BRASÍLIA- Prestes a publicar um decreto para modificar as regras na educação a distância no Brasil, o ministro da Educação, Camilo Santana, não economiza palavras para dar seu diagnóstico sobre a modalidade. Em entrevista ao Estadão, na última quarta-feira, 27, o gestor foi taxativo: “Infelizmente, o que aconteceu foi que abriram as porteiras”, diz ele sobre a criação desenfreada de novos cursos.
Nos últimos dez anos, o número de novos cursos cresceu 700%, segundo o Censo da Educação Superior do governo. Na esteira da explosão da oferta, o Ministério da Educação (MEC) começou a desenhar novas regras para regular o mercado, que devem vir a público em dezembro.
Santana afirma que apesar dos “aventureiros” que oferecem opções sem qualidade, há mantenedoras sérias no setor privado, e aposta no diálogo para chegar ao melhor formato. Segundo ele, o MEC prepara uma categorização de qual curso poderá ser ofertado em cada uma das modalidades estudadas: a distância, presencial e semi-presencial, como mostrou o Estadão.
No semipresencial, o MEC quer fixar um número de aulas síncronas, ou seja, em tempo real. A ideia é ter um limite de 50 alunos nessas atividades “para possibilitar maior interação pedagógica”. No EAD, a pasta prevê exigir a aplicação de provas presenciais a cada 10 semanas a partir da finalização de cada unidade curricular.
O ministro criticou aa liberação das apostas online no País, que classificou como um “grande equívoco”, e defendeu a regulação das propagandas das bets. Para ele, o vício nesses jogos é uma “grande preocupação”. Relata ainda que não recebeu informações sobre o uso do Pé-de-meia em apostas por parte dos estudantes, mas garante que o programa será avaliado no próximo ano.
O ministro criticou ainda a liberação das apostas online no País, que classificou como “grande equívoco”, e defendeu a regulação das propagandas das bets. Para ele, o vício nesses jogos de apostas esportivas é uma “grande preocupação”.
Relata ainda que não recebeu informações sobre o uso do Pé-de-Meia (programa de bolsas a alunos de ensino médio com o objetivo de reduzir a evasão) em apostas, mas diz que os resultados da medida serão avaliados no próximo ano.
Leia os principais trechos da entrevista:
O senhor afirmou que o MEC pretende criar um “Mais Médicos” para professores. O programa será destinado a professores de que etapa da educação básica? Quando será lançado?
Estou pedindo agenda do presidente para que possamos anunciar. Nossa ideia é estimular que as pessoas ingressem nos cursos de licenciatura. E para isso vamos criar uma bolsa. Ele (aluno) vai saber que desde o dia que entrar na universidade terá apoio do governo federal. É claro que terão de ser alunos de uma nota no corte do Enem (de um bom) nível. A gente quer bons alunos na licenciatura. Da mesma forma que hoje faltam médicos em determinada região ou município, falta também professor. O Mais Médicos tem uma diferença, porque o governo paga tudo. No caso do professor, ele será pago com o salário do piso no município e receberá a complementação como estímulo para que possa ir para determinada região.
Quantas bolsas serão dadas e qual o valor? Qual será o custo total do programa?
Tenho que deixar alguma coisa para a gente anunciar no dia. Mas a gente já tem quantas bolsas vão ser para 2025, 2026. Tanto no programa de atração de novos professores como também nesse “Mais Professores” (O piso nacional da carreira docente, para jornada de ao menos 40 horas semanais, é de R$ 4.580,57).
Quantas bolsas serão no próximo ano?
Daqui uns dias eu digo.
Nesse momento o governo está fazendo uma contenção dos gastos. De onde sairá o dinheiro? Tem orçamento para fazer isso tudo?
Todos os programas que têm sido prioritários e que são planejados estão garantidos não só pelo presidente, mas também pela área de orçamento e planejamento do governo. A gente já vinha trabalhando nisso e está contemplado dentro do próprio orçamento do MEC, que já está no Congresso para ser aprovado.
