Ataques a escolas: ‘É urgente a contratação de mediadores de conflitos’, diz especialista


Pesquisadora da Unicamp destaca que é preciso reforçar medidas preventivas, principalmente identificando possíveis agressores

Por Giovanna Castro
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal/Simone de Melo
Entrevista comSimone de Meloespecialista em violência nas escolas

O ataque a tiros na Escola Estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo, dias depois de um atentado contra alunos de um colégio de Poços de Caldas, em Minas Gerais, mostrou que o problema da violência nas escolas brasileiras está longe de ser solucionado. Só neste ano, já foram nove ataques, um recorde histórico.

Para Simone de Melo, especialista em violência em escolas e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) e do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Crítica Social (GEPECS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso reforçar medidas preventivas contra esse tipo de ataque, principalmente identificando possíveis agressores, agindo de forma a mediar conflitos e promovendo a saúde mental na comunidade escolar. A maioria dos ataques é feita por alunos ou ex-alunos que sofrem ou já sofreram bullying.

Uma das principais medidas do governo do Estado de São Paulo no início deste ano para tentar diminuir a violência nas escolas foi justamente a contratação de psicólogos. No entanto, o número seria “insuficiente”: cerca de 500 profissionais para atender a quase 6 mil escolas.

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Por essa disparidade nos números, em muitas escolas, os psicólogos têm realizado apenas palestras, sem promover um acompanhamento próximo e contínuo, como deveriam, na opinião de Simone. A especialista acredita ainda que a contratação de professores mediadores de conflitos, anunciada para começar só no ano que vem, é “urgente” e deve ser feita de forma abrangente.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), admitiu falhas na segurança da rede estadual. Também prometeu contratar mais psicólogos - o poder estadual afirma ter contratado 500 desde abril - e estuda a entrada de profissionais de segurança privada para atuação na rede estadual, promessa que já havia sido feita nos últimos meses.

Ataque na zona leste de SP deixou aluna morta nesta segunda-feira Foto: Taba Benedicto/Estadão
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Você considera suficiente o número de psicólogos contratados pelo governo do Estado para atender às escolas? De que forma esses profissionais deveriam atuar na comunidade escolar?

Acho o número de profissionais de psicologia contratados insuficiente para a quantidade de escolas do Estado. Cada escola tem sua característica, seu contexto, por isso, o trabalho em cada uma delas precisa ser específico para aquela comunidade – lembrando que o papel do psicólogo escolar não é de fazer psicoterapia, atendendo casos isolados de alunos, mas sim de fazer um trabalho coletivo dentro da escola.

Quando houver uma percepção de que um aluno precisa fazer psicoterapia, de um acompanhamento individual, esse profissional pode encaminhá-lo para a rede de apoio (com psicólogos particulares ou do SUS). Mas o papel do psicólogo escolar é ajudar que os professores, gestores e funcionários façam um trabalho coletivo (de saúde mental). É pensar como a escola deve organizar e promover espaços de diálogo, além de uma linguagem comum para resolver conflitos.

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É importante que exista um trabalho coeso neste sentido, em toda a instituição, para que o estudante entenda qual é a linha seguida na escola. Se não tem condições de colocar um psicólogo em cada escola, então que aconteça uma organização de um para cada grupo de quatro escolas. Então, o profissional vai até cada uma das escolas e organiza, com cada comunidade escolar, como vai ser desenvolvido esse trabalho ali.

Qual a importância dos professores mediadores? Você acha que esses profissionais deveriam ser contratados mais rapidamente, visto a situação crítica nas escolas?

Como eu expliquei anteriormente, é importante que tenha o psicólogo escolar (que pode ser compartilhado entre poucas escolas) para organizar a questão mais coletiva. Já este outro profissional, que pode ser um professor mediador ou de convivência, deve ficar sempre na mesma escola. Ele é um profissional que tem um papel importante de atuação, especificamente, na mediação de conflitos.

