Inteligência artificial, big data, internet das coisas e computação em nuvem são alguns dos conceitos que permeiam o universo da transformação digital. O processo desponta como uma tendência no mundo corporativo e também no acadêmico. Programas de pós-graduação e MBAs na área são recentes, mas têm se multiplicado: entre os locais em que são oferecidos estão a Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Insper, o Instituto Presbiteriano Mackenzie, a Fiap e a Fundação Instituto de Administração (FIA).
Diferentemente do processo de digitalização, que transforma, por exemplo, as filas do banco em filas virtuais, ele envolve a adoção de tecnologias digitais em todas as áreas de uma organização. É possível, então, criar oportunidades para melhorar operações; identificar tendências; compreender melhor o comportamento do cliente; antecipar mudanças no mercado e ajustar estratégias para elas. “São criados não só novos processos, mas negócios com capacidade de crescimento exponencial e custo geralmente baixo nesse crescimento”, afirma Guilherme Pereira, diretor acadêmico dos MBAs da Fiap. “O ponto é colocar dentro do modelo os talentos e competências capazes de fazer com que esse negócio crie impacto, usando como base novas tecnologias.”
É o que ocorreu, explica, com a popularização de plataformas de aluguel de hospedagens. Ao contrário das redes de hotéis, essas empresas não têm um número próprio de quartos e, apenas conectando quem tem uma propriedade e quem busca hospedagem, são capazes de multiplicar o tamanho da rede sem gastos com um novo terreno ou a construção de unidades.
PARA QUEM É?
Na Fiap, o curso tem esse nome há dois anos. Há oito, era o MBA de Negócios Digitais, com um público mais amplo, formado por quem trabalhava em empresas com soluções digitais ou startups. No último semestre, houve um aumento de 40% na procura. “A gente começou a ver uma maturidade dessas empresas, que passaram daquela fase de entender o que está acontecendo para começar a atuar. Hoje, esse MBA ajuda a desenvolver os líderes dessas transformações de tecnologia para os negócios”, diz Pereira.
No Insper, a formação é mais recente; a primeira turma foi formada no segundo trimestre de 2022 e ensina os alunos a gerirem o processo dentro de suas empresas. Na classe, há quem atue em serviços financeiros, marketing, grupos de mídia, setor sucroalcooleiro, farmacêutico e empresas de base tecnológica. “O curso fornece essa visão de como usar as tecnologias atuais e coletar dados, manipular e gerir esses dados para que você tome decisões. A tecnologia é o meio, mas os resultados vêm muito dessa visão estratégica que a transformação digital pode trazer”, afirma Alex Camilli Bottene, um dos coordenadores do curso de pós-graduação em Transformação Digital. Paralelamente ao programa, a instituição tem um grupo de trabalho que conecta empresas em transformação para que discutam as limitações, as dificuldades e as vantagens da trajetória. “Como academia, formamos base de informação e metodologia para melhorar a experiência das corporações.”
Flavio Mattos optou pelo curso para trocar experiências e ganhar mais bagagem teórica para sua atuação como diretor de TI e Operações de uma agência de publicidade. Formado em Sistemas de Informação, ele observa que, na área de tecnologia, é cada vez mais comum que os olhares se voltem para as esferas de negócios, gestão e operação. “É um movimento natural, porque o impacto da tecnologia deixa de ser o commodity, a infraestrutura básica e o apoio no sistema e passa a ser como a gente destrava valor para o negócio e gera transformações que reduzem os custos”, afirma. Desde o primeiro trimestre cursado, Flavio tem levado discussões da sala de aula para dentro da empresa em que trabalha. “Quando chego para uma reunião com diferentes áreas, todo mundo já está com uma cabeça de ‘como eu faço uma automação?’ ou ‘como posso fazer para esse processo ser mais eficiente?’.” Na sala de aula, compartilham conhecimento colegas que trabalham em setores distintos. “Acho que todo o mundo se beneficia de aprender essa parte técnico-teórica para de fato enxergar como isso pode ser aplicado.”
TENDÊNCIAS
Para muitos dos players do setor, a transformação digital pode andar de mãos dadas com a abordagem ESG (do inglês para sustentabilidade ambiental, social e de governança), ambas capazes de renovar as estratégias corporativas. As ferramentas de cibersegurança, por exemplo, fomentam boas práticas de governança, enquanto a digitalização pode promover transparência de dados e a otimização do uso de energia elétrica. Segundo Guilherme Pereira, o assunto é uma discussão ainda em aberto. “Obviamente, usa-se menos papel e a gente aumenta a capacidade de governança quando usa plataformas digitais. Por outro lado, tem alguns outros problemas, que têm a ver com o social.” Entre eles estão a substituição de trabalhadores na área de atendimento ao cliente e a questão da exclusão digital, pois os negócios digitais são incapazes de chegar aos cerca de 36 milhões de brasileiros que não têm acesso à internet. “Quando falamos de tecnologias mais massivas, como blockchain, tem também um custo, uma pegada de carbono, que precisa ser considerada.”
Apesar de estar no radar de executivos e ter sido uma necessidade acelerada pela pandemia, para que as organizações façam parte do mundo da transformação digital não basta estar por dentro das últimas tecnologias. Segundo um levantamento do Boston Consulting Group (BCG), apenas 33% das empresas que apostam na tendência conseguem executá-la de forma satisfatória. Para Eros Leon Kohler, pesquisador de Conectividade do centro de pesquisa tecnológica e inovação Lactec, existe no Brasil uma lacuna entre a oferta de profissionais e as demandas do mercado consumidor. “É um desafio para os profissionais desse campo auxiliar as empresas a adotar uma mentalidade mais competitiva e, por isso, é crucial formar pessoas com o perfil adequado.”
Além de crucial para o desenvolvimento sustentável e o progresso do País, Eros considera que a transformação digital pode desempenhar um papel fundamental na melhoria de serviços prestados por empresas públicas. “A aplicação de técnicas de inteligência artificial permite o processamento e análise de grandes volumes de dados, contribuindo para a criação de políticas públicas. Já a tecnologia blockchain como ferramenta para garantir a integridade e rastreabilidade das informações pode promover maior transparência.”