Haverá frustração de receitas e contas do governo só devem voltar ao azul em 2030, diz Vilma Pinto


Para diretora da Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal, cenário para 2024 é incerto e o mais provável é que governo anuncie que não cumpriu a meta fiscal

Por Luciana Dyniewicz
Atualização:
Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão
Entrevista comVilma PintoDiretora da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, Vilma Pinto afirma que o cenário mais provável para a situação fiscal futura do País é uma redução obrigatória do aumento dos gastos públicos decorrente do fato de o governo não cumprir com a meta de zerar o déficit em 2024. Nesse caso, incentivos tributários e criação de cargos que impliquem crescimento de despesas, por exemplo, seriam proibidos em 2025. “O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta e acione os gatilhos para 2025.”

Vilma projeta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará seu mandato, em 2026, com o País registrando um déficit de 0,4% do PIB. Um resultado fiscal positivo, de 0,1% do PIB, só deve ocorrer em 2030, estima. Ainda assim, será insuficiente para estabilizar a relação dívida/ PIB. Para conseguir isso, o Brasil precisaria de um superávit de 1,3%.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

continua após a publicidade

Como avalia a situação fiscal do País?

Até o ano passado, a gente vinha observando uma melhora nos indicadores fiscais. Agora, a situação é inversa. No ano passado, o resultado primário do governo central foi superavitário pela primeira vez desde 2014. Houve uma mudança na trajetória de crescimento das despesas e também vínhamos tendo uma melhora gradual nas receitas. Mas isso aconteceu com alguns indicadores importantes para a atividade econômica muito reduzidos. Investimento líquido, que é investimento descontada a depreciação do capital, do governo central é negativo. Isso significa que o que o governo investe a cada ano não é suficiente nem para cobrir a depreciação do capital. Aí, no ano passado, teve um superávit influenciado por fatores exógenos, como choque de commodities, que influenciaram as receitas do governo positivamente. Somado a isso, a gente observa, na gestão passada, alguns itens importantes de postergação de gastos. Por exemplo, a PEC dos Precatórios, que afetou positivamente a despesa no curto prazo, mas contratou um déficit fiscal para 2027.

continua após a publicidade

Qual o cenário fiscal de 2023?

Neste ano, a gente observa uma reversão que tem origem na Emenda da Transição. Nela, o governo aprovou mais um ‘wave’ (perdão) para o teto de gastos. O ‘wave’ deveria ser uma permissão para o governo gastar mais por um período temporário. Mas foram ampliados gastos que geram impactos para os anos seguintes, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Não estou entrando no mérito dessa expansão, mas esse aumento de gastos criado de forma temporária para 2023 gera impactos futuros. O novo arcabouço fiscal considera esse aumento e, por isso, as despesas começam já de um nível maior. Esse aumento de despesa gera desconfiança no mercado em relação à expansão do déficit fiscal e ao aumento da relação dívida/PIB a níveis insustentáveis. Aí o governo faz uma sinalização via meta de déficit fiscal. O governo está sinalizando que está comprometido com o equilíbrio fiscal colocando nas diretrizes orçamentárias uma meta de déficit zero pro ano que vem.

Para Vilma Pinto, haverá frustração de receitas no ano que vem Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão
continua após a publicidade

Como vê a meta?

Pelas nossas projeções, considerando os parâmetros existentes, as medidas que já foram aprovadas (para aumentar a arrecadação) e o novo patamar de gastos primários, o País não chega a esse déficit zero no ano que vem. A projeção é de déficit de 1% e, muito provavelmente, para frente, o governo também vai encontrar dificuldade (para atingir as metas estabelecidas). O governo encaminhou um Orçamento que precisava estar condicionado às diretrizes do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O que está na PLDO é que a meta de 2024 é zero. Então, ele não poderia encaminhar o Orçamento prevendo uma meta menor do que essa. Aquela peça orçamentária é o reconhecimento do governo de que o cenário não é compatível com isso. O Orçamento tem cerca de R$ 400 bilhões de despesas condicionadas. Tem uma série de propostas (para elevar a arrecadação) que dependem de aprovação do Congresso e que somam R$ 168,5 bilhões. Esse é o valor que precisa para chegar ao déficit zero, o volume de receitas que ele está contando e que ainda não existe. O governo conseguirá chegar ao déficit zero se todas as medidas que está anunciando forem aprovadas na forma como estão ali e se os valores que estão sendo projetados forem realizados nessa mesma magnitude. Por exemplo, não pode ter erosão de base tributária. É um cenário muito incerto.