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Toda escola é recheada de conflitos e como os estudantes estão em processo de desenvolvimento, nem sempre eles sabem lidar com esses conflitos. Por isso a importância dessa pessoa que passa por uma formação específica para atuar nesse tipo de situação. Ela deve estar em parceria constante com professores, recebendo encaminhamentos.

Na nossa concepção (de estudiosos do assunto), é um profissional importante e urgente, pois passa segurança para o jovem, que saberá a quem recorrer e com quem conversar quando estiver em meio a uma situação delicada. Nós vemos experiências positivas sobre a atuação deste profissional em escolas, tanto no Brasil, quanto fora do País. O mediador escuta as duas partes, dando aos dois o espaço para falar e aprender a ouvir o outro – geralmente, o conflito se dá porque uma das partes não é escutada.

Como lidar com o bullying, um dos principais fatores que levam a atentados a escolas?

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Existem vários tipos de problemas de convivência na escola. Temos situações de desentendimento entre alunos, em que eles têm condição de, naquele momento ou no dia seguinte, já marcarem uma mediação de conflitos e resolverem, até situações mais complexas, como o bullying, que é um problema de convivência também, mas que se caracteriza por uma situação de violência recorrente, não por um ato isolado.

O bullying é quando, todos os dias, o aluno fica receoso de sair de casa, porque ele sabe que aquela violência vai acontecer novamente. Muitas vezes, ele acontece na frente de outras pessoas, então isso o diminui aos olhos dos outros, ele se sente menor.

É um problema mais delicado, que precisa de outros protocolos de atuação, assim como casos de racismo, que também é uma questão mais coletiva e estrutural. O profissional que vai atuar na mediação de conflitos precisa passar por uma formação para entender desses diferentes tipos de conflitos que podem acontecer dentro da escola e dar a assistência correta aos alunos. São trabalhos de mais longo prazo, focados no que chamamos de “promoção da convivência”.

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Sempre que novos casos de violência acontecem, alguns pais pedem mais segurança física dentro da escola, como câmeras e revistas na entrada. A curto prazo, essas medidas podem ser importantes para conter a onda de atentados?

Entendo que a sociedade clama por essa segurança que a gente pode “ver”. Entendo que é importante a gente cuidar disso para trazer essa sensação de segurança que a família solicita. Acho que é sim importante ter um guarda na porta da escola, atento, instruído sobre como avisar a polícia rapidamente caso algo aconteça. Mas o que percebemos nas leituras que temos feito, é que isso não resolve o problema.

(Esse tipo de ataque) é algo muito recente no Brasil, então a gente tem recorrido à literatura internacional quando trata desse assunto, principalmente dos Estados Unidos, que é um exemplo forte disso, apesar de ser um País muito diferente do nosso. Eles investem muito em segurança. Existe um levantamento que mostra que 80% das escolas (dos Estados Unidos) têm câmeras, 70% têm policiais, 20% têm cães farejadores e 10% têm detectores de metal.

Nesse mesmo estudo, foram analisados se esses aspectos aumentam a segurança nessas escolas, se evitam um ataque violento – lembrando que, lá, eles têm muitos ataques com arma de fogo. Por fim, a pesquisa indica que essas coisas não impedem. Inclusive, a depender da localização da escola, a incidência de morte é quase três vezes maior nas escolas que têm policiais.

O que a gente percebe é que as características desses meninos (que cometem os ataques) é de alguém que busca uma atenção que eles não têm. Além disso, eles não têm perspectiva de vida, então, se arriscam muito ao entrar dentro da escola portando a arma. Uma outra literatura aponta que mesmo tendo detector de metais, eles conseguem adentrar com a arma.

Outro aspecto a ser considerado é que, por exemplo, a gente saiu recentemente de uma escola de Poços de Caldas (MG) que tem 1.500 alunos. É inviável, né? A gente pode perceber isso pelos aeroportos, quanto formam fila para passar por um detector de metal. Se apita, você tem que voltar e passar tudo de novo. Então, para uma escola é totalmente inviável esse tipo de trabalho, tanto de detector de metais, quanto de revista.

