Na zona rural da cidade de Muqui, no Espírito Santo, a 168 quilômetros da capital Vitória, a jovem Amanda Teixeira Zampiris, 18 anos, estudou apenas quatro horas por dia para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023. Ela afirma que nunca foi fã de leitura e não gostava de escrever redação.
Mesmo assim, Amanda tirou nota mil na redação. Através de um método de “redação semipronta”, ela foi uma das quatro estudantes da rede pública do País a alcançar o feito. Com a nota, seu objetivo agora é estudar Medicina Veterinária.
“Quando eu vi o tema, foi uma surpresa enorme. Fiquei apreensiva, mas consegui escrever bem, pois eu tinha um caminho certo para seguir. Tinha algumas coisas em mente, argumentos em mente, que consegui encaixar bem na hora”, disse a jovem, que encerrou o ensino médio no ano passado na Escola Estadual Marcondes de Souza, em Muqui.
De manhã, Amanda ia para escola. Pela tarde, ela estudava em casa por aulas online, simulados e pelo Curso Redação Estruturada (CRE), idealizado pelas professoras Luzia Santos, 30 anos, e Ellen Figueredo, 35, moradoras de Ribeira do Pombal, na Bahia, a 289 quilômetros de Salvador. No total, quase 1,5 mil quilômetros separavam as professoras da aluna, que nunca se viram pessoalmente.
“Nunca fui uma pessoa de ler muito. As professoras me ensinaram que não precisava ler livros e livros para fazer uma redação. Elas me ensinaram a argumentar, independentemente do tema, através de uma técnica adequada.” Esse método é uma espécie de modelo semipronto de estrutura textual no qual os alunos são estimulados a seguir.
Leia Também:
As professoras afirmam que, desde 2020, a técnica foi usada por mais de 600 alunos com notas maiores do que 900 na redação do Enem. Pela primeira vez, uma aluna tirou mil. “Eles já vão para a prova sabendo os argumentos que podem usar e lá escolhem quais são os mais pertinentes para trabalhar com o tema proposto”, afirmou Luzia.
“Não dá para prever qual será o tema da redação, mas por ele sempre seguir um padrão - social, polêmico -, a gente consegue observar causas ou motivos de permanência similares. É a partir dessa lógica que os alunos são capazes de argumentar sobre qualquer assunto e com repertórios socioculturais”, completou Ellen.
Herança histórica
Com o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, a estudante disse que utilizou como um dos argumentos o patriarcado como elemento estruturante para a desvalorização do serviço realizado pelas mulheres. “Para isso, citei Claude Lévi-Strauss com o pensamento ‘só é possível compreender adequadamente as ações coletivas por meio do entendimento dos eventos históricos’ e eu fiz essa ligação com a herança histórica machista que existe no Brasil.”
De acordo com as professoras, já surgiram críticas ao método de estrutura semipronta, mas elas rebatem. “O advogado, por exemplo, quando vai fazer uma petição, tem um modelo. Os profissionais como um todo seguem um padrão quando vão escrever. Então, por que não dar ao aluno essa segurança, essa confiança? Ele não vai produzir algo sem refletir. Ele faz as adaptações a partir da temática”, argumentou Luzia.
Para a professora Ellen, o método não retira do texto a marca de autoria do aluno e isso só é possível devido ao tipo textual característico da redação do Enem. “O texto dissertativo-argumentativo é técnico e formal. Há um padrão para começar e finalizar o texto. Tem de apresentar o tema, colocar a tese e, no final, uma proposta de intervenção. Então, é possível ter uma estrutura semipronta para atender a esse padrão.”
Para popularizar o método, as professoras criaram em 2020 uma página no Instagram. O trabalho nas redes sociais começou na pandemia, quando as aulas presenciais foram suspensas. Hoje, elas atendem a estudantes de todo o País e oferecem até serviço de mentoria com correção semanal de redação.
“O online deu possibilidade de ensino de qualidade por um preço mais justo”, diz Luzia. No caso de Amanda, a mãe, que trabalha como empregada doméstica, pagou o curso parcelado no cartão de crédito.
Somente 60 alunos, entre eles Amanda, atingiram a sonhada nota mil no Enem - os resultados foram divulgados nesta terça-feira, 16, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do exame. Ao todo, foram mais de 3,9 milhões de inscrições no exame, que funciona como o maior vestibular para as universidades públicas e privadas do País, além de mais de 50 universidades em Portugal e outros países. No entanto, do total de inscritos, 1,2 milhão não realizaram as provas.