Empresa vende relatórios de escolas no Enem com dados obtidos em sala de acesso restrito do MEC


Informações sobre supostas notas são negociadas por R$ 599 na internet; governo federal, que autorizou acesso ao local, não garante veracidade; AIO diz não comercializar dados, e sim análises

Por Renata Cafardo
Atualização:

Uma empresa que teve acesso autorizado aos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em uma sala segura do Ministério da Educação (MEC) está vendendo informações para escolas e pais na internet. Pacotes que incluem relatórios com as supostas notas das escolas particulares e rankings estão disponíveis por R$ 599 no site da edtech AIO Educação, uma startup de preparação para o vestibular com uso de inteligência artificial.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que autorizou o acesso da AIO aos dados para a realização de um estudo, disse que não garante a veracidade das informações e acionou a Procuradoria Federal para analisar o caso. A comercialização das notas é condenada por advogados, que veem ilegalidade, e criticada por especialistas em educação ouvidos pelo Estadão, especialmente num momento em que estão abertas as matrículas para 2023 na rede privada.

Com detectores de metal e outros procedimentos de segurança, o espaço do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) - conhecido como sala segura - pode ser usado apenas por estudiosos que realizam pesquisa com “finalidade científica e de evidente interesse público”, segundo portaria do Inep.

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Para usar o serviço, é necessário inscrever a pesquisa com a justificativa do acesso e ser aprovado pelo Inep. Assim, o pesquisador ganha o direito de manipular os dados pessoais dos estudantes em computadores específicos, dentro de uma sala do órgão, em Brasília. E pode sair de lá apenas levando os resultados de seus cálculos e tabulações, e não os dados brutos, que identificam os alunos.

A edtech AIO Educação foi autorizada pelo Inep a acessar dados protegidos com a justificativa de que faria um estudo sobre a influência da escolaridade das mães nas notas dos filhos no Enem. Mas passou a divulgar e vender dados das escolas não diretamente relacionados a essa pesquisa.

Há anos o MEC não divulga publicamente informações detalhadas dos resultados do Enem por causa da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

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A empresa afirma que “não comercializa dados, mas sim análises e relatórios, que são compilados com base em dados extraídos de diversas fontes”. Segundo a edtech, “todo o trabalho desenvolvido pela AIO e pelos pesquisadores do projeto está de acordo com o projeto de pesquisa enviado e validado” pelo sistema do Inep.

Educadores criticam rankings por escola com notas do Enem  Foto: Werther Santana/Estadão
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Apesar de questionados por educadores, os rankings conhecidos como “Enem por Escola” se popularizaram há alguns anos e viraram instrumento de propaganda no mercado de ensino privado. Eles eram calculados a partir de uma média feita com as notas dos alunos de cada colégio, que participaram da prova. Algumas escolas chegaram a criar unidades menores, apenas com os melhores alunos, para ter melhores resultados e se destacarem das concorrentes.

Mas, por causa da aprovação da LGPD, de 2019, o Inep deixou de divulgar os microdados do Enem, que permitiam essa tabulação, ou seja, as informações sobre as escolas em que participantes da prova fizeram o ensino médio. O temor era de que pudesse haver identificação individual dos alunos, o que fere a LGPD. Com isso, o mercado privado e a sociedade em geral não mais tiveram acesso às médias das escolas em 2020, 2021 e 2022, até a divulgação da edtech AIO há cerca de 20 dias.

De acordo com o presidente do Inep, Manuel Palácios, o órgão “não analisa o mérito” da pesquisa de quem pede acesso à sala segura pelo Sedap. “Só é analisado da perspectiva da proteção de dados, para impedir que dados sensíveis e individuais sejam dados a público. Não há apreciação do projeto nem da qualificação”, disse ao Estadão.

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“Não validamos nada. O pesquisador faz por conta dele”, completou, ao ser questionado sobre os dados divulgados e comercializados pela AIO Educação.

A pesquisa apresentada ao Inep pela AIO é intitulada “Análise da Evolução e Disparidades nas Notas do Enem”, com foco na escolaridade das mães dos candidatos. Não há referência a nenhuma instituição de ensino a que ela estaria atrelada.

A portaria da criação do Sedap, de 2019, diz que os protocolos da sala segura pretendem reduzir os riscos “do uso dessas informações para outras finalidades que divirjam da finalidade que orientou a sua coleta”. Segundo Palácios, o “uso inesperado dos dados” pela edtech está sendo analisado pela Procuradoria Federal que assessora o Inep.