Das medidas já anunciadas para aumentar a arrecadação, quanto acha factível conseguir?

continua após a publicidade

Dos R$ 168,5 bilhões de medidas adicionais, estamos considerando R$ 51,9 bilhões. Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (projeto que dá ao governo a palavra final em litígios tributários que estejam empatados no julgamento do conselho de recursos fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando.

Diante desse cenário, o que pode ser feito para melhorar o quadro fiscal?

Acho que é positivo o governo se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas. Não necessariamente precisava se comprometer com um déficit fiscal zero já no ano que vem sem ter base para isso. Basicamente, por conta desse imediatismo, todo o ajuste ficou concentrado nas receitas. Então é um cenário incerto. Os desafios são grandes. Ainda não vejo como conseguir materializar esse cenário. Mesmo o governo aprovando as medidas que está anunciando, não vai conseguir chegar a esse volume de recursos pretendido. Só seria possível cumprir a meta com o sucesso das medidas anunciadas, com a possibilidade de contingenciamento, ainda que limitado a 25% do volume de discricionárias (despesas não obrigatórias), e com surpresas positivas no cenário macro, que confirmem o cenário projetado pelo governo. Mas o caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta, acione os gatilhos para 2025 e tente se comprometer ou adotar medidas que melhorem esse perfil. Nesse caso, haveria um impedimento para o aumento de algumas despesas, como proibição de incentivos tributários e de criação de cargos que resultem em crescimento de despesas.

continua após a publicidade

O governo pode terminar com uma melhora nos números fiscais?

O nosso cenário de médio prazo, até 2032, é de que o resultado chegaria a um superávit. O que acontece é que é um superávit ainda abaixo do necessário para estabilizar a dívida pública. Devemos chegar a um pequeno superávit em 2030 de 0,1% do PIB, sendo que o primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB é de superávit de 1,3% do PIB.

Qual a projeção para o resultado primário para o último ano do governo?

continua após a publicidade

Um déficit de 0,4%.

Uma piora, portanto, em relação ao ano passado.

Na realidade, o cenário prospectivo piora por conta de uma nova estrutura de despesas primárias que não se tinha até 2022. Por exemplo: política de valorização do salário mínimo, aumento do Bolsa Família, piso para investimentos, mudança no piso da saúde e educação. Todos esses fatores dão conta de piorar a trajetória futura dos resultados fiscais se comparado com o cenário esperado no ano passado. A questão conjuntural explica um pouco, mas, de certo modo, a hipótese de que o choque de 2022 era temporário já estava no nosso cenário.

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, Vilma Pinto afirma que o cenário mais provável para a situação fiscal futura do País é uma redução obrigatória do aumento dos gastos públicos decorrente do fato de o governo não cumprir com a meta de zerar o déficit em 2024. Nesse caso, incentivos tributários e criação de cargos que impliquem crescimento de despesas, por exemplo, seriam proibidos em 2025. “O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta e acione os gatilhos para 2025.”

Vilma projeta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará seu mandato, em 2026, com o País registrando um déficit de 0,4% do PIB. Um resultado fiscal positivo, de 0,1% do PIB, só deve ocorrer em 2030, estima. Ainda assim, será insuficiente para estabilizar a relação dívida/ PIB. Para conseguir isso, o Brasil precisaria de um superávit de 1,3%.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como avalia a situação fiscal do País?

Até o ano passado, a gente vinha observando uma melhora nos indicadores fiscais. Agora, a situação é inversa. No ano passado, o resultado primário do governo central foi superavitário pela primeira vez desde 2014. Houve uma mudança na trajetória de crescimento das despesas e também vínhamos tendo uma melhora gradual nas receitas. Mas isso aconteceu com alguns indicadores importantes para a atividade econômica muito reduzidos. Investimento líquido, que é investimento descontada a depreciação do capital, do governo central é negativo. Isso significa que o que o governo investe a cada ano não é suficiente nem para cobrir a depreciação do capital. Aí, no ano passado, teve um superávit influenciado por fatores exógenos, como choque de commodities, que influenciaram as receitas do governo positivamente. Somado a isso, a gente observa, na gestão passada, alguns itens importantes de postergação de gastos. Por exemplo, a PEC dos Precatórios, que afetou positivamente a despesa no curto prazo, mas contratou um déficit fiscal para 2027.

