BRASÍLIA – Sete anos depois de paralisada, a hidrelétrica Risoleta Neves, que tem a mineradora Vale como sua maior acionista, vai voltar a funcionar – após ter a sua estrutura afetada pela lama da barragem da mineradora Samarco, que tem a própria Vale como sócia.
A usina pertence ao consórcio Candonga, do qual a Vale é sócia, em parceria com a Cemig. Em novembro de 2015, a hidrelétrica ficou completamente inviabilizada, ao ter seu reservatório invadido pela lama da Samarco, na tragédia ambiental que matou 19 pessoas. A usina ficava no caminho da barragem do Fundão, que se rompeu em Mariana (MG) lançando milhares de toneladas de rejeito de minério de ferro sobre a mata e o Rio Doce. A lama varreu 40 municípios, até chegar ao Atlântico, no litoral do Espírito Santo.
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Nos últimos sete anos, o consórcio Candonga e a Fundação Renova trabalharam na remoção dos rejeitos. Cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeito foram liberados da barragem do Fundão. Parte ficou retida no reservatório da usina. Os rejeitos que não ficaram retidos nessa barragem seguiram pelo curso do Rio Doce, percorrendo cerca de 600 quilômetros, até sua foz em Linhares (ES), onde chegou ao oceano.
No fim do ano passado, com a conclusão dos trabalhos de retirada de milhares de toneladas do lixo, o consórcio recebeu sinal verde para encher, novamente, o reservatório da usina com a água do rio e, agora, dar início à operação.
“A Samarco informa que o reenchimento do reservatório foi iniciado e concluído em dezembro de 2022, conforme previsto”, declarou a empresa, por meio de nota. “A empresa executou as obras civis e intervenções necessárias para o restabelecimento das condições de operação da usina hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga), em atendimento à Licença de Operação concedida pelo órgão ambiental.”
A reportagem tentou, insistentemente, ouvir o consórcio Candonga sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. A empresa não esclareceu a data específica de início de operação da usina, tampouco o destino dos mais de R$ 500 milhões que recebeu desde 2015, mesmo com a usina paralisada, sob alegação de que não teve culpa pelo acidente e que, por isso, tinha de continuar a ser paga, apesar de não gerar mais energia.
Esses pagamentos foram parar na Justiça. Até o fim de 2021, a Vale já tinha recebido mais de R$ 500 milhões em relação à energia que não entregou, mas que foi paralisada pela tragédia causada por sua própria empresa em sociedade, a Samarco.
A paralisação total da hidrelétrica levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), naturalmente, a pedir a suspensão dos pagamentos para a usina Risoleta Neves, já que esta não poderia gerar mais energia. A Vale, no entanto, não só recorreu do processo administrativo da agência como entrou na Justiça e conseguiu uma decisão para manter o pagamento ao consórcio Candonga, para que continuasse a receber normalmente – por meio de repasses feitos por um mecanismo contábil do setor elétrico, que é compartilhado por todas as hidrelétricas do País.
Na prática, todas as usinas pagaram as mensalidades para a usina Risoleta Neves – um custo que, depois, foi gradativamente repassado aos consumidores de energia do Brasil, por meio da conta de luz. Os dados da Aneel apontam que a situação já tinha gerado, até 2021, prejuízo direto ao consumidor superior a R$ 100 milhões.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) impôs uma dura derrota à mineradora Vale e decidiu que a companhia terá de devolver cada centavo que tem recebido mensalmente, desde 2015, por uma hidrelétrica de sua propriedade que não entrega energia há seis anos.
A Vale não quis comentar o assunto. A Samarco afirmou que mais detalhes seriam obtidos com o consórcio Candonga, que nada disse.