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Página do site da edtech AIO Educação que oferece compra de notas do Enem de escolas particulares Foto: Registro do site

Pacotes por R$ 599

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Às vésperas da prova deste ano, que será nos domingos 5 e 12 de novembro, o site da AIO Educação colocou no ar em outubro a busca por notas do Enem por escola. É preciso se cadastrar e cada usuário tem direito a ver gratuitamente as notas de uma só escola, em determinados anos. Mesmo ao se logar novamente, não é possível buscar as médias de outras escolas. Também não é permitido acessar uma comparação das notas com a de outros colégios particulares, a não ser que se pague.

“Você está vendo a informação incompleta”, alerta uma mensagem no site após a busca. “Adquira o relatório detalhado Enem por Escola para ter acesso aos dados de sua escola”, continua. O pacote de R$ 599, oferecido com desconto no valor inicial de R$ 1.499, dá direito ao relatório, a impressões e a programas como “alavanque sua nota”, segundo o site.

Questionada pelo Estadão, a AIO disse que o produto oferece informações como “classificações comparativas por diversos critérios (como geográfico, notas e porte da escola)”, o que pressupõe a visualização de dados de desempemho de muitos colégios. O pacote inclui ainda “evolução das notas, histórico, médias estimadas por disciplina”, diz a empresa.

Já os dados de escolas públicas, inclusive com opções de classificação por Estado, cidade ou nacional, estão disponíveis de graça no site da edtech. Uma tabulação das notas conforme a escolaridade da mãe, tema da pesquisa apresentada ao Inep, também não é cobrada.

A AIO Educação é uma startup do Rio de Janeiro, criada em 2020, que vende soluções com inteligência artificial para melhorar o desempenho de estudantes no Enem. “Nossos alunos aprovam em tempo recorde com um estudo guiado por I.A.”, diz o site, que oferece vídeo aulas e simulados monitorados em tempo real.

O fundador é o engenheiro Murilo Vasconcelos, que criou a Studiare, outra startup de educação, vendida por R$ 4 milhões para a Kroton em 2015.

A AIO informou que a ferramenta disponível em seu site foi “pensada para instituições e seus gestores interessados em obter uma análise do resultado da instituição no Enem e possivelmente encontrar maneiras de alavancar seus indicadores acadêmicos”.

Quem teve acesso à sala segura do Inep em nome da AIO foi o ex-professor de cursinho Mateus Prado, que também vende pacotes de preparação para o vestibular na internet e é consultor da edtech. “A gente precisava financiar nosso projeto de jornalismo de dados. Empresas de informação sérias no mundo inteiro cobram assinaturas para o acesso a conteúdos. Nenhuma escola pública paga nada nem para acesso aos dados nem para acesso aos relatórios”, disse Prado.

“Ele deixa de ser um pesquisador de uma pesquisa de interesse público quando passa a monetizar os dados em instituição privada”, diz Rafael Zanatta, advogado, doutor em Regulação e Tecnologia e diretor da Associação Data Privacy Brasil, que atua nas áreas de proteção de dados e direitos digitais.

Ele cita um dos artigos da LGPD que diz que “as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé” e seguir os princípios da finalidade, com “propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Comercial, Carlos Portugal Golvêa, diz que a Constituição Federal protege os dados pessoais e que a LGPD permite o uso desde que em órgãos de pesquisa públicos ou sem fins lucrativos. Para ele, a divulgação e venda dos dados pela AIO é “totalmente ilegal” e as escolas podem ser indenizadas por isso.

Para ex-presidente do Inep e presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães de Castro, o órgão do MEC deveria criar protocolos que não permitam a comercialização das informações. Segundo o site do Inep, foram indeferidos três dos 13 pedidos feitos em 2023 para pesquisas na sala segura. “A pessoa fez uma pesquisa dentro do Inep, divulga resultados de rankings e ainda cobra o relatório da escola. A escola não autorizou esse uso”, diz Maria Helena.

O presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), Antônio Eugênio Cunha, também vê a divulgação e a comercialização como “preocupantes”, especialmente porque acontecem nestes últimos meses do ano, época de matrículas na rede particular. “A quem interessaria a tal divulgacão? Não há interesse público, é apenas comercial”, afirma. Ele diz que espera dos órgãos públicos providências com relação ao caso.