Qual o cenário fiscal de 2023?

Neste ano, a gente observa uma reversão que tem origem na Emenda da Transição. Nela, o governo aprovou mais um ‘wave’ (perdão) para o teto de gastos. O ‘wave’ deveria ser uma permissão para o governo gastar mais por um período temporário. Mas foram ampliados gastos que geram impactos para os anos seguintes, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Não estou entrando no mérito dessa expansão, mas esse aumento de gastos criado de forma temporária para 2023 gera impactos futuros. O novo arcabouço fiscal considera esse aumento e, por isso, as despesas começam já de um nível maior. Esse aumento de despesa gera desconfiança no mercado em relação à expansão do déficit fiscal e ao aumento da relação dívida/PIB a níveis insustentáveis. Aí o governo faz uma sinalização via meta de déficit fiscal. O governo está sinalizando que está comprometido com o equilíbrio fiscal colocando nas diretrizes orçamentárias uma meta de déficit zero pro ano que vem.

Para Vilma Pinto, haverá frustração de receitas no ano que vem Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Como vê a meta?

Pelas nossas projeções, considerando os parâmetros existentes, as medidas que já foram aprovadas (para aumentar a arrecadação) e o novo patamar de gastos primários, o País não chega a esse déficit zero no ano que vem. A projeção é de déficit de 1% e, muito provavelmente, para frente, o governo também vai encontrar dificuldade (para atingir as metas estabelecidas). O governo encaminhou um Orçamento que precisava estar condicionado às diretrizes do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O que está na PLDO é que a meta de 2024 é zero. Então, ele não poderia encaminhar o Orçamento prevendo uma meta menor do que essa. Aquela peça orçamentária é o reconhecimento do governo de que o cenário não é compatível com isso. O Orçamento tem cerca de R$ 400 bilhões de despesas condicionadas. Tem uma série de propostas (para elevar a arrecadação) que dependem de aprovação do Congresso e que somam R$ 168,5 bilhões. Esse é o valor que precisa para chegar ao déficit zero, o volume de receitas que ele está contando e que ainda não existe. O governo conseguirá chegar ao déficit zero se todas as medidas que está anunciando forem aprovadas na forma como estão ali e se os valores que estão sendo projetados forem realizados nessa mesma magnitude. Por exemplo, não pode ter erosão de base tributária. É um cenário muito incerto.

Das medidas já anunciadas para aumentar a arrecadação, quanto acha factível conseguir?

Dos R$ 168,5 bilhões de medidas adicionais, estamos considerando R$ 51,9 bilhões. Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (projeto que dá ao governo a palavra final em litígios tributários que estejam empatados no julgamento do conselho de recursos fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando.

Diante desse cenário, o que pode ser feito para melhorar o quadro fiscal?

Acho que é positivo o governo se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas. Não necessariamente precisava se comprometer com um déficit fiscal zero já no ano que vem sem ter base para isso. Basicamente, por conta desse imediatismo, todo o ajuste ficou concentrado nas receitas. Então é um cenário incerto. Os desafios são grandes. Ainda não vejo como conseguir materializar esse cenário. Mesmo o governo aprovando as medidas que está anunciando, não vai conseguir chegar a esse volume de recursos pretendido. Só seria possível cumprir a meta com o sucesso das medidas anunciadas, com a possibilidade de contingenciamento, ainda que limitado a 25% do volume de discricionárias (despesas não obrigatórias), e com surpresas positivas no cenário macro, que confirmem o cenário projetado pelo governo. Mas o caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta, acione os gatilhos para 2025 e tente se comprometer ou adotar medidas que melhorem esse perfil. Nesse caso, haveria um impedimento para o aumento de algumas despesas, como proibição de incentivos tributários e de criação de cargos que resultem em crescimento de despesas.

O governo pode terminar com uma melhora nos números fiscais?

