Medo, frustração e sensação de impotência. A semana que começou com a morte de uma professora por um aluno de 13 anos terminou para os docentes das escolas estaduais de São Paulo sem caminhos claros para evitar que a tragédia se repita. “A gente se sente de mãos atadas”, diz uma professora de Biologia da rede, que trabalha na zona norte da capital, mas pediu para não ter seu nome publicado. “Tenho muita frustração por não conseguir educar, ensinar nossos alunos a serem pessoas melhores, a viverem em sociedade.”
Outra coordenadora de uma escola na zona leste fala da dificuldade para tratar o tema do ataque à escola por falta de formação. “Falta alguém para direcionar o que temos que fazer, que tipo de dinâmica? E se eu abro uma roda de conversa e isso vira um gatilho?” questiona.
Com medo, depois do ataque à Escola Thomazia Montoro na segunda-feira passada, a profissional, que trabalha há mais de 20 anos com adolescentes, diz que gostaria de voltar a ensinar apenas crianças. Colegas falam em adiantar a aposentadoria que estava sendo protelada.
“Desde a pandemia, os problemas de saúde mental só pioram, todo dia tenho um aluno em crise, menino tremendo, taquicardia, aí você fala para procurar o SUS, não tem vaga” completa ela, que também pediu anonimato por medo de represália.
Estudos feitos pelo Instituto Ayrton Senna, divulgados no ano passado, mostraram que 69% dos alunos tinham sintomas de ansiedade ou depressão na rede estadual paulista. Dados de pesquisas internacionais indicam alto índice de doenças psiquiátricas entre adolescentes, uma delas fala em prevalência de um em cada oito estudantes do Brasil.
Na semana passada, após o ataque à escola da Vila Sônia, muitas escolas ouvidas pelo Estadão passaram a mapear estudantes com perfil agressivo ou isolado, numa tentativa de prevenção.
“A gente levantou o nome de crianças que se isolam, que ficam no canto, usam blusa no calor, criou um olhar para detectar problemas”, diz a professora de História Janaína de Paula, que dá aulas numa escola estadual em São Mateus, zona leste.
“Em reunião, eu falei para começarmos focar nesses alunos mais apáticos, que se excluem de tudo e todos. Fica esse clima de medo, como se todo mundo fosse suspeito”, completa a coordenadora que atua na zona leste.
Em outra escola, pais foram chamados com urgência para discutir a situação do filho. Mas profissionais contam que muitas vezes enfrentam dificuldades com famílias que não levam crianças e adolescentes para tratamento. “Tem mãe que é sozinha e diz: ou trabalho para botar comida no prato ou levo ele para psicólogo”, completa a coordenadora.
E quando o fazem, há demora. “O que pode acontecer nesse tempo? O professor virou psicólogo, psiquiatra, conselheiro tutelar”, diz o coordenador de uma escola de Mauá, na Grande São Paulo, André Sapanos. “É muita apreensão, você sente que cada vez chega mais próximo”, completa, sobre o ataque à escola.
André Sapanos, coordenador de escola em Mauá
Segundo a polícia, o adolescente que matou a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, a facadas, havia sido encaminhado para um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas não houve continuidade do tratamento. Procurada, a secretaria municipal de Saúde diz que o “tempo e a proposta de atendimento podem variar de acordo com a especificidade do caso ou da situação”. E que “as equipes também fazem busca ativa dos pacientes faltosos”.
Governo diz ter iniciado processo para contratar 150 mil horas de atendimento presencial de psicólogos
Durante a pandemia, a secretaria da educação contratou uma empresa que fornecia sessões com psicólogos online. Professores reclamam que os atendimentos eram feitos com a sala toda, sem frequência definida e pouco efetivos. A gestão atual também não avaliou bem o programa e encerrou o serviço em 25 de fevereiro.
Segundo o governo de São Paulo, já foram iniciados os processos para contratar 150 mil horas de psicólogos que atenderão de forma presencial. A previsão é que a licitação acabe em abril e, por enquanto, as escolas são recomendadas a encaminhar alunos para os serviços de saúde.
Em nota, a secretaria da educação também afirmou que vai aumentar de 500 para 5 mil educadores no programa Conviva, com foco na convivência escolar, dando “formação para identificar vulnerabilidades”. Disse ainda que vai modernizar o registro de ocorrências nas escolas estaduais, “de forma que todos os casos sejam facilmente identificados e a equipe central do Conviva possa intervir com maior celeridade”.
A gerente de projetos do Edulab 21, Ana Carla Crispim, que faz pesquisas sobre saúde mental nas escolas no Instituto Ayrton Senna, diz que a situação requer um trabalho intersetorial, tanto dos governos quanto nas equipes escolares. “Não existe uma solução única, é preciso ter ações preventivas, remediativas, na saúde e na educação”, afirma.
Ana Carla Crispim, gerente de projetos do Edulab 21
“O professor é quem mais entende da pessoa daquela idade, estão muito perto. Ao dar informações corretas para que ele possa agir, você o empodera”, diz o psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Instituto Ame a Sua Mente, Rodrigo Bressan.
A ONG faz formação com professores de escolas públicas do País sobre saúde mental. Para ele, quem trabalha nas redes de ensino deve ficar atento aos jovens que demonstram agressividade, isolamento, desafiam muito a autoridade do adulto e não conseguem se posicionar como alunos. “O professor, quando identifica, precisa dividir com a diretora, planejar a estratégia para o encaminhamento, chamar os pais.”
Ele ainda lembra que o trabalho de mediação de conflitos e convivência ética tem que ser constante. A diretora da Escola Estadual Olga Benatti, na Vila Prudente, Marcia Guerrise, disse que também viu os pais e professores muito apreensivos na semana passada. Mas a experiência que a equipe já tinha em lidar com saúde mental, adquirida por meio de formações e parcerias com ONGs e universidades desde 2018, fez com que agisse rápido.
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“Paramos a primeira aula do dia, os professores se reuniram com grupos de 15 alunos e discutimos a importância de falar, de ver o adulto e o colega como seu apoio. Disparamos perguntas para eles se colocarem, com desenhos, frases, textos”, conta a diretora.
Outras atividades de escuta foram feitas só com os professores. A escola tem também uma disciplina eletiva que discute emoções e um laboratório de não violência, organizado em parceria pela Unifesp. “Claro que não é perfeito, mas agora não agimos mais só com senso comum. O professor se sente mais fortalecido.”
O assunto também apareceu em escolas particulares. Após o ataque, o Centro Educacional Pioneiro, na Vila Clementino, resolveu fazer atividades com alunos do 7º e 8º anos dentro de uma disciplina que já existe no currículo, chamada de convivência ética. “Os professores acolheram os questionamentos dos estudantes e falaram não só sobre o que aconteceu, mas com reflexões, sobre os sentimentos, possíveis causas e consequências”, conta a diretora Irma Akamine Hiray.
Ela fala da importância de ajudar as famílias a entender que a escola não pode se preocupar apenas com as questões de performance acadêmica. “A escola é um espaço público, de convivência social, precisamos cuidar das questões sobre como viver em sociedade.”