SÃO PAULO - Uma das principais apostas do presidente Jair Bolsonaro para melhorar o desempenho educacional no País, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares vai começar o ano letivo sem a presença das Forças Armadas nos colégios. Também não há ainda a definição de todas as unidades que receberão o modelo, piloto em 2020, e diretores esperam do governo os recursos prometidos.
Escolas cívico-militares têm gestão compartilhada entre militares e civis. Hoje, diz o Ministério da Educação (MEC), há 203 colégios no País no modelo. São diferentes das escolas mentidas pelo Exército, que têm custo bem maior do que unidades da rede pública convencional.
Promessa de campanha, o governo anunciou em setembro o programa em 54 escolas, do ensino fundamental (6.º ao 9.º ano) e médio, em 23 Estados e no Distrito Federal este ano. A meta é chegar a 216 unidades até 2023.
O projeto prevê que militares da reserva atuem em tutorias e na área administrativa - e não como professores ou em sala de aula. Apesar de esperar que o oficiais auxiliem na gestão educacional, a orientação do MEC às escolas é que iniciem as aulas e que, depois, os militares vão se “inserir” na rotina e na programação escolar.
O MEC, responsável pelo programa, minimiza a indefinição. Diz que, embora a contratação dos militares ainda não tenha começado e que a pasta ainda não tenha escolhido todas as unidades, “as escolas terão tempo” para adaptação. Segundo o MEC, as contratações serão feitas “nos primeiros meses deste ano” - o Estado apurou que o processo deve ser concluído só em abril, ao menos dois meses após o início das aulas.
O modelo cívico-militar é alvo de frequentes elogios de Bolsonaro e do ministro Abraham Weintraub, mas foi visto com ressalvas por especialistas. Nos últimos dias, tem crescido a pressão pela saída de Weintraub. Parecer de uma comissão da Câmara, de novembro, apontou paralisia no planejamento e execução de políticas do MEC.
Entrave
A seleção dos militares da reserva travou por causa da dificuldade de o ministério definir as escolas que receberiam o modelo. No fim de novembro, a pasta anunciou os municípios que participariam e foi só neste momento que as secretarias de educação indicaram em quais colégios queriam o projeto. Isso contrariou algumas comunidades escolares.
Em Campinas, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Odila Maia Rocha Brito foi indicada sem ter se voluntariado para ter o modelo - o que, segundo o próprio MEC, era critério para a seleção. Também era requisito para entrar no programa o aval da comunidade escolar por consulta pública. Uma votação foi agendada pela prefeitura para dezembro, mas suspensa pela Justiça, a pedido de uma entidade estudantil, até o fim das férias escolares.
A incerteza sobre o funcionamento do programa também leva a desistências. Maceió ofereceu uma escola, mas recuou após saber que teria de selecionar por conta própria os militares. “Depois que fomos selecionados, informaram que não havia oficiais do Exército disponíveis para atuar aqui. Teríamos de negociar com o governo estadual para contratar policiais militares ou bombeiros”, diz a secretária municipal de Educação, Ana Dayse Dorea. “O ministério entraria só com recurso financeiro para reformas, mas sem informar o valor certo.”
É previsto que Estados e municípios façam a escolha entre dois modelos. Em um, há oferta de pessoal e o MEC repassará R$ 28 milhões ao Ministério da Defesa arcar com o pagamento de militares da reserva das Forças Armadas; no outro, o dinheiro é enviado para o governo local aplicar na infraestrutura das unidades - nestas escolas, atuarão PMs e bombeiros militares.
“Em um Estado em que falta policiais, como nosso caso, não faz sentido. Seria criar um problema muito grande para nossa secretaria. Além do mais, não havia clareza de que o recurso que receberíamos compensaria a mudança”, diz Ana.
Nos locais onde o MEC já garantiu que se encarregará da contratação dos militares, também há indefinição e ainda não houve mudança nas escolas. É o caso de Manaus, que teve duas unidades estaduais selecionadas. “Com o modelo que escolhemos, o Estado do Amazonas entra com o recurso para reformas e recebemos os militares. Fizemos o que já é feito em todas as escolas, com a manutenção da parte elétrica, hidráulica e mobiliários das escolas. Agora, esperamos a contratação dos oficiais”, explica o coronel André Gomes Ribeiro, indicado como responsável local pela implementação do programa.
Ministério da Defesa diz seguir cronograma
O Estado pediu ao MEC o nome e a cidade das 54 escolas que receberão o modelo, mas a pasta disse, em nota, que a lista ainda “está sendo atualizada” e será divulgada em breve, sem definir prazo. Questionado sobre quando a verba prometida para reforma e equipamentos chegará às escolas, o ministério não respondeu.
A Defesa, que será responsável por conduzir a contratação dos oficiais, informou seguir o “cronograma inicial do programa” e prevê inscrições dos militares até 16 de fevereiro. A previsão é de que sejam contratados 540 militares inativos das Forças Armadas, mas ainda não há definição do contingente por localidade. Após a contratação, o MEC ainda fará o treinamento dos oficiais antes que eles passem a atuar nas escolas.
Bolsonaro e ministro elogiam modelo, mas especialistas veem com ressalvas
Mesmo com indefinições sobre as escolas cívico-militares, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Abraham Weintraub têm elogiado o modelo. No dia 16, em vídeo juntos nas redes sociais, o presidente diz que colégios militares têm “resultado top em todo o mundo” e o ministro o assegura de que está levando o formato a “várias cidades e Estados”. Ainda segundo Weintraub, “o modelo, dando certo, vai expandir rapidamente”.
O governo diz que a presença de militares melhora os índices educacionais e traz mais disciplina e segurança. Em alguns Estados que já adotam o formato, como Goiás e Bahia, as redes de unidades cívico-militares têm crescido nos últimos anos. Em treinamento com diretores de algumas das escolas selecionadas em dezembro, o ministro disse que oferecerá os recursos necessários para ter os melhores resultados do País, mas que não vai “tolerar erros”.
Nesta segunda-feira, 3, Bolsonaro também deve lançar a pedra fundamental da construção de um colégio militar de São Paulo, ligado às Forças Armadas, no Campo de Marte, na zona norte paulistana.
Ainda que atinja a meta, de 216 unidades até 2023, esse total só abrange 0,15% das 141 mil escolas públicas do País. Além disso, o ministério ainda não apresentou estudo que comprove ser a presença dos militares o que leva a uma melhora no aprendizado.
“O objetivo do governo deveria ser garantir que todas as crianças aprendam, mas escolheram investir em um número muito restrito de escolas. Ainda mais com um modelo sem comprovação de eficácia”, diz Claudia Costin, do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo ela, as indefinições evidenciam a incapacidade de implementar políticas públicas da atual gestão do MEC. “Há preocupação muito grande com a parte ideológica e esqueceram que lidam com operações logísticas muito complexas. Não consideram que o ministério pode desenhar a política, mas a implementação depende dos Estados, municípios, escolas.”
Mônica Gardelli Franco, especialista em educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca ainda que o fato de educadores dividirem a gestão com militares demanda adaptação e planejamento. “É uma organização que nenhum dos lados está acostumado. Nem professores, nem militares. Para evitar choque, é preciso que tudo esteja muito bem alinhado. Fazer isso no meio do ano letivo pode ser ainda mais desastroso.”
Em 2019, o Ministério Público Federal da Bahia recomendou a escolas cívico-militares já existentes no Estado que não interfiram mais no corte de cabelo, cor da unha ou maquiagem de alunos. Não deve haver, diz o órgão, restrição à liberdade de expressão dos jovens.