O nosso cenário de médio prazo, até 2032, é de que o resultado chegaria a um superávit. O que acontece é que é um superávit ainda abaixo do necessário para estabilizar a dívida pública. Devemos chegar a um pequeno superávit em 2030 de 0,1% do PIB, sendo que o primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB é de superávit de 1,3% do PIB.

Qual a projeção para o resultado primário para o último ano do governo?

Um déficit de 0,4%.

Uma piora, portanto, em relação ao ano passado.

Na realidade, o cenário prospectivo piora por conta de uma nova estrutura de despesas primárias que não se tinha até 2022. Por exemplo: política de valorização do salário mínimo, aumento do Bolsa Família, piso para investimentos, mudança no piso da saúde e educação. Todos esses fatores dão conta de piorar a trajetória futura dos resultados fiscais se comparado com o cenário esperado no ano passado. A questão conjuntural explica um pouco, mas, de certo modo, a hipótese de que o choque de 2022 era temporário já estava no nosso cenário.

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, Vilma Pinto afirma que o cenário mais provável para a situação fiscal futura do País é uma redução obrigatória do aumento dos gastos públicos decorrente do fato de o governo não cumprir com a meta de zerar o déficit em 2024. Nesse caso, incentivos tributários e criação de cargos que impliquem crescimento de despesas, por exemplo, seriam proibidos em 2025. “O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta e acione os gatilhos para 2025.”

Vilma projeta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará seu mandato, em 2026, com o País registrando um déficit de 0,4% do PIB. Um resultado fiscal positivo, de 0,1% do PIB, só deve ocorrer em 2030, estima. Ainda assim, será insuficiente para estabilizar a relação dívida/ PIB. Para conseguir isso, o Brasil precisaria de um superávit de 1,3%.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como avalia a situação fiscal do País?

Até o ano passado, a gente vinha observando uma melhora nos indicadores fiscais. Agora, a situação é inversa. No ano passado, o resultado primário do governo central foi superavitário pela primeira vez desde 2014. Houve uma mudança na trajetória de crescimento das despesas e também vínhamos tendo uma melhora gradual nas receitas. Mas isso aconteceu com alguns indicadores importantes para a atividade econômica muito reduzidos. Investimento líquido, que é investimento descontada a depreciação do capital, do governo central é negativo. Isso significa que o que o governo investe a cada ano não é suficiente nem para cobrir a depreciação do capital. Aí, no ano passado, teve um superávit influenciado por fatores exógenos, como choque de commodities, que influenciaram as receitas do governo positivamente. Somado a isso, a gente observa, na gestão passada, alguns itens importantes de postergação de gastos. Por exemplo, a PEC dos Precatórios, que afetou positivamente a despesa no curto prazo, mas contratou um déficit fiscal para 2027.

Qual o cenário fiscal de 2023?

Neste ano, a gente observa uma reversão que tem origem na Emenda da Transição. Nela, o governo aprovou mais um ‘wave’ (perdão) para o teto de gastos. O ‘wave’ deveria ser uma permissão para o governo gastar mais por um período temporário. Mas foram ampliados gastos que geram impactos para os anos seguintes, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Não estou entrando no mérito dessa expansão, mas esse aumento de gastos criado de forma temporária para 2023 gera impactos futuros. O novo arcabouço fiscal considera esse aumento e, por isso, as despesas começam já de um nível maior. Esse aumento de despesa gera desconfiança no mercado em relação à expansão do déficit fiscal e ao aumento da relação dívida/PIB a níveis insustentáveis. Aí o governo faz uma sinalização via meta de déficit fiscal. O governo está sinalizando que está comprometido com o equilíbrio fiscal colocando nas diretrizes orçamentárias uma meta de déficit zero pro ano que vem.

Para Vilma Pinto, haverá frustração de receitas no ano que vem Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Como vê a meta?