Essa alta ocorrência de atentados nos últimos anos pode ser um efeito manada? Como frear com isso? O que já tem sido feito é suficiente?

Acredito que sim (pode ser um efeito manada). Quando a gente voltou de Poços de Caldas na semana passada, estávamos justamente falando dessa preocupação, sobre o quanto isso pode encorajar quem está planejando ou tem uma intenção de fazer (um ataque). É por isso que eu fico receosa diante desse acontecimento agora em São Paulo, porque acaba dando mais repercussão. Foi com arma de fogo, muitas equipes de televisão acabaram filmando a escola... Eu acho que está havendo mais cuidado em relação ao noticiamento e que isso tem sido importante, mas sinto que neste novo caso, está havendo mais repercussão, então fico com bastante receio desse efeito manada.

Acho que todos os cuidados precisam ser tomados nos diferentes setores. Acho que é importante continuar o acompanhamento que tem sido feito desde abril, de investigação policial nas redes (sociais). Um segundo ponto é que os professores e todos os profissionais de dentro da escola passem por uma formação sobre o que é para se estar atento em relação aos estudantes, não de um ponto de vista intimidador, mas sim cuidadoso com todos os alunos, crianças a adolescentes – principalmente aqueles casos em que os jovens ficam mais isolados.

Geralmente, não são jovens que dão trabalho de comportamento (que atacam). Eles são muito quietos. Eles não têm um grupo de amigos permanente... Enfim, precisa ter um olhar atento para identificar esses alunos e encaminhar para a rede de proteção (psicólogos) se for preciso. Ao mesmo tempo, fazer o trabalho coletivo e manter a sensação de segurança, com guarda na porta da escola, com diálogo com as famílias e com professor mediador.

Temos que pensar que é um problema complexo e, por isso, tem que ser pensado de uma maneira complexa também.

Como as escolas devem agir ao suspeitar de possíveis novos ataques?

A escola deve analisar se o aluno suspeito tem mais de dois ou três características que indicam um possível comportamento violento e então encaminhar para o tratamento psicológico. Se for um caso de um aluno que anunciou nas redes sociais que fará um ataque, é preciso comunicar a polícia. Nós temos visto depoimentos bastante positivos sobre a ação da polícia neste sentido, de que os policiais realmente têm investigado e ido até a casa dos adolescentes quando essas denúncias são feitas.

Não acho que suspender as aulas seja um bom caminho, pois isso pode criar pânico e, muitas vezes, é comum que existam falsos alarmes. É importante também escutar os alunos, pois muitas vezes eles sabem quem tem comportamentos suspeitos e quem fez anúncios de ataques. É preciso manter esse canal de comunicação aberto.

O ataque a tiros na Escola Estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo, dias depois de um atentado contra alunos de um colégio de Poços de Caldas, em Minas Gerais, mostrou que o problema da violência nas escolas brasileiras está longe de ser solucionado. Só neste ano, já foram nove ataques, um recorde histórico.

Para Simone de Melo, especialista em violência em escolas e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) e do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Crítica Social (GEPECS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso reforçar medidas preventivas contra esse tipo de ataque, principalmente identificando possíveis agressores, agindo de forma a mediar conflitos e promovendo a saúde mental na comunidade escolar. A maioria dos ataques é feita por alunos ou ex-alunos que sofrem ou já sofreram bullying.

Uma das principais medidas do governo do Estado de São Paulo no início deste ano para tentar diminuir a violência nas escolas foi justamente a contratação de psicólogos. No entanto, o número seria “insuficiente”: cerca de 500 profissionais para atender a quase 6 mil escolas.

