projeto de lei para isso?

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há 80 anos, já dizia que um homem e uma mulher com o mesmo cargo, a mesma função, o mesmo perfil, tinham que ganhar salário igual. Só que, como não havia nenhuma pena, nenhuma punição, ela virou uma letra morta. Em 1988, a bancada do batom (formada por 26 parlamentares) conseguiu colocar pela primeira vez no texto da Constituição que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Então a Constituição, por si só, já valeria para dizer que, se homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e a mulher está exercendo a mesma função do homem, se ela tem a mesma capacidade, o mesmo grau de escolaridade, ela já tem que ganhar salário igual. Mas isso também foi insuficiente.

Quando veio a reforma trabalhista em 2017, a bancada feminina (do Congresso) conseguiu dar um avanço. Só que aí, para nossa surpresa, nós vimos que o texto apresentado e aprovado na reforma acabava estimulando os empregadores a pagar pra ver. Ou melhor, não pagar porque a multa que foi colocada era tão irrisória que, se o empresário fosse pego na infração, ele preferia após anos pagando menores salários pagar essa multa. Porque, pasmem, a multa hoje é de até 50% do maior benefício da Previdência Social, ou seja até cinco salários mínimos, um pouco menos que isso. Então o mau empregador, aquele de má-fé, fala: ‘Bom, é melhor eu infringir a lei porque, se eu receber uma multa, ela é muito pequena considerando a diferença salarial que eu vou pagar por um ano, por dois anos ou por mais tempo.

Agora esse projeto de lei que o presidente da República vai apresentar hoje ao Brasil, que vai para o Congresso Nacional, fala realmente em impor essa obrigatoriedade de igualdade salarial fazendo doer no bolso, aumentando a multa e estabelecendo regras.

Como vocês pretendem lidar com as resistências no Congresso Nacional e como fazer para fiscalizar isso dentro das empresas?

Nós já enfrentamos isso na reforma trabalhista. Depois de 2017, a bancada feminina avançou num projeto que foi aprovado na Câmara e no Senado e estabelecia multa de até cinco vezes a diferença salarial. Então, hipoteticamente, uma mulher que trabalhou um ano e ganhou R$ 200 a menos que um homem multiplicaria R$ 200 por 12 meses e receberia uma multa de até cinco vezes esse total. Claro que o juiz ia ver se era caso de reincidência ou não para aplicar uma multa. Então era um projeto razoável, mas lamentavelmente o então presidente da República (Jair Bolsonaro) o recebeu e pediu para voltar ao Congresso. Eu acho que foi o único projeto em que Câmara e Senado aprovam, vai para o Executivo e depois é devolvido. O presidente poderia vetar o projeto, mas não teve a coragem de assumir esse risco porque ele ficaria mal com as mulheres brasileiras.

O argumento foi de que não era emenda de redação que havia sido feita no Senado, que era emenda de mérito, portanto precisava voltar para a Câmara. Isso é verdade, mas tinha sido negociado, como já aconteceu com outros projetos. Enfim, isso agora é passado e estou muito otimista porque é a primeira vez que sai realmente de forma enfática da boca de um presidente da República que esse é um projeto prioritário de seu governo.

Ministra, ainda durante a campanha eleitoral, impôs como uma das condições para apoiar Lula a apresentação de projeto de lei igualando salários.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Levando em conta que 40% dos trabalhadores estão hoje no mercado informal no Brasil, que outras frentes podem ser usadas para que essa outra parcela da população também seja protegida?

Esse é o primeiro passo de inúmeros. Eu me lembro que em 2015 foi a mesma discussão sobre a lei do feminicídio. Diziam: “Ah, mas já existe o homicídio doloso, então se a mulher é morta por um companheiro ele já vai responder pelo crime de homicídio”. E nós: “Não. Nós queremos deixar claro que ela está sendo morta não por qualquer outra situação banal, ela está sendo morta por um companheiro ou ex-companheiro pelo simples fato de ser mulher. Aí caracterizar como lei do feminicídio nessa também violência política e aumentar a pena para isso vai fazer com que os homens pensem duas vezes, dez vezes antes cometer uma violência contra mulher”.