Pelas nossas projeções, considerando os parâmetros existentes, as medidas que já foram aprovadas (para aumentar a arrecadação) e o novo patamar de gastos primários, o País não chega a esse déficit zero no ano que vem. A projeção é de déficit de 1% e, muito provavelmente, para frente, o governo também vai encontrar dificuldade (para atingir as metas estabelecidas). O governo encaminhou um Orçamento que precisava estar condicionado às diretrizes do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O que está na PLDO é que a meta de 2024 é zero. Então, ele não poderia encaminhar o Orçamento prevendo uma meta menor do que essa. Aquela peça orçamentária é o reconhecimento do governo de que o cenário não é compatível com isso. O Orçamento tem cerca de R$ 400 bilhões de despesas condicionadas. Tem uma série de propostas (para elevar a arrecadação) que dependem de aprovação do Congresso e que somam R$ 168,5 bilhões. Esse é o valor que precisa para chegar ao déficit zero, o volume de receitas que ele está contando e que ainda não existe. O governo conseguirá chegar ao déficit zero se todas as medidas que está anunciando forem aprovadas na forma como estão ali e se os valores que estão sendo projetados forem realizados nessa mesma magnitude. Por exemplo, não pode ter erosão de base tributária. É um cenário muito incerto.

Das medidas já anunciadas para aumentar a arrecadação, quanto acha factível conseguir?

Dos R$ 168,5 bilhões de medidas adicionais, estamos considerando R$ 51,9 bilhões. Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (projeto que dá ao governo a palavra final em litígios tributários que estejam empatados no julgamento do conselho de recursos fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando.

Diante desse cenário, o que pode ser feito para melhorar o quadro fiscal?

Acho que é positivo o governo se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas. Não necessariamente precisava se comprometer com um déficit fiscal zero já no ano que vem sem ter base para isso. Basicamente, por conta desse imediatismo, todo o ajuste ficou concentrado nas receitas. Então é um cenário incerto. Os desafios são grandes. Ainda não vejo como conseguir materializar esse cenário. Mesmo o governo aprovando as medidas que está anunciando, não vai conseguir chegar a esse volume de recursos pretendido. Só seria possível cumprir a meta com o sucesso das medidas anunciadas, com a possibilidade de contingenciamento, ainda que limitado a 25% do volume de discricionárias (despesas não obrigatórias), e com surpresas positivas no cenário macro, que confirmem o cenário projetado pelo governo. Mas o caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta, acione os gatilhos para 2025 e tente se comprometer ou adotar medidas que melhorem esse perfil. Nesse caso, haveria um impedimento para o aumento de algumas despesas, como proibição de incentivos tributários e de criação de cargos que resultem em crescimento de despesas.

O governo pode terminar com uma melhora nos números fiscais?

O nosso cenário de médio prazo, até 2032, é de que o resultado chegaria a um superávit. O que acontece é que é um superávit ainda abaixo do necessário para estabilizar a dívida pública. Devemos chegar a um pequeno superávit em 2030 de 0,1% do PIB, sendo que o primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB é de superávit de 1,3% do PIB.

Qual a projeção para o resultado primário para o último ano do governo?

Um déficit de 0,4%.

Uma piora, portanto, em relação ao ano passado.

Na realidade, o cenário prospectivo piora por conta de uma nova estrutura de despesas primárias que não se tinha até 2022. Por exemplo: política de valorização do salário mínimo, aumento do Bolsa Família, piso para investimentos, mudança no piso da saúde e educação. Todos esses fatores dão conta de piorar a trajetória futura dos resultados fiscais se comparado com o cenário esperado no ano passado. A questão conjuntural explica um pouco, mas, de certo modo, a hipótese de que o choque de 2022 era temporário já estava no nosso cenário.

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, Vilma Pinto afirma que o cenário mais provável para a situação fiscal futura do País é uma redução obrigatória do aumento dos gastos públicos decorrente do fato de o governo não cumprir com a meta de zerar o déficit em 2024. Nesse caso, incentivos tributários e criação de cargos que impliquem crescimento de despesas, por exemplo, seriam proibidos em 2025. “O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta e acione os gatilhos para 2025.”

Vilma projeta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará seu mandato, em 2026, com o País registrando um déficit de 0,4% do PIB. Um resultado fiscal positivo, de 0,1% do PIB, só deve ocorrer em 2030, estima. Ainda assim, será insuficiente para estabilizar a relação dívida/ PIB. Para conseguir isso, o Brasil precisaria de um superávit de 1,3%.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como avalia a situação fiscal do País?