Transparência

Depois da LGPD, as políticas de acesso a dados foram modificadas não apenas no Inep, mas também em outros õrgãos do então governo de Jair Bolsonaro (PL), no que ficou conhecido como “apagão dos dados”. As mudanças levaram à mobilização da sociedade civil e de comunidades científicas, que defendiam o interesse público da divulgação e denunciavam o prejuízo às pesquisas que utilizam essas informações.

Desde então, discute-se no País como conciliar a abertura e a proteção das informações, para garantir ao mesmo tempo a privacidade e a transparência, com políticas de mitigação de riscos.

Um relatório sobre os microdados do Inep, conduzido pela Data Privacy Brasil em parceria com a Open Knowledge Brasil, reconhece os benefícios da abertura de dados para a sociedade, mas diz que é preciso avaliar riscos e ainda haver responsabilização em caso de usos não legítimos dos dados pessoais.

Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, acredita que o “mau uso” dos dados não pode justificar a não divulgação pública. Para ela, o grande problema está no fato de o Inep ter deixado de publicar os microdados e permitido acesso restrito em uma sala segura.

“A partir do momento em que se cria acesso privilegiado, você cria uma vantagem econômica para uma empresa. Se todo mundo tivesse, perderia o valor”, afirma. Ela diz que é possível criar salvaguardas para proteger dados pessoais, como anonimação de informações, mas permitindo o acesso a todos. “A política pública precisa ser avaliada e a sociedade ganha com a riqueza da informação disponível. O foco não é o indivíduo, é a avaliação da política.”

Página do site da edtech AIO Educação que oferece relatório do Enem por R$ 599 Foto: Registro da tela

Educadores criticam ranking do Enem por notas das escolas

Mesmo antes das questões que envolvem a LGPD, as notas das escolas no Enem - calculadas a partir das médias dos alunos que fizeram a prova de cada colégio - deixaram de ser divulgadas em 2015 pelo MEC. O entendimento é o de que elas não refletem o resultado de uma instituição, já que nem todos os formandos participam da prova e a identificação da escola é voluntária.

Educadores também defendem que o Enem não é uma prova formatada para avaliar a instituição e, sim, o aluno. A nota é usada para ingressar em centenas de universidades públicas e o exame se tornou o maior vestibular do País.

Maria Helena Guimarães de Castro se diz contrária às médias por escola feitas a partir do Enem e afirma que esses rankings “só servem para propaganda no ensino particular”. “Se uma escola seleciona 10 alunos para fazer a prova, vai ter nota muito boa. E isso já aconteceu muitas vezes”, afirma.

O presidente do Inep também sustenta que a média por escola no Enem “não é um indicador fidedigno” por ser incompleto e autodeclarado.

Cunha, da Fenep, afirma ainda que a federação de colégios combate há anos a divulgação de rankings de notas do Enem porque o exame é feito para avaliar o aluno e levar ao ingresso no ensino superior. “Esse rankeamento não faz o menor sentido para as famílias. Ele só mostra desempenho e nota, mas não o projeto pedagógico da escola, o projeto de vida ou como aquele aluno evoluiu.”

Uma empresa que teve acesso autorizado aos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em uma sala segura do Ministério da Educação (MEC) está vendendo informações para escolas e pais na internet. Pacotes que incluem relatórios com as supostas notas das escolas particulares e rankings estão disponíveis por R$ 599 no site da edtech AIO Educação, uma startup de preparação para o vestibular com uso de inteligência artificial.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que autorizou o acesso da AIO aos dados para a realização de um estudo, disse que não garante a veracidade das informações e acionou a Procuradoria Federal para analisar o caso. A comercialização das notas é condenada por advogados, que veem ilegalidade, e criticada por especialistas em educação ouvidos pelo Estadão, especialmente num momento em que estão abertas as matrículas para 2023 na rede privada.

Com detectores de metal e outros procedimentos de segurança, o espaço do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) - conhecido como sala segura - pode ser usado apenas por estudiosos que realizam pesquisa com “finalidade científica e de evidente interesse público”, segundo portaria do Inep.

Para usar o serviço, é necessário inscrever a pesquisa com a justificativa do acesso e ser aprovado pelo Inep. Assim, o pesquisador ganha o direito de manipular os dados pessoais dos estudantes em computadores específicos, dentro de uma sala do órgão, em Brasília. E pode sair de lá apenas levando os resultados de seus cálculos e tabulações, e não os dados brutos, que identificam os alunos.

A edtech AIO Educação foi autorizada pelo Inep a acessar dados protegidos com a justificativa de que faria um estudo sobre a influência da escolaridade das mães nas notas dos filhos no Enem. Mas passou a divulgar e vender dados das escolas não diretamente relacionados a essa pesquisa.