Isso fez toda a diferença, até para que a gente tivesse um raio X da realidade dos feminicídios no Brasil. Então a lei é o primeiro de inúmeros passos. Vai doer no bolso, tem que doer no bolso. Paralelo a isso nós vamos fiscalizar. Paralelo a isso nós vamos fazer campanha informativa. Paralelo a isso vamos nos colocar à disposição de grandes setores para que eles também sejam nossos parceiros.

Como o Brasil está em relação à desigualdade salarial no mundo?

Esse é um desafio do mundo, não é só do Brasil. Mas no Brasil a diferença salarial entre homem e mulher é maior do que na média dos países evoluídos, nos países emergentes. Quando a mulher é solteira, a diferença salarial tende a ser menor. Quando a mulher é casada, a diferença salarial tende a ser maior. Quando a mulher tem filhos, a diferença salarial é maior ainda. Essa é uma triste realidade: ao ter esse cuidado maior com a família, com os filhos, a mulher é penalizada por isso. Olha que loucura.

Mas um estudo feito pela Organização Internacional do Trabalho em 2018/ 2019 mostra que, se todos os países do mundo pagassem salários iguais para homens e mulheres, o PIB mundial cresceria 26%. Por quê? Primeiro porque você distribui a renda. Segundo porque essa trabalhadora é uma grande consumidora. Ela não guarda, ela não tem condições de fazer poupança. Com exceção de presidentes, de CEOs de grandes empresas, a grande massa das trabalhadoras vai correr para o supermercado, para o comércio, ela vai comprar material escolar para o seu filho, vai pagar um exame de saúde. Isso faz com que o dinheiro circule na economia e todo mundo ganha.

O Estado acaba arrecadando mais sem aumentar impostos. Isso vai para as áreas da saúde, da educação, da segurança pública, de investimentos. O comércio ganha com isso, o setor de serviços ganha com isso. Além de tudo é uma questão de justiça social. Nós, mulheres, somos iguais aos homens, ponto. Ninguém é melhor do que ninguém e nós temos que lutar por igualdade.

Qual sua expectativa para apreciação do projeto pelo Congresso? As conversas com os setores produtivos já começaram?

A apresentação do projeto é o pontapé, mas nós não vamos começar do nada. A gente já conversou com esses setores na reforma trabalhista e dentro desse outro projeto. Nós vamos ter debates, vai passar pelas duas Casas do Congresso. Eu não vou ser mais realista do que o rei. Eu sei como funciona o Congresso e sei que esse projeto não vai ser aprovado em um mês ou dois meses. Mas, se a gente fechar o ano e na pior das hipóteses puder estar em 8 de março do ano que vem com esse texto sancionado pelo presidente da República, será um marco sem precedentes no avanço de políticas públicas voltadas às mulheres.

Não vou comparar esse avanço com leis relacionadas à violência contra mulher, porque acho que são duas questões muito distintas, não dá para hierarquizar. Porque só nós sabemos enquanto mulheres o quanto doem a violência doméstica, a violência física, a violência psicológica, o estupro, os abusos sexuais, os assédios, a violência moral e mesmo a violência política. Não estou querendo comparar, mas, deixando de lado esses projetos que foram grandes avanços e já olhando pelo lado da autonomia financeira e do direito à justiça social, esse projeto uma vez aprovado sem dúvida nenhuma será um marco, um divisor de águas porque ele vem com critérios que permitem que não vire uma letra morta, que o juiz lá no caso concreto possa arbitrar, possa punir realmente empresas que comprovadamente paguem salários inferiores à mulher por pura discriminação.

Entrevista por Luciana Garbin

Editora executiva no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos

Carolina Ercolin

Apresentadora e editora do Jornal Eldorado, da Rádio Eldorado, em São Paulo. Jornalista, mestranda em Comunicação pela ECA-USP. Foi âncora e repórter da Rádio Bandeirantes e Jovem Pan. Vencedora dos prêmios CNT, Longevidade, Troféu Mulher Imprensa e Estadão.

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