Até o ano passado, a gente vinha observando uma melhora nos indicadores fiscais. Agora, a situação é inversa. No ano passado, o resultado primário do governo central foi superavitário pela primeira vez desde 2014. Houve uma mudança na trajetória de crescimento das despesas e também vínhamos tendo uma melhora gradual nas receitas. Mas isso aconteceu com alguns indicadores importantes para a atividade econômica muito reduzidos. Investimento líquido, que é investimento descontada a depreciação do capital, do governo central é negativo. Isso significa que o que o governo investe a cada ano não é suficiente nem para cobrir a depreciação do capital. Aí, no ano passado, teve um superávit influenciado por fatores exógenos, como choque de commodities, que influenciaram as receitas do governo positivamente. Somado a isso, a gente observa, na gestão passada, alguns itens importantes de postergação de gastos. Por exemplo, a PEC dos Precatórios, que afetou positivamente a despesa no curto prazo, mas contratou um déficit fiscal para 2027.

Qual o cenário fiscal de 2023?

Neste ano, a gente observa uma reversão que tem origem na Emenda da Transição. Nela, o governo aprovou mais um ‘wave’ (perdão) para o teto de gastos. O ‘wave’ deveria ser uma permissão para o governo gastar mais por um período temporário. Mas foram ampliados gastos que geram impactos para os anos seguintes, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Não estou entrando no mérito dessa expansão, mas esse aumento de gastos criado de forma temporária para 2023 gera impactos futuros. O novo arcabouço fiscal considera esse aumento e, por isso, as despesas começam já de um nível maior. Esse aumento de despesa gera desconfiança no mercado em relação à expansão do déficit fiscal e ao aumento da relação dívida/PIB a níveis insustentáveis. Aí o governo faz uma sinalização via meta de déficit fiscal. O governo está sinalizando que está comprometido com o equilíbrio fiscal colocando nas diretrizes orçamentárias uma meta de déficit zero pro ano que vem.

Para Vilma Pinto, haverá frustração de receitas no ano que vem Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Como vê a meta?

Pelas nossas projeções, considerando os parâmetros existentes, as medidas que já foram aprovadas (para aumentar a arrecadação) e o novo patamar de gastos primários, o País não chega a esse déficit zero no ano que vem. A projeção é de déficit de 1% e, muito provavelmente, para frente, o governo também vai encontrar dificuldade (para atingir as metas estabelecidas). O governo encaminhou um Orçamento que precisava estar condicionado às diretrizes do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O que está na PLDO é que a meta de 2024 é zero. Então, ele não poderia encaminhar o Orçamento prevendo uma meta menor do que essa. Aquela peça orçamentária é o reconhecimento do governo de que o cenário não é compatível com isso. O Orçamento tem cerca de R$ 400 bilhões de despesas condicionadas. Tem uma série de propostas (para elevar a arrecadação) que dependem de aprovação do Congresso e que somam R$ 168,5 bilhões. Esse é o valor que precisa para chegar ao déficit zero, o volume de receitas que ele está contando e que ainda não existe. O governo conseguirá chegar ao déficit zero se todas as medidas que está anunciando forem aprovadas na forma como estão ali e se os valores que estão sendo projetados forem realizados nessa mesma magnitude. Por exemplo, não pode ter erosão de base tributária. É um cenário muito incerto.

Das medidas já anunciadas para aumentar a arrecadação, quanto acha factível conseguir?

Dos R$ 168,5 bilhões de medidas adicionais, estamos considerando R$ 51,9 bilhões. Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (projeto que dá ao governo a palavra final em litígios tributários que estejam empatados no julgamento do conselho de recursos fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando.

Diante desse cenário, o que pode ser feito para melhorar o quadro fiscal?

Acho que é positivo o governo se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas. Não necessariamente precisava se comprometer com um déficit fiscal zero já no ano que vem sem ter base para isso. Basicamente, por conta desse imediatismo, todo o ajuste ficou concentrado nas receitas. Então é um cenário incerto. Os desafios são grandes. Ainda não vejo como conseguir materializar esse cenário. Mesmo o governo aprovando as medidas que está anunciando, não vai conseguir chegar a esse volume de recursos pretendido. Só seria possível cumprir a meta com o sucesso das medidas anunciadas, com a possibilidade de contingenciamento, ainda que limitado a 25% do volume de discricionárias (despesas não obrigatórias), e com surpresas positivas no cenário macro, que confirmem o cenário projetado pelo governo. Mas o caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta, acione os gatilhos para 2025 e tente se comprometer ou adotar medidas que melhorem esse perfil. Nesse caso, haveria um impedimento para o aumento de algumas despesas, como proibição de incentivos tributários e de criação de cargos que resultem em crescimento de despesas.

