O tempo que foi destinado a discutir uma proposta de educação no último debate entre os presidenciáveis foi de 1 minuto e 52 segundos, como tabulou o Estadão. Ao serem questionados sobre o que fariam para recuperar o déficit na aprendizagem por causa da pandemia, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou durante 1 minuto e meio sobre reunir governadores, ter um mutirão de professores. E Jair Bolsonaro (PL), em 22 segundos, deu a entender que a solução para as crianças que não aprenderam a ler e escrever é um aplicativo de celular.
A educação finalmente entrou na campanha, de um jeito bem torto, mas entrou. A população quis saber o que era o tal Graphogame citado como algo milagroso. Fomos chamados a pensar sobre a alfabetização das crianças. “Estamos alfabetizando em 6 meses”, disse Bolsonaro. Segundo ele, já estaria inclusive acontecendo, não se tratava de promessa.
Será? O MEC contratou, sem licitação, uma universidade privada para traduzir para o português o Graphogame e o lançou no fim de 2020. Quase um ano depois (o dobro dos 6 meses citados por Bolsonaro), o próprio MEC aplicou a prova nacional para avaliar a alfabetização das crianças e os resultados foram catastróficos. Passou de 15% para 34% o índice de crianças de 7 anos nos níveis mais baixos de leitura e escrita, ou seja, que não conseguem relacionar o som de uma letra ao seu formato escrito.
Claro que a culpa não é do Graphogame. Apesar de especialistas questionarem a qualidade do aplicativo escolhido pelo governo, que faz as crianças jogarem bombas de canhão nas letras, ele é apenas um app. E uma ferramenta digital não alfabetiza crianças. Quem alfabetiza é o professor e a professora.
O governo Bolsonaro não fez nenhuma formação para que os professores soubessem usar o aplicativo em sala de aula e justificou que isso não era necessário “por ser um jogo fácil”. Se não bastasse a obviedade de que crianças de 6 anos não devem ser deixadas sozinhas com um celular, um estudo de pesquisadores noruegueses sobre o Graphogame, publicado em uma das mais importante revistas de alfabetização do mundo, mostrou que não há nenhum efeito na aprendizagem quando ele é usado sem a mediação de um professor.
Não é possível separar a tecnologia da educação. Se tiver qualidade, se os professores forem formados para usá-lo, se ele se somar aos livros e a outros recursos essenciais para que uma criança aprenda a ler e a escrever, um aplicativo é bem-vindo. Mas um joguinho de letras não pode ser política pública de educação no Brasil e em nenhum lugar do mundo.