Há anos o MEC não divulga publicamente informações detalhadas dos resultados do Enem por causa da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

A empresa afirma que “não comercializa dados, mas sim análises e relatórios, que são compilados com base em dados extraídos de diversas fontes”. Segundo a edtech, “todo o trabalho desenvolvido pela AIO e pelos pesquisadores do projeto está de acordo com o projeto de pesquisa enviado e validado” pelo sistema do Inep.

Educadores criticam rankings por escola com notas do Enem  Foto: Werther Santana/Estadão

Apesar de questionados por educadores, os rankings conhecidos como “Enem por Escola” se popularizaram há alguns anos e viraram instrumento de propaganda no mercado de ensino privado. Eles eram calculados a partir de uma média feita com as notas dos alunos de cada colégio, que participaram da prova. Algumas escolas chegaram a criar unidades menores, apenas com os melhores alunos, para ter melhores resultados e se destacarem das concorrentes.

Mas, por causa da aprovação da LGPD, de 2019, o Inep deixou de divulgar os microdados do Enem, que permitiam essa tabulação, ou seja, as informações sobre as escolas em que participantes da prova fizeram o ensino médio. O temor era de que pudesse haver identificação individual dos alunos, o que fere a LGPD. Com isso, o mercado privado e a sociedade em geral não mais tiveram acesso às médias das escolas em 2020, 2021 e 2022, até a divulgação da edtech AIO há cerca de 20 dias.

De acordo com o presidente do Inep, Manuel Palácios, o órgão “não analisa o mérito” da pesquisa de quem pede acesso à sala segura pelo Sedap. “Só é analisado da perspectiva da proteção de dados, para impedir que dados sensíveis e individuais sejam dados a público. Não há apreciação do projeto nem da qualificação”, disse ao Estadão.

“Não validamos nada. O pesquisador faz por conta dele”, completou, ao ser questionado sobre os dados divulgados e comercializados pela AIO Educação.

A pesquisa apresentada ao Inep pela AIO é intitulada “Análise da Evolução e Disparidades nas Notas do Enem”, com foco na escolaridade das mães dos candidatos. Não há referência a nenhuma instituição de ensino a que ela estaria atrelada.

A portaria da criação do Sedap, de 2019, diz que os protocolos da sala segura pretendem reduzir os riscos “do uso dessas informações para outras finalidades que divirjam da finalidade que orientou a sua coleta”. Segundo Palácios, o “uso inesperado dos dados” pela edtech está sendo analisado pela Procuradoria Federal que assessora o Inep.

Página do site da edtech AIO Educação que oferece compra de notas do Enem de escolas particulares Foto: Registro do site

Pacotes por R$ 599

Às vésperas da prova deste ano, que será nos domingos 5 e 12 de novembro, o site da AIO Educação colocou no ar em outubro a busca por notas do Enem por escola. É preciso se cadastrar e cada usuário tem direito a ver gratuitamente as notas de uma só escola, em determinados anos. Mesmo ao se logar novamente, não é possível buscar as médias de outras escolas. Também não é permitido acessar uma comparação das notas com a de outros colégios particulares, a não ser que se pague.

“Você está vendo a informação incompleta”, alerta uma mensagem no site após a busca. “Adquira o relatório detalhado Enem por Escola para ter acesso aos dados de sua escola”, continua. O pacote de R$ 599, oferecido com desconto no valor inicial de R$ 1.499, dá direito ao relatório, a impressões e a programas como “alavanque sua nota”, segundo o site.

Questionada pelo Estadão, a AIO disse que o produto oferece informações como “classificações comparativas por diversos critérios (como geográfico, notas e porte da escola)”, o que pressupõe a visualização de dados de desempemho de muitos colégios. O pacote inclui ainda “evolução das notas, histórico, médias estimadas por disciplina”, diz a empresa.

Já os dados de escolas públicas, inclusive com opções de classificação por Estado, cidade ou nacional, estão disponíveis de graça no site da edtech. Uma tabulação das notas conforme a escolaridade da mãe, tema da pesquisa apresentada ao Inep, também não é cobrada.

A AIO Educação é uma startup do Rio de Janeiro, criada em 2020, que vende soluções com inteligência artificial para melhorar o desempenho de estudantes no Enem. “Nossos alunos aprovam em tempo recorde com um estudo guiado por I.A.”, diz o site, que oferece vídeo aulas e simulados monitorados em tempo real.