O governo pode terminar com uma melhora nos números fiscais?

O nosso cenário de médio prazo, até 2032, é de que o resultado chegaria a um superávit. O que acontece é que é um superávit ainda abaixo do necessário para estabilizar a dívida pública. Devemos chegar a um pequeno superávit em 2030 de 0,1% do PIB, sendo que o primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB é de superávit de 1,3% do PIB.

Qual a projeção para o resultado primário para o último ano do governo?

Um déficit de 0,4%.

Uma piora, portanto, em relação ao ano passado.

Na realidade, o cenário prospectivo piora por conta de uma nova estrutura de despesas primárias que não se tinha até 2022. Por exemplo: política de valorização do salário mínimo, aumento do Bolsa Família, piso para investimentos, mudança no piso da saúde e educação. Todos esses fatores dão conta de piorar a trajetória futura dos resultados fiscais se comparado com o cenário esperado no ano passado. A questão conjuntural explica um pouco, mas, de certo modo, a hipótese de que o choque de 2022 era temporário já estava no nosso cenário.

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, Vilma Pinto afirma que o cenário mais provável para a situação fiscal futura do País é uma redução obrigatória do aumento dos gastos públicos decorrente do fato de o governo não cumprir com a meta de zerar o déficit em 2024. Nesse caso, incentivos tributários e criação de cargos que impliquem crescimento de despesas, por exemplo, seriam proibidos em 2025. “O caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta e acione os gatilhos para 2025.”

Vilma projeta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará seu mandato, em 2026, com o País registrando um déficit de 0,4% do PIB. Um resultado fiscal positivo, de 0,1% do PIB, só deve ocorrer em 2030, estima. Ainda assim, será insuficiente para estabilizar a relação dívida/ PIB. Para conseguir isso, o Brasil precisaria de um superávit de 1,3%.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como avalia a situação fiscal do País?

Até o ano passado, a gente vinha observando uma melhora nos indicadores fiscais. Agora, a situação é inversa. No ano passado, o resultado primário do governo central foi superavitário pela primeira vez desde 2014. Houve uma mudança na trajetória de crescimento das despesas e também vínhamos tendo uma melhora gradual nas receitas. Mas isso aconteceu com alguns indicadores importantes para a atividade econômica muito reduzidos. Investimento líquido, que é investimento descontada a depreciação do capital, do governo central é negativo. Isso significa que o que o governo investe a cada ano não é suficiente nem para cobrir a depreciação do capital. Aí, no ano passado, teve um superávit influenciado por fatores exógenos, como choque de commodities, que influenciaram as receitas do governo positivamente. Somado a isso, a gente observa, na gestão passada, alguns itens importantes de postergação de gastos. Por exemplo, a PEC dos Precatórios, que afetou positivamente a despesa no curto prazo, mas contratou um déficit fiscal para 2027.

Qual o cenário fiscal de 2023?

Neste ano, a gente observa uma reversão que tem origem na Emenda da Transição. Nela, o governo aprovou mais um ‘wave’ (perdão) para o teto de gastos. O ‘wave’ deveria ser uma permissão para o governo gastar mais por um período temporário. Mas foram ampliados gastos que geram impactos para os anos seguintes, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Não estou entrando no mérito dessa expansão, mas esse aumento de gastos criado de forma temporária para 2023 gera impactos futuros. O novo arcabouço fiscal considera esse aumento e, por isso, as despesas começam já de um nível maior. Esse aumento de despesa gera desconfiança no mercado em relação à expansão do déficit fiscal e ao aumento da relação dívida/PIB a níveis insustentáveis. Aí o governo faz uma sinalização via meta de déficit fiscal. O governo está sinalizando que está comprometido com o equilíbrio fiscal colocando nas diretrizes orçamentárias uma meta de déficit zero pro ano que vem.

Para Vilma Pinto, haverá frustração de receitas no ano que vem Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Como vê a meta?