Vai ter uma complementação orçamentária para o MEC por conta disso?
Vamos ter o crescimento do orçamento que estava previsto. Com esse crescimento, fizemos todos os ajustes necessários. O grande desafio hoje do Brasil é quando olhamos o valor per capita investido por aluno/ano no Brasil na educação básica é um terço dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto no ensino superior, já é o (mesmo) valor dos países da OCDE.
A educação é uma área que sempre está nos pacotes de corte de gastos e isso não ocorreu desta vez. Qual foi sua estratégia para garantir que a pasta não fosse alvo?
Sempre olham para Educação e Saúde porque são os ministérios com maior orçamento. Mas também é um compromisso do presidente, que sempre colocou a educação como prioridade. Governar é fazer escolhas. Nenhum governo conseguira fazer tudo, até porque há limitações de recursos e necessidade de garantir o equilíbrio das contas. Ninguém consegue fazer entrega se o Estado ou o País não está equilibrado com suas contas. Às vezes, o líder tem de fazer escolhas. E para o presidente Lula sempre foi uma escolha muito clara colocar a educação como prioridade dos seus governos.
O corte de gastos pode prejudicar a popularidade do presidente?
O objetivo é garantir que o País possa continuar crescendo, gerando oportunidade de emprego, melhorando a renda das pessoas, que é o que tem acontecido nos últimos dois anos. O objetivo de qualquer anúncio será manter o País nesse ritmo de crescimento e isso vai possibilitar novos investimentos na educação, na saúde, segurança.
Essa é uma visão difundida dentro do PT? Houve muita resistência a essa discussão sobre a contenção de despesas.
Eu não participei (das conversas no PT). O que estou entendendo do anúncio não é contenção de despesa é controlar o ritmo de crescimento (da despesa). É uma preocupação para não criar desequilíbrio ou desestabilidade na economia do País.
Uma das críticas ao governo Lula é que há reedição de iniciativas do passado, como políticas de transferência de renda. Sobre o próprio Pé-de-Meia, havia a percepção de que era semelhante ao Bolsa Família. Como as políticas do governo podem acompanhar a mudança de percepção da população?
Precisamos ter dados para avaliar isso. O Pé-de-Meia não é um programa de transferência de renda. Infelizmente em um País desigual e injusto, como é o Brasil ainda, muita gente sai da escola porque tem de trabalhar, manter a família, cuidar do irmãozinho porque não tem creche. O objetivo do Pé-de-Meia é dizer: muito mais barato um País investir agora nesse jovem para que permaneça na escola do que daqui a cinco, dez anos, investir em segurança, em presídios. É uma experiência que não foi criada só aqui; outros países usaram essa experiência, até países ricos, para garantir que as pessoas concluíssem seus estudos. Por que o governo retomou muitos programas? Porque foram importantes na história do Brasil recente e tinham sido interrompidos. Como um País que superou a fome volta ao mapa da fome? Como resolver o problema da fome no Brasil? Transferindo renda, não tem outra (opção). Por isso que amplia o Bolsa Família. Então, foi reorganizar um pouco de tudo que tinha sido criado e desmontado. Vamos avaliar o Pé-de-Meia no ano que vem para saber se conseguimos reduzir a evasão, se a meninada voltou para a sala de aula. Se aumentou a aprovação. Isso é garantir eficiência no gasto público e retorno à sociedade.
O MEC está sendo criticado pelo setor privado por causa das mudanças que quer fazer na educação a distância. Por exemplo, a limitação do número de alunos no ensino semipresencial e a exigência de maior estrutura nos polos, o que poderia encarecer as mensalidades. Como o MEC vai contornar esses pontos apresentados pelo setor?
