A mensagem dizia ainda que a ideia é um plano do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que recentemente criou uma conta na rede social. Em um segundo post, logo em seguida, o presidente afirmou que "a função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta". As declarações causaram indignação em grande parte da comunidade acadêmica.
Para o cientista social Simon Schwartzman, um corte de verbas em Humanas pode comprometer o desenvolvimento do País. "É um tipo de política retrógrada. Isso significa não entender o que são as Ciências Sociais", afirma. "A pesquisa social aborda temas como desigualdade, pobreza, crescimento populacional, violência, etc. Se o País ficar sem isso, estará completamente desarmado para poder lidar com esses temas."
Tanto o presidente quanto o ministro deram ênfase à necessidade de o cidadão aprender "um ofício". "O que a gente precisar ensinar para as crianças, para os jovens? Habilidades de ler, escrever, fazer conta, ofício que gere renda para a pessoa, bem estar para a família", afirmou Weitraub em uma live ao lado de Bolsonaro.
Em nota, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou discordar das declarações porque "muitas carreiras e desenvolvimentos bem-sucedidos nas áreas tecnológicas não resultam simplesmente de conhecimento técnico". "Eles requerem habilidades de liderança, inteligência emocional, compreensão da cultura, um entendimento do contexto econômico e social que as Ciências Humanas e Sociais podem prover".
O texto afirma ainda que as áreas não dão "um retorno econômico imediato", mas contribuem "para a melhoria das condições de vida da população".
O País já investe mais recursos em pesquisas nas áreas de Exatas e Biológicas. Dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a agência federal de investimento em pesquisas, mostram que as áreas de Exatas, que incluem Engenharias e Tecnologia, tiveram R$ 437 milhões em recursos para bolsas em 2018. Já as Ciências Biológicas, Agrárias e de Saúde receberam R$ 440 milhões. As Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes ficaram com R$ 162 milhões, cerca de um terço.
O número de bolsistas também é menor em Humanas. As bolsas públicas são a única maneira de os professores no País fazerem pesquisa, essencial para produção de novos conhecimentos.
Em entrevista ao Estado, Weintraub já havia feito críticas ao investimento em áreas de humanas, dizendo que o filho de um agricultor deveria estudar áreas como Veterinária e Medicina, em vez de Antropologia. "Precisamos escolher melhor nossas prioridades porque nossos recursos são escassos. Não sou contra estudar filosofia, gosto de estudar filosofia. Mas imagina uma família de agricultores que o filho entrou na faculdade e, quatro anos depois, volta com título de antropólogo?"
O Ministério da Educação (MEC) envia recursos para as mais de 60 universidades federais, que precisam de aval do governo para abrir cursos ou contratar professores. O temor de fontes da área é que, além no corte em bolsas, as instituições poderiam não receber verbas para aumentar vagas nessas áreas ou para contratar docentes.
O governo tem citado o caso do Japão que, em 2015, pediu que universidades fechassem cursos nas áreas de Humanas e deixassem de selecionar alunos para essas áreas. Cientistas do mundo todo criticaram a política. Em seu Twitter, Bolsonaro disse que "alunos já matriculados não serão afetados".
Em nota, o MEC informou que "os recursos destinados a quaisquer áreas de conhecimento serão estudados de forma a priorizar aquelas que, no momento, melhor atendem às demandas da população".
Weintraub também já disse que é preciso combater o chamado marximo cultural nas universidades. Ontem, o ministro havia dito que iria anunciar medidas "agressivas" em breve.
O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, vê uma falta de interesse em discutir os problemas da sociedade. Ele diz que é justamente a pesquisa na área de Humanas que pode trazer soluções para necessidades da sociedade, como renda e bem-estar, e não a área de Exatas. "É exatamente nesse momentos de crise que não é importante Física, Química, Biologia, as Ciências Exatas. São importantes as ciências que lidam com as necessidades básicas e fundamentais da sociedade", diz Artaxo.
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) afirmou que recebeu as declarações com "perplexidade".
Em nota conjunta, as associações brasileiras de Antropologia, Sociologia, Ciência Política e de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais afirmaram que as declarações do presidente têm "motivação político-ideológica". "É tão equivocado e enganoso avaliar as diferentes disciplinas e a reflexão filosófica pela sua aplicabilidade imediata quanto desconhecer a importância histórica das ciências sociais e das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento de diferentes tecnologias voltadas à resolução de graves problemas da sociedade", afirma o texto.
Segundo as associações, a diminuição de verbas para as áreas de humans são uma "demonstração do mais completo desconhecimento sobre a ciência e sobre a produção do conhecimento cientifico" porque elas são cruciais para a formulação e avaliação de políticas públicas e para o desenvolvimento crítico das demais ciências.
A Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais e o Observatório do Conhecimento, que reúne associações e sindicatos docentes no País, também repudiou as declarações de Bolsonaro. "Ao atacar as humanidades, o pensamento estratégico, Bolsonaro acaba por nos condenar à miséria, econômica e intelectual, nos relegar à escuridão da ignorância", disse a nota. O texto também afirma áreas como Filosofia e Sociologia "permitem estruturar o desenvolvimento de um país, formulando as estratégias para o crescimento econômico e atenção à população". COLABOROU TULIO KRUSE