Pelas nossas projeções, considerando os parâmetros existentes, as medidas que já foram aprovadas (para aumentar a arrecadação) e o novo patamar de gastos primários, o País não chega a esse déficit zero no ano que vem. A projeção é de déficit de 1% e, muito provavelmente, para frente, o governo também vai encontrar dificuldade (para atingir as metas estabelecidas). O governo encaminhou um Orçamento que precisava estar condicionado às diretrizes do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O que está na PLDO é que a meta de 2024 é zero. Então, ele não poderia encaminhar o Orçamento prevendo uma meta menor do que essa. Aquela peça orçamentária é o reconhecimento do governo de que o cenário não é compatível com isso. O Orçamento tem cerca de R$ 400 bilhões de despesas condicionadas. Tem uma série de propostas (para elevar a arrecadação) que dependem de aprovação do Congresso e que somam R$ 168,5 bilhões. Esse é o valor que precisa para chegar ao déficit zero, o volume de receitas que ele está contando e que ainda não existe. O governo conseguirá chegar ao déficit zero se todas as medidas que está anunciando forem aprovadas na forma como estão ali e se os valores que estão sendo projetados forem realizados nessa mesma magnitude. Por exemplo, não pode ter erosão de base tributária. É um cenário muito incerto.

Das medidas já anunciadas para aumentar a arrecadação, quanto acha factível conseguir?

Dos R$ 168,5 bilhões de medidas adicionais, estamos considerando R$ 51,9 bilhões. Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (projeto que dá ao governo a palavra final em litígios tributários que estejam empatados no julgamento do conselho de recursos fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando.

Diante desse cenário, o que pode ser feito para melhorar o quadro fiscal?

Acho que é positivo o governo se comprometer com a sustentabilidade das contas públicas. Não necessariamente precisava se comprometer com um déficit fiscal zero já no ano que vem sem ter base para isso. Basicamente, por conta desse imediatismo, todo o ajuste ficou concentrado nas receitas. Então é um cenário incerto. Os desafios são grandes. Ainda não vejo como conseguir materializar esse cenário. Mesmo o governo aprovando as medidas que está anunciando, não vai conseguir chegar a esse volume de recursos pretendido. Só seria possível cumprir a meta com o sucesso das medidas anunciadas, com a possibilidade de contingenciamento, ainda que limitado a 25% do volume de discricionárias (despesas não obrigatórias), e com surpresas positivas no cenário macro, que confirmem o cenário projetado pelo governo. Mas o caminho mais provável é que o governo anuncie que não cumpriu a meta, acione os gatilhos para 2025 e tente se comprometer ou adotar medidas que melhorem esse perfil. Nesse caso, haveria um impedimento para o aumento de algumas despesas, como proibição de incentivos tributários e de criação de cargos que resultem em crescimento de despesas.

O governo pode terminar com uma melhora nos números fiscais?

O nosso cenário de médio prazo, até 2032, é de que o resultado chegaria a um superávit. O que acontece é que é um superávit ainda abaixo do necessário para estabilizar a dívida pública. Devemos chegar a um pequeno superávit em 2030 de 0,1% do PIB, sendo que o primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB é de superávit de 1,3% do PIB.

Qual a projeção para o resultado primário para o último ano do governo?

Um déficit de 0,4%.

Uma piora, portanto, em relação ao ano passado.

Na realidade, o cenário prospectivo piora por conta de uma nova estrutura de despesas primárias que não se tinha até 2022. Por exemplo: política de valorização do salário mínimo, aumento do Bolsa Família, piso para investimentos, mudança no piso da saúde e educação. Todos esses fatores dão conta de piorar a trajetória futura dos resultados fiscais se comparado com o cenário esperado no ano passado. A questão conjuntural explica um pouco, mas, de certo modo, a hipótese de que o choque de 2022 era temporário já estava no nosso cenário.

Entrevista por Luciana Dyniewicz

Repórter de Economia & Negócios. Formada em jornalismo pela UFSC e em ciências econômicas pela PUC-SP. Vencedora dos prêmios Citi Journalistic Excellence, Boeing Abear de Jornalismo e CNT de Jornalismo na categoria meio ambiente. Bolsista do World Press Institute (WPI) em 2024.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.