Por essa disparidade nos números, em muitas escolas, os psicólogos têm realizado apenas palestras, sem promover um acompanhamento próximo e contínuo, como deveriam, na opinião de Simone. A especialista acredita ainda que a contratação de professores mediadores de conflitos, anunciada para começar só no ano que vem, é “urgente” e deve ser feita de forma abrangente.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), admitiu falhas na segurança da rede estadual. Também prometeu contratar mais psicólogos - o poder estadual afirma ter contratado 500 desde abril - e estuda a entrada de profissionais de segurança privada para atuação na rede estadual, promessa que já havia sido feita nos últimos meses.

Ataque na zona leste de SP deixou aluna morta nesta segunda-feira Foto: Taba Benedicto/Estadão

Você considera suficiente o número de psicólogos contratados pelo governo do Estado para atender às escolas? De que forma esses profissionais deveriam atuar na comunidade escolar?

Acho o número de profissionais de psicologia contratados insuficiente para a quantidade de escolas do Estado. Cada escola tem sua característica, seu contexto, por isso, o trabalho em cada uma delas precisa ser específico para aquela comunidade – lembrando que o papel do psicólogo escolar não é de fazer psicoterapia, atendendo casos isolados de alunos, mas sim de fazer um trabalho coletivo dentro da escola.

Quando houver uma percepção de que um aluno precisa fazer psicoterapia, de um acompanhamento individual, esse profissional pode encaminhá-lo para a rede de apoio (com psicólogos particulares ou do SUS). Mas o papel do psicólogo escolar é ajudar que os professores, gestores e funcionários façam um trabalho coletivo (de saúde mental). É pensar como a escola deve organizar e promover espaços de diálogo, além de uma linguagem comum para resolver conflitos.

É importante que exista um trabalho coeso neste sentido, em toda a instituição, para que o estudante entenda qual é a linha seguida na escola. Se não tem condições de colocar um psicólogo em cada escola, então que aconteça uma organização de um para cada grupo de quatro escolas. Então, o profissional vai até cada uma das escolas e organiza, com cada comunidade escolar, como vai ser desenvolvido esse trabalho ali.

Qual a importância dos professores mediadores? Você acha que esses profissionais deveriam ser contratados mais rapidamente, visto a situação crítica nas escolas?

Como eu expliquei anteriormente, é importante que tenha o psicólogo escolar (que pode ser compartilhado entre poucas escolas) para organizar a questão mais coletiva. Já este outro profissional, que pode ser um professor mediador ou de convivência, deve ficar sempre na mesma escola. Ele é um profissional que tem um papel importante de atuação, especificamente, na mediação de conflitos.

Toda escola é recheada de conflitos e como os estudantes estão em processo de desenvolvimento, nem sempre eles sabem lidar com esses conflitos. Por isso a importância dessa pessoa que passa por uma formação específica para atuar nesse tipo de situação. Ela deve estar em parceria constante com professores, recebendo encaminhamentos.

Na nossa concepção (de estudiosos do assunto), é um profissional importante e urgente, pois passa segurança para o jovem, que saberá a quem recorrer e com quem conversar quando estiver em meio a uma situação delicada. Nós vemos experiências positivas sobre a atuação deste profissional em escolas, tanto no Brasil, quanto fora do País. O mediador escuta as duas partes, dando aos dois o espaço para falar e aprender a ouvir o outro – geralmente, o conflito se dá porque uma das partes não é escutada.

Como lidar com o bullying, um dos principais fatores que levam a atentados a escolas?

Existem vários tipos de problemas de convivência na escola. Temos situações de desentendimento entre alunos, em que eles têm condição de, naquele momento ou no dia seguinte, já marcarem uma mediação de conflitos e resolverem, até situações mais complexas, como o bullying, que é um problema de convivência também, mas que se caracteriza por uma situação de violência recorrente, não por um ato isolado.

O bullying é quando, todos os dias, o aluno fica receoso de sair de casa, porque ele sabe que aquela violência vai acontecer novamente. Muitas vezes, ele acontece na frente de outras pessoas, então isso o diminui aos olhos dos outros, ele se sente menor.

