Um estudo inédito realizado por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que o professor é responsável por quase 60% do resultado dos alunos na educação fundamental. Isso quer dizer que ele é mais relevante que todas as outras variáveis da escola pública somadas, como número de alunos por turma, escolaridade dos pais, se há ou não internet e até o partido do prefeito.
Essa é a primeira vez que uma pesquisa consegue medir o impacto do professor na aprendizagem de um aluno no Brasil.
No ensino médio, esse porcentual cai para 36%, mas ainda é considerado alto pelos pesquisadores porque o docente é comparado com outros 29 fatores que poderiam contribuir para um ensino de qualidade. A pesquisa teve a parceria do Instituto Península, organização do terceiro setor que apoia projetos de melhoria da carreira docente.
Estudos internacionais chegaram a resultados semelhantes nas últimas décadas. Uma das maiores pesquisas analisou 2,5 milhões de crianças durante 20 anos nos Estados Unidos. Os dados revelaram que estudantes de um bom professor têm maior probabilidade de iniciar o ensino superior, entrar em faculdades de melhor qualidade, receber maiores salários e poupar mais para aposentadoria. Melhores professores são ainda mais importantes para crianças com perfil socioeconômico baixo.
Por isso, diz a pesquisa da FGV, “a busca de um professor de qualidade virou um mantra das reformas educacionais”. “Se não tiver estratégia para olhar o professor, não adianta fazer reforma de currículo, colocar tecnologias, tempo integral. Importa saber como o professor vai ser preparado para isso”, afirma o pesquisador da FGV Fernando Abrucio, um dos autores do estudos.
“Sempre se falou que professor era o elemento mais importante, mas a gente conseguiu dimensionar o que isso significa. Se 60% está na mão desse profissional, se a gente colocar a centralidade no professor, conseguiremos dar um salto na qualidade da aprendizagem no País”, completa a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel.
Para chegar ao impacto do professor, os pesquisadores usaram dados de exames nacionais, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e índices de aprovação e de distorção idade-série (porcentual de alunos que tem idade acima da esperada para o ano em que está matriculado). Depois, as 29 variáveis sobre estrutura da escola, família e características das redes foram isoladas para se mensurar o papel do professor no resultado dos estudantes.
Abrucio explica que o impacto no ensino fundamental no Brasil medido no estudo (57,8%) é parecido com o constatado internacionalmente. Se forem adicionadas as outras variáveis, o impacto delas mais o do professor é de 65,69%. Entre elas, estão dados sobre a existência de biblioteca na escola, quadra de esportes, energia elétrica, água potável e os recursos recebidos pelo Fundeb, o fundo de financiamento da educação no País.
O índice não se propunha a chegar a 100% porque há variáveis que podem influenciar na aprendizagem dos alunos sobre as quais não há dados público, como por exemplo, se uma criança passou fome na infância.
Para os pesquisadores, o impacto do professor no ensino médio é menor no País (36%) por uma maior desorganização da etapa e até porque o jovem é mais autônomo no processo de aprender. “O professor dá aula em várias escolas, tem a questão da juventude, é preciso saber motivar o estudante, construir talentos”, afirma Abrucio. Para ele, uma política forte para escolas em tempo integral no médio ajudaria a fortalecer o papel do professor, que estaria mais próximo do estudante.
Heloisa Morel, diretora executiva do Instituto Península
Ensino em EAD e a qualidade do professor
Por causa do grande impacto do professor, o estudo faz uma revisão de pesquisas nacionais e internacionais sobre políticas de melhoria da carreira docente. Entre as recomendações estão uma formação mais voltada para a prática com “adoção de diversas metodologias mais interativas e participativas” e uma melhor seleção de quem será professor no País.
Atualmente no Brasil, os cursos que formam professores, como os de Licenciaturas, têm as notas mais baixas nas avaliações e são mais fáceis de ingressar porque oferecem muitas vagas, principalmente em educação a distância (EAD). Há críticas também com relação à centralidade das teorias na formação e pouco investimento nos estágios nas escolas, por exemplo.
Este mês, como o Estadão revelou, o Conselho Nacional da Educação (CNE) definiu que os cursos de formação para professores terão de ser oferecidos com 50% da sua carga horária presencial. A medida foi comemorada por diversos educadores e grupos, como o Todos pela Educação e o Instituto Península, que vinham alertando para a baixa qualidade dos cursos.
O ministro da Educação, Camilo Santana, também tem se posicionado contra os cursos não presenciais, especialmente na formação de professores, desde o ano passado, e disse que os que são 100% EAD tinham de acabar.
A medida, no entanto, enfrenta críticas de associações ligadas à EAD e ao ensino superior que alegam que essa é a única forma de estudantes mais pobres cursarem faculdade e de ajudar a diminuir o déficit de professores no País. O Brasil tem carência de profissionais formados em várias aulas, como Física, Matemática e Inglês.
O estudo da FGV cita a baixa qualidade dos cursos em EAD e diz que o Brasil enfrenta dificuldades ao escolher e contratar professores qualificados, “pois os melhores alunos do ensino médio não são incentivados a ser professores e os cursos de formação de professores atraem alunos com baixa renda e perfil socioeconômico que por vezes não tiveram uma formação acadêmica prévia adequada para exercer a profissão”.
Países como Chile e Cingapura passaram a exigir notas mínimas em avaliações de estudantes que pretendem ser professores. Outros tantos investem em mentoria de docentes mais experientes, que, segundo as pesquisas, levam “a impactos positivos no comprometimento e retenção dos professores; na sua capacidade didática em sala de aula; e nos resultados acadêmicos dos alunos”, lembra o estudo da FGV.
A pesquisa cita ainda a importância de processos de avaliação durante a carreira e reconhecimento, que podem incluir “observações de aulas, análise de resultados de aprendizagem dos alunos, feedback de colegas e supervisores”. Essas estratégias, muito comuns no Japão, por exemplo, com resultados positivos, são questionadas por entidades de classe no Brasil que as entendem como afronta à autonomia do professor.
Para Heloísa, essa resistência vem de um entendimento antigo de que avaliação é punição. “Mas o jeito moderno é pensar a avaliação como desenvolvimento. Mas isso só vai ser visto quando Estados e municípios começarem a implementar e os professores entenderem que não há punição.”
Ela diz que tem observado uma mudança de entendimento entre os gestores sobre a importância de investir no professor e elogia também a resolução do CNE sobre as diretrizes curriculares para formação do profissional, aprovada em março, que dá mais importância para a prática. “Historicamente, professor era um problema, o secretário pensava: vai que mexo com algo e ele faz greve. Mas ele é o principal aliado. Eles querem que o aluno aprenda.”