A rotina da dona de casa Irene Cecília Cagol, de 51 anos, e do filho, Vitor Gabriel Cagol, de 17, está prestes a passar por uma transformação. Agora, além de dividir as tarefas de casa, a mãe e o adolescente partilham da realização de um sonho: entrar na faculdade. Irene e Vitor foram aprovados juntos, neste mês, no curso de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em Foz do Iguaçu.
Os novos calouros se dedicaram aos estudos durante meses a fim de serem aprovados no vestibular. O mergulho nos livros ocorreu em casa e no cursinho pré-vestibular ofertado gratuitamente pela própria Unioeste.
“Sempre que tínhamos tempo, estudávamos juntos. Além das aulas regulares do ensino médio, eu participava das aulas do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades e Superdotação do Paraná de forma online. Às quartas-feiras, nós dois frequentávamos o cursinho”, contou Vitor ao Estadão.
Ambos estudavam juntos ao menos duas horas diárias. O jovem atuava como uma espécie de “professor” para ensinar alguns conteúdos à mãe, que ficou cerca de 24 anos fora de uma sala de aula.
Mãe e filho costumavam resolver exercícios matemáticos juntos, assistir a videoaulas na internet, escrever redações sobre os mais variados temas e revisar livros do ensino médio.
“Foi bem puxado porque eu me dividia entre as atividades domésticas, a ida ao cursinho pré-vestibular e assistir aos vídeos no YouTube. Eu estudava todos os dias, mas dependia da disponibilidade de tempo que eu tinha. Eu pegava os livros e materiais que o Vitor disponibilizava para mim e procurava fazer algumas coisas sozinha mesmo”, explicou Irene, que também destacou ter maior interesse pela disciplina de português.
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Desafios
Enquanto Vitor foi aprovado em 10º lugar na ampla concorrência, Irene Cecília foi selecionada em segundo lugar nas vagas destinadas a pessoas com deficiência (PCDs) por ter sido diagnosticada com fibromialgia, síndrome crônica caracterizada pela manifestação de dores em todo o corpo, fadiga, alterações na memória, ansiedade, entre outros sintomas.
A doença, segundo ela, provoca limitações. “É uma doença difícil de se lidar, mas vou dar o meu melhor”, disse.
Segundo a Universidade Estadual do Oeste do Paraná, a última edição do vestibular ofertou 1.624 vagas para 66 cursos de graduação. Ao todo, 14.333 candidatos concorreram às vagas no processo seletivo.
Irene e Vitor, por sua vez, foram dois dos 26 selecionados para ingressar no curso de Engenharia Elétrica. No entanto, o jovem não foi aprovado somente em uma instituição.
“Eu fui aprovado para o curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistema no vestibular do Instituto Federal do Paraná (IFPR), em Engenharia Física na Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) e agora na Unioeste”, contou ele.
Segundo o estudante, a sensação de ver o próprio nome e de sua mãe na lista de aprovados do vestibular da Unioeste foi “indescritível”, embora Irene não tivesse acreditado no resultado e pensado que seu nome estava na lista de “reprovados”.
“Primeiro, fomos ver o meu resultado porque ela estava com um pouco de vergonha por causa da idade e do medo de não ter sido aprovada. Quando vi meu nome, comemoramos muito. Depois, fomos ver o nome dela no mural. Minha mãe não acreditou e disse que o nome dela estava na lista de reprovados. Demorou um pouco para a ficha dela cair”, lembrou.
Irene é a primeira da família a ingressar em uma instituição pública de ensino superior. Ela e os dez irmãos — todos criados somente pela mãe — tiveram de abrir mão dos estudos para procurar empregos e ajudar no sustento da família.
A dona de casa relatou que chegou a passar fome durante a infância: “Eu não cursei o ensino superior antes por conta das dificuldades financeiras e porque, na época, não tinha tantas oportunidades como tem hoje. A minha irmã mais velha, Ivanete Maria dos Santos, se formou em Pedagogia depois de casada em uma faculdade privada. Já passamos muitas dificuldades, inclusive fome. Minha mãe criou 11 filhos sozinha. Ela foi uma guerreira.”
Por outro lado, o filho de Irene, que diz ser apaixonado pela área da robótica, afirmou que o curso de Engenharia Elétrica é integral — manhã e tarde —, o que deve proporcionar mais tempo vivência entre ele e a mãe.
Vitor e Irene moram a cerca de 18 km do Parque Tecnológico Itaipu — Brasil (PTI-BR), onde as aulas do curso serão ofertadas. Desempregada, Irene luta para sustentar o filho somente com um salário mínimo, cerca de R$ 1.412. Vitor foi diagnosticado, antes dos dois anos de idade, com epilepsia — síndrome neurológica que afeta o funcionamento do cérebro e causa, principalmente, crises convulsivas e espasmos.
Apesar das dificuldades financeiras e problemas de saúde, a dona de casa destaca que a aprovação no vestibular trouxe um “alívio” e a oportunidade de retornar à sala de aula depois de duas décadas.
A intenção, diz ela, é concluir o curso junto com o filho. “Foi uma sensação maravilhosa, quase inacreditável. É uma alegria muito grande. Fico orgulhosa por ter a oportunidade de voltar a estudar novamente e espero que muitas mães e pessoas que estão há muito tempo sem estudar retornem para a sala de aula”, afirmou Irene Cecília, que se diz preocupada com a forma com que será acolhida pelos colegas do curso devido à idade.
A dupla pretende solicitar apoio financeiro da universidade por meio de programas de auxílios estudantis para dar início e concluir os estudos. As aulas devem começar em julho deste ano.
“Fico muito feliz com esta notícia de que mãe e filho frequentaram as aulas do cursinho e juntos conseguiram aprovação no curso de Engenharia Elétrica. Com certeza, será uma experiência riquíssima para ambos, que os aproximará profundamente e trará desdobramentos positivos para toda as suas vidas e para sua família também”, afirmou o coordenador do curso em que Vitor e Irene foram aprovados, Elídio de Carvalho Lobão.