É um problema mais delicado, que precisa de outros protocolos de atuação, assim como casos de racismo, que também é uma questão mais coletiva e estrutural. O profissional que vai atuar na mediação de conflitos precisa passar por uma formação para entender desses diferentes tipos de conflitos que podem acontecer dentro da escola e dar a assistência correta aos alunos. São trabalhos de mais longo prazo, focados no que chamamos de “promoção da convivência”.

Sempre que novos casos de violência acontecem, alguns pais pedem mais segurança física dentro da escola, como câmeras e revistas na entrada. A curto prazo, essas medidas podem ser importantes para conter a onda de atentados?

Entendo que a sociedade clama por essa segurança que a gente pode “ver”. Entendo que é importante a gente cuidar disso para trazer essa sensação de segurança que a família solicita. Acho que é sim importante ter um guarda na porta da escola, atento, instruído sobre como avisar a polícia rapidamente caso algo aconteça. Mas o que percebemos nas leituras que temos feito, é que isso não resolve o problema.

(Esse tipo de ataque) é algo muito recente no Brasil, então a gente tem recorrido à literatura internacional quando trata desse assunto, principalmente dos Estados Unidos, que é um exemplo forte disso, apesar de ser um País muito diferente do nosso. Eles investem muito em segurança. Existe um levantamento que mostra que 80% das escolas (dos Estados Unidos) têm câmeras, 70% têm policiais, 20% têm cães farejadores e 10% têm detectores de metal.

Nesse mesmo estudo, foram analisados se esses aspectos aumentam a segurança nessas escolas, se evitam um ataque violento – lembrando que, lá, eles têm muitos ataques com arma de fogo. Por fim, a pesquisa indica que essas coisas não impedem. Inclusive, a depender da localização da escola, a incidência de morte é quase três vezes maior nas escolas que têm policiais.

O que a gente percebe é que as características desses meninos (que cometem os ataques) é de alguém que busca uma atenção que eles não têm. Além disso, eles não têm perspectiva de vida, então, se arriscam muito ao entrar dentro da escola portando a arma. Uma outra literatura aponta que mesmo tendo detector de metais, eles conseguem adentrar com a arma.

Outro aspecto a ser considerado é que, por exemplo, a gente saiu recentemente de uma escola de Poços de Caldas (MG) que tem 1.500 alunos. É inviável, né? A gente pode perceber isso pelos aeroportos, quanto formam fila para passar por um detector de metal. Se apita, você tem que voltar e passar tudo de novo. Então, para uma escola é totalmente inviável esse tipo de trabalho, tanto de detector de metais, quanto de revista.

Essa alta ocorrência de atentados nos últimos anos pode ser um efeito manada? Como frear com isso? O que já tem sido feito é suficiente?

Acredito que sim (pode ser um efeito manada). Quando a gente voltou de Poços de Caldas na semana passada, estávamos justamente falando dessa preocupação, sobre o quanto isso pode encorajar quem está planejando ou tem uma intenção de fazer (um ataque). É por isso que eu fico receosa diante desse acontecimento agora em São Paulo, porque acaba dando mais repercussão. Foi com arma de fogo, muitas equipes de televisão acabaram filmando a escola... Eu acho que está havendo mais cuidado em relação ao noticiamento e que isso tem sido importante, mas sinto que neste novo caso, está havendo mais repercussão, então fico com bastante receio desse efeito manada.

Acho que todos os cuidados precisam ser tomados nos diferentes setores. Acho que é importante continuar o acompanhamento que tem sido feito desde abril, de investigação policial nas redes (sociais). Um segundo ponto é que os professores e todos os profissionais de dentro da escola passem por uma formação sobre o que é para se estar atento em relação aos estudantes, não de um ponto de vista intimidador, mas sim cuidadoso com todos os alunos, crianças a adolescentes – principalmente aqueles casos em que os jovens ficam mais isolados.

