Dentro do tripé que integra a sigla ESG, o S, de Social – que abrange os temas ligados às questões raciais, de diversidade de gênero e de direitos humanos – está cada vez mais presente nas disciplinas de cursos de graduação. Há, ainda, programas inteiros de pós dedicados a esse universo nas universidades brasileiras, nas modalidades lato e stricto sensu.
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, oferece a Especialização de Estudos de Gênero. O curso reúne, em sua segunda turma, profissionais que atuam em diferentes áreas, como Saúde, Artes, Direito, Educação e Comunicação. A formação multidisciplinar aborda conceitos básicos de estudos feministas e de gênero, e faz articulações com campos específicos, como sexualidade, educação e saúde.
Milena Freire de Oliveira Cruz, coordenadora do curso, diz que os alunos que procuram pela especialização são pessoas que lidam, em suas frentes de trabalho, com a reivindicação pela igualdade de gênero. “Isso não era uma pauta antes, mas agora as questões sociais estão na nossa frente de modo muito explícito.”
Um dos estudantes, conta, era enfermeiro e procurou o curso tanto para melhorar suas relações com seus pares quanto para atender o público. “Às vezes, são questões que estão inviabilizadas na nossa rotina. A discussão em sala de aula permite que esses profissionais possam se capacitar e ter uma visão ampliada e criteriosa de como a desigualdade se dá na prática da vida.”
Resistência
Antropóloga e professora da graduação e pós da PUC-SP, Carla Cristina Garcia integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Sexualidades, Feminismos, Gênero e Diferenças da PUC-SP, que discute as questões do feminismo latino-americano e propõe formações na área. “Eu me considero uma pesquisadora feminista desde sempre e nossa intenção com o núcleo é entender, por meio da educação, de um jeito amplo, não apenas os números das diversas violências que os grupos minoritários sofrem, mas os avanços dessas resistências. Temos nos esforçado para fazer cursos que ajudem a desenvolver o pensamento mais crítico em relação a colonialismo e racismo.”
Uma das formações disponíveis na PUC-SP, em que Carla leciona, é o lato sensu sobre Masculinidades Contemporâneas, que inclui em seu conteúdo programático a discussão sobre a infância dos meninos e as relações de gênero na escola. “O curso tenta debater todas as críticas que se faz sobre o papel do homem, e eles estão buscando cada vez mais essas formações. A mídia, de maneira geral, tem feito coberturas mais amplas sobre racismo, homofobia e violência contra as mulheres. Por causa dessa cobertura, tem aumentado o interesse por discutir esse assunto”, afirma.
No caso do racismo, uma iniciativa cada vez mais ouvida é o Protocolo ESG Racial, por meio do qual as empresas passam a utilizar o IEER (Índice ESG de Equidade Racial) como métrica de combate ao racismo. O indicador utiliza uma metodologia exclusiva para calcular o desequilíbrio racial da empresa por meio da avaliação do quadro de colaboradores, suas ocupações e suas remunerações, levando em conta a distribuição racial na região em que a empresa atua. “Se eu não me situo, não me posiciono de um modo que eu consiga contribuir. Dessa forma, a desigualdade permanece”, resume Milena, coordenadora da UFSM.
Fora da academia
Ambas as docentes consideram relevantes os movimentos que têm surgido fora da academia, na internet, como o #chegadefiufiu, campanha contra o assédio sexual, pois funcionam como canais de denúncia e permitem a construção de diálogo. “Nenhuma mudança estrutural acontece rapidamente, mas são portas abertas que não vão mais fechar. Quero acreditar que existiram avanços, que não vamos mais retroceder”, afirma Milena.
Foi essa “explosão feminista” surgida com as redes sociais que serviu de alerta para a psicóloga Juliana Novo Coutinho, de 41 anos, que mudou o ramo de sua atuação profissional. “Foi nos anos de 2016 e 2017 que parei para refletir o quanto estava contribuindo com as questões de gênero, o quanto a minha escuta estava dando voz e visibilidade para as questões de gênero. Passei, então, a atender mulheres que foram vítimas de violência no parto e no pós-parto.”
Em meio a esse movimento, em 2018, Juliana também voltou à universidade e se matriculou na especialização de Estudos de Gênero na UFSM, tendo em vista que a grade da graduação, concluída em 2013, não contemplou o tema. “Os estudos de gênero proporcionam reflexão e autoconhecimento, são uma ferramenta de desalienação para mulheres e meninas.”