O fundador é o engenheiro Murilo Vasconcelos, que criou a Studiare, outra startup de educação, vendida por R$ 4 milhões para a Kroton em 2015.

A AIO informou que a ferramenta disponível em seu site foi “pensada para instituições e seus gestores interessados em obter uma análise do resultado da instituição no Enem e possivelmente encontrar maneiras de alavancar seus indicadores acadêmicos”.

Quem teve acesso à sala segura do Inep em nome da AIO foi o ex-professor de cursinho Mateus Prado, que também vende pacotes de preparação para o vestibular na internet e é consultor da edtech. “A gente precisava financiar nosso projeto de jornalismo de dados. Empresas de informação sérias no mundo inteiro cobram assinaturas para o acesso a conteúdos. Nenhuma escola pública paga nada nem para acesso aos dados nem para acesso aos relatórios”, disse Prado.

“Ele deixa de ser um pesquisador de uma pesquisa de interesse público quando passa a monetizar os dados em instituição privada”, diz Rafael Zanatta, advogado, doutor em Regulação e Tecnologia e diretor da Associação Data Privacy Brasil, que atua nas áreas de proteção de dados e direitos digitais.

Ele cita um dos artigos da LGPD que diz que “as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé” e seguir os princípios da finalidade, com “propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Comercial, Carlos Portugal Golvêa, diz que a Constituição Federal protege os dados pessoais e que a LGPD permite o uso desde que em órgãos de pesquisa públicos ou sem fins lucrativos. Para ele, a divulgação e venda dos dados pela AIO é “totalmente ilegal” e as escolas podem ser indenizadas por isso.

Para ex-presidente do Inep e presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães de Castro, o órgão do MEC deveria criar protocolos que não permitam a comercialização das informações. Segundo o site do Inep, foram indeferidos três dos 13 pedidos feitos em 2023 para pesquisas na sala segura. “A pessoa fez uma pesquisa dentro do Inep, divulga resultados de rankings e ainda cobra o relatório da escola. A escola não autorizou esse uso”, diz Maria Helena.

O presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), Antônio Eugênio Cunha, também vê a divulgação e a comercialização como “preocupantes”, especialmente porque acontecem nestes últimos meses do ano, época de matrículas na rede particular. “A quem interessaria a tal divulgacão? Não há interesse público, é apenas comercial”, afirma. Ele diz que espera dos órgãos públicos providências com relação ao caso.

Transparência

Depois da LGPD, as políticas de acesso a dados foram modificadas não apenas no Inep, mas também em outros õrgãos do então governo de Jair Bolsonaro (PL), no que ficou conhecido como “apagão dos dados”. As mudanças levaram à mobilização da sociedade civil e de comunidades científicas, que defendiam o interesse público da divulgação e denunciavam o prejuízo às pesquisas que utilizam essas informações.

Desde então, discute-se no País como conciliar a abertura e a proteção das informações, para garantir ao mesmo tempo a privacidade e a transparência, com políticas de mitigação de riscos.

Um relatório sobre os microdados do Inep, conduzido pela Data Privacy Brasil em parceria com a Open Knowledge Brasil, reconhece os benefícios da abertura de dados para a sociedade, mas diz que é preciso avaliar riscos e ainda haver responsabilização em caso de usos não legítimos dos dados pessoais.

Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, acredita que o “mau uso” dos dados não pode justificar a não divulgação pública. Para ela, o grande problema está no fato de o Inep ter deixado de publicar os microdados e permitido acesso restrito em uma sala segura.

“A partir do momento em que se cria acesso privilegiado, você cria uma vantagem econômica para uma empresa. Se todo mundo tivesse, perderia o valor”, afirma. Ela diz que é possível criar salvaguardas para proteger dados pessoais, como anonimação de informações, mas permitindo o acesso a todos. “A política pública precisa ser avaliada e a sociedade ganha com a riqueza da informação disponível. O foco não é o indivíduo, é a avaliação da política.”

Página do site da edtech AIO Educação que oferece relatório do Enem por R$ 599 Foto: Registro da tela

Educadores criticam ranking do Enem por notas das escolas

Mesmo antes das questões que envolvem a LGPD, as notas das escolas no Enem - calculadas a partir das médias dos alunos que fizeram a prova de cada colégio - deixaram de ser divulgadas em 2015 pelo MEC. O entendimento é o de que elas não refletem o resultado de uma instituição, já que nem todos os formandos participam da prova e a identificação da escola é voluntária.