Geralmente, não são jovens que dão trabalho de comportamento (que atacam). Eles são muito quietos. Eles não têm um grupo de amigos permanente... Enfim, precisa ter um olhar atento para identificar esses alunos e encaminhar para a rede de proteção (psicólogos) se for preciso. Ao mesmo tempo, fazer o trabalho coletivo e manter a sensação de segurança, com guarda na porta da escola, com diálogo com as famílias e com professor mediador.

Temos que pensar que é um problema complexo e, por isso, tem que ser pensado de uma maneira complexa também.

Como as escolas devem agir ao suspeitar de possíveis novos ataques?

A escola deve analisar se o aluno suspeito tem mais de dois ou três características que indicam um possível comportamento violento e então encaminhar para o tratamento psicológico. Se for um caso de um aluno que anunciou nas redes sociais que fará um ataque, é preciso comunicar a polícia. Nós temos visto depoimentos bastante positivos sobre a ação da polícia neste sentido, de que os policiais realmente têm investigado e ido até a casa dos adolescentes quando essas denúncias são feitas.

Não acho que suspender as aulas seja um bom caminho, pois isso pode criar pânico e, muitas vezes, é comum que existam falsos alarmes. É importante também escutar os alunos, pois muitas vezes eles sabem quem tem comportamentos suspeitos e quem fez anúncios de ataques. É preciso manter esse canal de comunicação aberto.

O ataque a tiros na Escola Estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo, dias depois de um atentado contra alunos de um colégio de Poços de Caldas, em Minas Gerais, mostrou que o problema da violência nas escolas brasileiras está longe de ser solucionado. Só neste ano, já foram nove ataques, um recorde histórico.

Para Simone de Melo, especialista em violência em escolas e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) e do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Crítica Social (GEPECS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso reforçar medidas preventivas contra esse tipo de ataque, principalmente identificando possíveis agressores, agindo de forma a mediar conflitos e promovendo a saúde mental na comunidade escolar. A maioria dos ataques é feita por alunos ou ex-alunos que sofrem ou já sofreram bullying.

Uma das principais medidas do governo do Estado de São Paulo no início deste ano para tentar diminuir a violência nas escolas foi justamente a contratação de psicólogos. No entanto, o número seria “insuficiente”: cerca de 500 profissionais para atender a quase 6 mil escolas.

Por essa disparidade nos números, em muitas escolas, os psicólogos têm realizado apenas palestras, sem promover um acompanhamento próximo e contínuo, como deveriam, na opinião de Simone. A especialista acredita ainda que a contratação de professores mediadores de conflitos, anunciada para começar só no ano que vem, é “urgente” e deve ser feita de forma abrangente.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), admitiu falhas na segurança da rede estadual. Também prometeu contratar mais psicólogos - o poder estadual afirma ter contratado 500 desde abril - e estuda a entrada de profissionais de segurança privada para atuação na rede estadual, promessa que já havia sido feita nos últimos meses.

Ataque na zona leste de SP deixou aluna morta nesta segunda-feira Foto: Taba Benedicto/Estadão

Você considera suficiente o número de psicólogos contratados pelo governo do Estado para atender às escolas? De que forma esses profissionais deveriam atuar na comunidade escolar?

Acho o número de profissionais de psicologia contratados insuficiente para a quantidade de escolas do Estado. Cada escola tem sua característica, seu contexto, por isso, o trabalho em cada uma delas precisa ser específico para aquela comunidade – lembrando que o papel do psicólogo escolar não é de fazer psicoterapia, atendendo casos isolados de alunos, mas sim de fazer um trabalho coletivo dentro da escola.

Quando houver uma percepção de que um aluno precisa fazer psicoterapia, de um acompanhamento individual, esse profissional pode encaminhá-lo para a rede de apoio (com psicólogos particulares ou do SUS). Mas o papel do psicólogo escolar é ajudar que os professores, gestores e funcionários façam um trabalho coletivo (de saúde mental). É pensar como a escola deve organizar e promover espaços de diálogo, além de uma linguagem comum para resolver conflitos.