A gente quer regulamentar. Infelizmente, o que aconteceu foi que abriram as porteiras. Ninguém é contra o ensino a distância. Agora precisamos garantir a qualidade. A percepção que tenho é que eles compreendem também. Tem os aventureiros que entram no setor, mas tem as pessoas que querem fazer com seriedade. Vamos construir com diálogo, ouvindo, mas sendo firmes em dizer que não vamos aceitar esses cursos da forma que tem sido ofertado no Brasil, sem controle de qualidade. Aquilo que puder ser feito totalmente a distância, ok. Aquilo que precisa ser feito de forma híbrida, ok. Aquilo que precisa ser feito 100% presencial, ok. É isso que queremos regular. Nossa meta é, no fim de ano, encerrar (a tramitação) e já implementar a partir do próximo ano.
O MEC está desenhando alguma categorização de quais cursos entrarão em quais modalidades?
Sim.
O senhor pode dar um panorama? A tendência é que a saúde entre em semipresencial?
Ouvimos os mais competentes profissionais, estamos ouvindo agora o Conselho Nacional de Educação, entidades, instituições. A partir daí, você cria as condicionalidades para cada curso. Em determinado curso de saúde, pode funcionar 50% híbrido, como foi definido parA a licenciatura. A ideia é definir uma modalidade, para que a gente possa oficializar isso como mecanismo para aprovação de novos cursos, novas vagas. Vai ter um período de adaptação. Não vai causar nenhum prejuízo, porque tem muita vaga ociosa.
O Supremo Tribunal Federal liberou o ensino cívico militar nas escolas de São Paulo. O que acha da decisão?
Como o País é federativo e tem as autonomias dos Estados e municípios, eles podem criar os modelos, respeitando as diretrizes nacionais curriculares. Respeito a decisão, apesar de não acreditar que esse é o caminho para a educação de qualidade que nós queremos para o país.
O senhor teme um movimento de outros Estados aderirem a uma política que não é do ministério a partir disso?
Já tem. (É preciso) mostrar que o período em que o ministério procurou induzir essa política foi um fracasso. Acreditamos na escola de tempo integral, que é a escola de vários países do mundo, na França, nos Estados Unidos. Olhar para o projeto de vida do aluno, o aluno passar o dia na escola, fazer refeições, praticar esportes. A escola que constrói o projeto da vida das pessoas, não a escola que você vai só para aprender Matemática e Português. Tem uma série de outros elementos na formação humana dessas pessoas. Não que eu seja contra as escolas militares. Elas existem, mas para servir filhos de militares, sejam estaduais, federais, os que querem seguir a carreira militar. São perfis diferentes.
A Comissão de Educação da Câmara aprovou o projeto de lei da restrição dos celulares, mas ele está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O MEC quer a aprovação ainda neste ano para entrar em vigor no ano que vem?
Espero que a gente possa aprovar na Constituição e Justiça. Não vai precisar ir para o plenário, vai direto para o Senado. Já conversei com o (presidente do Senado) Rodrigo Pacheco para quando chegar lá poder agilizar. Não é proibir, é limitar o uso. O professor vai dar uma aula que vai precisar usar celular? Ok, todo mundo vai usar. A ideia é não poder levar para escola até os anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º). A partir dos anos finais do fundamental (6º ao 9º), pode levar, mas usar só com fins pedagógicos por orientação do professor. Há consenso em relação a isso, até com deputados de oposição. Espero que possamos fazer isso ainda esse ano e a partir do ano que vem tomarmos as medidas necessárias em todas as escolas.
Houve preocupação do Ministério do Desenvolvimento Social com o possível uso do Bolsa Família para fazer apostas nas bets. O MEC monitora isso no Pé-de-Meia?
Foi um grande equívoco o Brasil ter aprovado essas bets. Na televisão, é o dia todo de propaganda. Precisa, primeiro, regular mais a propaganda das bets. Ouvi muito essa coisa do Bolsa Família, mas do Pé-de-Meia não chegou, pelo menos até agora.