SÃO PAULO - Quase um terço dos municípios de São Paulo trocou os livros didáticos distribuídos pelo governo federal pelos modelos apostilados dos sistemas de ensino privado. Um estudo feito pela ONG Ação Educativa e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Greppe) identificou que, em 2013, 339 municípios brasileiros adotaram esses sistemas – 159 deles em São Paulo. Em 2015, o número no Estado subiu para 182 das 645 cidades paulistas.
Além do material usado em sala, os sistemas oferecem serviços como assessoria pedagógica, capacitação dos professores e avaliações externas. O apoio técnico e a utilização desses sistemas por escolas particulares são apontados por esses municípios como os principais fatores para o investimento que, segundo o estudo, consome entre 2% e 6% do orçamento previsto para a educação.
Barretos adotou há dois anos o sistema de ensino Anglo, com o custo de R$ 2,4 milhões por ano – o equivalente a 6% de seu orçamento para educação. “É um comprometimento alto do orçamento, mas avaliamos que é um valor pequeno se pensarmos que os alunos da escola pública terão acesso ao material que as melhores escolas particulares de Barretos usam. Isso dá motivação para o aluno”, disse Aparecido Donizete Cipriano, secretário de Educação do município.
A análise dos pesquisadores é de que, embora pareça pouco, o gasto com os sistemas privados pode reduzir a capacidade de novos investimentos dos municípios, como por exemplo na ampliação de vagas na educação infantil e na infraestrutura das escolas. Barretos tem cerca de 700 crianças de 0 a 3 anos que esperam por uma vaga na educação infantil.
“Estamos ampliando e construindo novos centros de educação infantil e devemos zerar essa demanda até o fim do ano. Poderíamos já ter feito isso, se não tivéssemos investido no sistema privado? Talvez. Mas educação não é só abrir vagas, é também, e sobretudo, garantir qualidade”, disse Cipriano.
Livro didático. Apesar de 339 municípios adotarem o sistema no País, só 114 – 87 deles em São Paulo – suspenderam ou cancelaram a participação no Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O que significa que a maioria das cidades que adotaram o sistema privado estaria recebendo duas vezes material didático para ser usado em sala de aula.
Dos cinco maiores grupos que vendem sistemas de ensino privado no Brasil, quatro também participam do PNLD. “O que acontece é um baita desperdício de recurso público, porque o município paga por um material que ele já recebia do governo federal sem nenhum custo ou então ele recebe duas vezes o mesmo material, que é pago duas vezes pelo erário”, afirmou Salomão Ximenes, coordenador do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos responsáveis pelo estudo.
O comprometimento do orçamento da educação é apontado por José Roberto Chiavegato, secretário de Educação de Jaguariúna, como um dos motivos para querer suspender a utilização do sistema no município, adotado em 2010, sob outra gestão. “Compromete 4% do nosso orçamento, com um material que tira a autonomia do professor. Estamos em uma saia-justa, porque fizeram a população acreditar que com esse material teríamos um ensino público igual ao privado.” Ele também disse que, não fosse o gasto com o sistema – de R$ 2 milhões ao ano –, já teria sido possível zerar a fila de 200 crianças que hoje esperam por uma vaga na educação infantil.
Márcia Aparecida Farias, de 41 anos, mudou de São Paulo para Jaguariúna há três anos e a filha, hoje com 8 anos, deixou de estudar em escola particular para ir para a rede municipal. “Eu ia colocá-la na escola privada, mas, quando vi que as escolas públicas daqui usavam os mesmos materiais das escolas particulares da capital, decidi que iria tentar. E não me arrependi, a escola é ótima.”
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Na rede particular, aposta é em aula 'customizada'
Enquanto as redes municipais têm adotado sistemas de ensino apostilados, as escolas particulares tradicionais de São Paulo apostam nos livros didáticos que tenham recursos extras audiovisuais e tecnológicos – e em materiais produzidos pelos próprios professores.
Cristina Assumpção, coordenadora de conteúdos tecnológicos do Colégio Bandeirantes, na zona sul da capital paulista, disse que a maioria dos professores produz material extra no ambiente virtual adotado, uma vez que os livros didáticos encontrados no mercado nem sempre atendem à especialização que a escola procura dar aos seus alunos. “Assim, o professor também tem mais flexibilidade para dar aula e se sente mais valorizado por ter uma autonomia sobre o conteúdo que vai dar.”
No Colégio Dante Alighieri, na região central paulistana, as apostilas dos sistemas privados só são usadas no fim do 3º ano do ensino médio. “Como é um período de revisão, esse material facilita a organização do aluno. Mas, para as demais séries, não vemos como vantagem, uma vez que é melhor o professor ter liberdade para customizar sua aula para cada série”, disse Silvana Leporace, diretora do colégio.