É importante que exista um trabalho coeso neste sentido, em toda a instituição, para que o estudante entenda qual é a linha seguida na escola. Se não tem condições de colocar um psicólogo em cada escola, então que aconteça uma organização de um para cada grupo de quatro escolas. Então, o profissional vai até cada uma das escolas e organiza, com cada comunidade escolar, como vai ser desenvolvido esse trabalho ali.

Qual a importância dos professores mediadores? Você acha que esses profissionais deveriam ser contratados mais rapidamente, visto a situação crítica nas escolas?

Como eu expliquei anteriormente, é importante que tenha o psicólogo escolar (que pode ser compartilhado entre poucas escolas) para organizar a questão mais coletiva. Já este outro profissional, que pode ser um professor mediador ou de convivência, deve ficar sempre na mesma escola. Ele é um profissional que tem um papel importante de atuação, especificamente, na mediação de conflitos.

Toda escola é recheada de conflitos e como os estudantes estão em processo de desenvolvimento, nem sempre eles sabem lidar com esses conflitos. Por isso a importância dessa pessoa que passa por uma formação específica para atuar nesse tipo de situação. Ela deve estar em parceria constante com professores, recebendo encaminhamentos.

Na nossa concepção (de estudiosos do assunto), é um profissional importante e urgente, pois passa segurança para o jovem, que saberá a quem recorrer e com quem conversar quando estiver em meio a uma situação delicada. Nós vemos experiências positivas sobre a atuação deste profissional em escolas, tanto no Brasil, quanto fora do País. O mediador escuta as duas partes, dando aos dois o espaço para falar e aprender a ouvir o outro – geralmente, o conflito se dá porque uma das partes não é escutada.

Como lidar com o bullying, um dos principais fatores que levam a atentados a escolas?

Existem vários tipos de problemas de convivência na escola. Temos situações de desentendimento entre alunos, em que eles têm condição de, naquele momento ou no dia seguinte, já marcarem uma mediação de conflitos e resolverem, até situações mais complexas, como o bullying, que é um problema de convivência também, mas que se caracteriza por uma situação de violência recorrente, não por um ato isolado.

O bullying é quando, todos os dias, o aluno fica receoso de sair de casa, porque ele sabe que aquela violência vai acontecer novamente. Muitas vezes, ele acontece na frente de outras pessoas, então isso o diminui aos olhos dos outros, ele se sente menor.

É um problema mais delicado, que precisa de outros protocolos de atuação, assim como casos de racismo, que também é uma questão mais coletiva e estrutural. O profissional que vai atuar na mediação de conflitos precisa passar por uma formação para entender desses diferentes tipos de conflitos que podem acontecer dentro da escola e dar a assistência correta aos alunos. São trabalhos de mais longo prazo, focados no que chamamos de “promoção da convivência”.

Sempre que novos casos de violência acontecem, alguns pais pedem mais segurança física dentro da escola, como câmeras e revistas na entrada. A curto prazo, essas medidas podem ser importantes para conter a onda de atentados?

Entendo que a sociedade clama por essa segurança que a gente pode “ver”. Entendo que é importante a gente cuidar disso para trazer essa sensação de segurança que a família solicita. Acho que é sim importante ter um guarda na porta da escola, atento, instruído sobre como avisar a polícia rapidamente caso algo aconteça. Mas o que percebemos nas leituras que temos feito, é que isso não resolve o problema.

(Esse tipo de ataque) é algo muito recente no Brasil, então a gente tem recorrido à literatura internacional quando trata desse assunto, principalmente dos Estados Unidos, que é um exemplo forte disso, apesar de ser um País muito diferente do nosso. Eles investem muito em segurança. Existe um levantamento que mostra que 80% das escolas (dos Estados Unidos) têm câmeras, 70% têm policiais, 20% têm cães farejadores e 10% têm detectores de metal.