Educadores também defendem que o Enem não é uma prova formatada para avaliar a instituição e, sim, o aluno. A nota é usada para ingressar em centenas de universidades públicas e o exame se tornou o maior vestibular do País.

Maria Helena Guimarães de Castro se diz contrária às médias por escola feitas a partir do Enem e afirma que esses rankings “só servem para propaganda no ensino particular”. “Se uma escola seleciona 10 alunos para fazer a prova, vai ter nota muito boa. E isso já aconteceu muitas vezes”, afirma.

O presidente do Inep também sustenta que a média por escola no Enem “não é um indicador fidedigno” por ser incompleto e autodeclarado.

Cunha, da Fenep, afirma ainda que a federação de colégios combate há anos a divulgação de rankings de notas do Enem porque o exame é feito para avaliar o aluno e levar ao ingresso no ensino superior. “Esse rankeamento não faz o menor sentido para as famílias. Ele só mostra desempenho e nota, mas não o projeto pedagógico da escola, o projeto de vida ou como aquele aluno evoluiu.”

Uma empresa que teve acesso autorizado aos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em uma sala segura do Ministério da Educação (MEC) está vendendo informações para escolas e pais na internet. Pacotes que incluem relatórios com as supostas notas das escolas particulares e rankings estão disponíveis por R$ 599 no site da edtech AIO Educação, uma startup de preparação para o vestibular com uso de inteligência artificial.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que autorizou o acesso da AIO aos dados para a realização de um estudo, disse que não garante a veracidade das informações e acionou a Procuradoria Federal para analisar o caso. A comercialização das notas é condenada por advogados, que veem ilegalidade, e criticada por especialistas em educação ouvidos pelo Estadão, especialmente num momento em que estão abertas as matrículas para 2023 na rede privada.

Com detectores de metal e outros procedimentos de segurança, o espaço do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) - conhecido como sala segura - pode ser usado apenas por estudiosos que realizam pesquisa com “finalidade científica e de evidente interesse público”, segundo portaria do Inep.

Para usar o serviço, é necessário inscrever a pesquisa com a justificativa do acesso e ser aprovado pelo Inep. Assim, o pesquisador ganha o direito de manipular os dados pessoais dos estudantes em computadores específicos, dentro de uma sala do órgão, em Brasília. E pode sair de lá apenas levando os resultados de seus cálculos e tabulações, e não os dados brutos, que identificam os alunos.

A edtech AIO Educação foi autorizada pelo Inep a acessar dados protegidos com a justificativa de que faria um estudo sobre a influência da escolaridade das mães nas notas dos filhos no Enem. Mas passou a divulgar e vender dados das escolas não diretamente relacionados a essa pesquisa.

Há anos o MEC não divulga publicamente informações detalhadas dos resultados do Enem por causa da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

A empresa afirma que “não comercializa dados, mas sim análises e relatórios, que são compilados com base em dados extraídos de diversas fontes”. Segundo a edtech, “todo o trabalho desenvolvido pela AIO e pelos pesquisadores do projeto está de acordo com o projeto de pesquisa enviado e validado” pelo sistema do Inep.

Educadores criticam rankings por escola com notas do Enem  Foto: Werther Santana/Estadão

Apesar de questionados por educadores, os rankings conhecidos como “Enem por Escola” se popularizaram há alguns anos e viraram instrumento de propaganda no mercado de ensino privado. Eles eram calculados a partir de uma média feita com as notas dos alunos de cada colégio, que participaram da prova. Algumas escolas chegaram a criar unidades menores, apenas com os melhores alunos, para ter melhores resultados e se destacarem das concorrentes.

Mas, por causa da aprovação da LGPD, de 2019, o Inep deixou de divulgar os microdados do Enem, que permitiam essa tabulação, ou seja, as informações sobre as escolas em que participantes da prova fizeram o ensino médio. O temor era de que pudesse haver identificação individual dos alunos, o que fere a LGPD. Com isso, o mercado privado e a sociedade em geral não mais tiveram acesso às médias das escolas em 2020, 2021 e 2022, até a divulgação da edtech AIO há cerca de 20 dias.

De acordo com o presidente do Inep, Manuel Palácios, o órgão “não analisa o mérito” da pesquisa de quem pede acesso à sala segura pelo Sedap. “Só é analisado da perspectiva da proteção de dados, para impedir que dados sensíveis e individuais sejam dados a público. Não há apreciação do projeto nem da qualificação”, disse ao Estadão.