Nesse mesmo estudo, foram analisados se esses aspectos aumentam a segurança nessas escolas, se evitam um ataque violento – lembrando que, lá, eles têm muitos ataques com arma de fogo. Por fim, a pesquisa indica que essas coisas não impedem. Inclusive, a depender da localização da escola, a incidência de morte é quase três vezes maior nas escolas que têm policiais.

O que a gente percebe é que as características desses meninos (que cometem os ataques) é de alguém que busca uma atenção que eles não têm. Além disso, eles não têm perspectiva de vida, então, se arriscam muito ao entrar dentro da escola portando a arma. Uma outra literatura aponta que mesmo tendo detector de metais, eles conseguem adentrar com a arma.

Outro aspecto a ser considerado é que, por exemplo, a gente saiu recentemente de uma escola de Poços de Caldas (MG) que tem 1.500 alunos. É inviável, né? A gente pode perceber isso pelos aeroportos, quanto formam fila para passar por um detector de metal. Se apita, você tem que voltar e passar tudo de novo. Então, para uma escola é totalmente inviável esse tipo de trabalho, tanto de detector de metais, quanto de revista.

Essa alta ocorrência de atentados nos últimos anos pode ser um efeito manada? Como frear com isso? O que já tem sido feito é suficiente?

Acredito que sim (pode ser um efeito manada). Quando a gente voltou de Poços de Caldas na semana passada, estávamos justamente falando dessa preocupação, sobre o quanto isso pode encorajar quem está planejando ou tem uma intenção de fazer (um ataque). É por isso que eu fico receosa diante desse acontecimento agora em São Paulo, porque acaba dando mais repercussão. Foi com arma de fogo, muitas equipes de televisão acabaram filmando a escola... Eu acho que está havendo mais cuidado em relação ao noticiamento e que isso tem sido importante, mas sinto que neste novo caso, está havendo mais repercussão, então fico com bastante receio desse efeito manada.

Acho que todos os cuidados precisam ser tomados nos diferentes setores. Acho que é importante continuar o acompanhamento que tem sido feito desde abril, de investigação policial nas redes (sociais). Um segundo ponto é que os professores e todos os profissionais de dentro da escola passem por uma formação sobre o que é para se estar atento em relação aos estudantes, não de um ponto de vista intimidador, mas sim cuidadoso com todos os alunos, crianças a adolescentes – principalmente aqueles casos em que os jovens ficam mais isolados.

Geralmente, não são jovens que dão trabalho de comportamento (que atacam). Eles são muito quietos. Eles não têm um grupo de amigos permanente... Enfim, precisa ter um olhar atento para identificar esses alunos e encaminhar para a rede de proteção (psicólogos) se for preciso. Ao mesmo tempo, fazer o trabalho coletivo e manter a sensação de segurança, com guarda na porta da escola, com diálogo com as famílias e com professor mediador.

Temos que pensar que é um problema complexo e, por isso, tem que ser pensado de uma maneira complexa também.

Como as escolas devem agir ao suspeitar de possíveis novos ataques?

A escola deve analisar se o aluno suspeito tem mais de dois ou três características que indicam um possível comportamento violento e então encaminhar para o tratamento psicológico. Se for um caso de um aluno que anunciou nas redes sociais que fará um ataque, é preciso comunicar a polícia. Nós temos visto depoimentos bastante positivos sobre a ação da polícia neste sentido, de que os policiais realmente têm investigado e ido até a casa dos adolescentes quando essas denúncias são feitas.

Não acho que suspender as aulas seja um bom caminho, pois isso pode criar pânico e, muitas vezes, é comum que existam falsos alarmes. É importante também escutar os alunos, pois muitas vezes eles sabem quem tem comportamentos suspeitos e quem fez anúncios de ataques. É preciso manter esse canal de comunicação aberto.

Entrevista por Giovanna Castro

Repórter de Cidades no Estadão. Também cobre Educação, Ciência e Sustentabilidade. É formada em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e cursou Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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