“Não validamos nada. O pesquisador faz por conta dele”, completou, ao ser questionado sobre os dados divulgados e comercializados pela AIO Educação.

A pesquisa apresentada ao Inep pela AIO é intitulada “Análise da Evolução e Disparidades nas Notas do Enem”, com foco na escolaridade das mães dos candidatos. Não há referência a nenhuma instituição de ensino a que ela estaria atrelada.

A portaria da criação do Sedap, de 2019, diz que os protocolos da sala segura pretendem reduzir os riscos “do uso dessas informações para outras finalidades que divirjam da finalidade que orientou a sua coleta”. Segundo Palácios, o “uso inesperado dos dados” pela edtech está sendo analisado pela Procuradoria Federal que assessora o Inep.

Página do site da edtech AIO Educação que oferece compra de notas do Enem de escolas particulares Foto: Registro do site

Pacotes por R$ 599

Às vésperas da prova deste ano, que será nos domingos 5 e 12 de novembro, o site da AIO Educação colocou no ar em outubro a busca por notas do Enem por escola. É preciso se cadastrar e cada usuário tem direito a ver gratuitamente as notas de uma só escola, em determinados anos. Mesmo ao se logar novamente, não é possível buscar as médias de outras escolas. Também não é permitido acessar uma comparação das notas com a de outros colégios particulares, a não ser que se pague.

“Você está vendo a informação incompleta”, alerta uma mensagem no site após a busca. “Adquira o relatório detalhado Enem por Escola para ter acesso aos dados de sua escola”, continua. O pacote de R$ 599, oferecido com desconto no valor inicial de R$ 1.499, dá direito ao relatório, a impressões e a programas como “alavanque sua nota”, segundo o site.

Questionada pelo Estadão, a AIO disse que o produto oferece informações como “classificações comparativas por diversos critérios (como geográfico, notas e porte da escola)”, o que pressupõe a visualização de dados de desempemho de muitos colégios. O pacote inclui ainda “evolução das notas, histórico, médias estimadas por disciplina”, diz a empresa.

Já os dados de escolas públicas, inclusive com opções de classificação por Estado, cidade ou nacional, estão disponíveis de graça no site da edtech. Uma tabulação das notas conforme a escolaridade da mãe, tema da pesquisa apresentada ao Inep, também não é cobrada.

A AIO Educação é uma startup do Rio de Janeiro, criada em 2020, que vende soluções com inteligência artificial para melhorar o desempenho de estudantes no Enem. “Nossos alunos aprovam em tempo recorde com um estudo guiado por I.A.”, diz o site, que oferece vídeo aulas e simulados monitorados em tempo real.

O fundador é o engenheiro Murilo Vasconcelos, que criou a Studiare, outra startup de educação, vendida por R$ 4 milhões para a Kroton em 2015.

A AIO informou que a ferramenta disponível em seu site foi “pensada para instituições e seus gestores interessados em obter uma análise do resultado da instituição no Enem e possivelmente encontrar maneiras de alavancar seus indicadores acadêmicos”.

Quem teve acesso à sala segura do Inep em nome da AIO foi o ex-professor de cursinho Mateus Prado, que também vende pacotes de preparação para o vestibular na internet e é consultor da edtech. “A gente precisava financiar nosso projeto de jornalismo de dados. Empresas de informação sérias no mundo inteiro cobram assinaturas para o acesso a conteúdos. Nenhuma escola pública paga nada nem para acesso aos dados nem para acesso aos relatórios”, disse Prado.

“Ele deixa de ser um pesquisador de uma pesquisa de interesse público quando passa a monetizar os dados em instituição privada”, diz Rafael Zanatta, advogado, doutor em Regulação e Tecnologia e diretor da Associação Data Privacy Brasil, que atua nas áreas de proteção de dados e direitos digitais.

Ele cita um dos artigos da LGPD que diz que “as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé” e seguir os princípios da finalidade, com “propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Comercial, Carlos Portugal Golvêa, diz que a Constituição Federal protege os dados pessoais e que a LGPD permite o uso desde que em órgãos de pesquisa públicos ou sem fins lucrativos. Para ele, a divulgação e venda dos dados pela AIO é “totalmente ilegal” e as escolas podem ser indenizadas por isso.

Para ex-presidente do Inep e presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães de Castro, o órgão do MEC deveria criar protocolos que não permitam a comercialização das informações. Segundo o site do Inep, foram indeferidos três dos 13 pedidos feitos em 2023 para pesquisas na sala segura. “A pessoa fez uma pesquisa dentro do Inep, divulga resultados de rankings e ainda cobra o relatório da escola. A escola não autorizou esse uso”, diz Maria Helena.

O presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), Antônio Eugênio Cunha, também vê a divulgação e a comercialização como “preocupantes”, especialmente porque acontecem nestes últimos meses do ano, época de matrículas na rede particular. “A quem interessaria a tal divulgacão? Não há interesse público, é apenas comercial”, afirma. Ele diz que espera dos órgãos públicos providências com relação ao caso.

Transparência

Depois da LGPD, as políticas de acesso a dados foram modificadas não apenas no Inep, mas também em outros õrgãos do então governo de Jair Bolsonaro (PL), no que ficou conhecido como “apagão dos dados”. As mudanças levaram à mobilização da sociedade civil e de comunidades científicas, que defendiam o interesse público da divulgação e denunciavam o prejuízo às pesquisas que utilizam essas informações.

Desde então, discute-se no País como conciliar a abertura e a proteção das informações, para garantir ao mesmo tempo a privacidade e a transparência, com políticas de mitigação de riscos.

Um relatório sobre os microdados do Inep, conduzido pela Data Privacy Brasil em parceria com a Open Knowledge Brasil, reconhece os benefícios da abertura de dados para a sociedade, mas diz que é preciso avaliar riscos e ainda haver responsabilização em caso de usos não legítimos dos dados pessoais.

Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, acredita que o “mau uso” dos dados não pode justificar a não divulgação pública. Para ela, o grande problema está no fato de o Inep ter deixado de publicar os microdados e permitido acesso restrito em uma sala segura.

“A partir do momento em que se cria acesso privilegiado, você cria uma vantagem econômica para uma empresa. Se todo mundo tivesse, perderia o valor”, afirma. Ela diz que é possível criar salvaguardas para proteger dados pessoais, como anonimação de informações, mas permitindo o acesso a todos. “A política pública precisa ser avaliada e a sociedade ganha com a riqueza da informação disponível. O foco não é o indivíduo, é a avaliação da política.”

Página do site da edtech AIO Educação que oferece relatório do Enem por R$ 599 Foto: Registro da tela

Educadores criticam ranking do Enem por notas das escolas

Mesmo antes das questões que envolvem a LGPD, as notas das escolas no Enem - calculadas a partir das médias dos alunos que fizeram a prova de cada colégio - deixaram de ser divulgadas em 2015 pelo MEC. O entendimento é o de que elas não refletem o resultado de uma instituição, já que nem todos os formandos participam da prova e a identificação da escola é voluntária.

Educadores também defendem que o Enem não é uma prova formatada para avaliar a instituição e, sim, o aluno. A nota é usada para ingressar em centenas de universidades públicas e o exame se tornou o maior vestibular do País.

Maria Helena Guimarães de Castro se diz contrária às médias por escola feitas a partir do Enem e afirma que esses rankings “só servem para propaganda no ensino particular”. “Se uma escola seleciona 10 alunos para fazer a prova, vai ter nota muito boa. E isso já aconteceu muitas vezes”, afirma.

O presidente do Inep também sustenta que a média por escola no Enem “não é um indicador fidedigno” por ser incompleto e autodeclarado.

Cunha, da Fenep, afirma ainda que a federação de colégios combate há anos a divulgação de rankings de notas do Enem porque o exame é feito para avaliar o aluno e levar ao ingresso no ensino superior. “Esse rankeamento não faz o menor sentido para as famílias. Ele só mostra desempenho e nota, mas não o projeto pedagógico da escola, o projeto de vida ou como aquele aluno evoluiu.”

Uma empresa que teve acesso autorizado aos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em uma sala segura do Ministério da Educação (MEC) está vendendo informações para escolas e pais na internet. Pacotes que incluem relatórios com as supostas notas das escolas particulares e rankings estão disponíveis por R$ 599 no site da edtech AIO Educação, uma startup de preparação para o vestibular com uso de inteligência artificial.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que autorizou o acesso da AIO aos dados para a realização de um estudo, disse que não garante a veracidade das informações e acionou a Procuradoria Federal para analisar o caso. A comercialização das notas é condenada por advogados, que veem ilegalidade, e criticada por especialistas em educação ouvidos pelo Estadão, especialmente num momento em que estão abertas as matrículas para 2023 na rede privada.

Com detectores de metal e outros procedimentos de segurança, o espaço do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) - conhecido como sala segura - pode ser usado apenas por estudiosos que realizam pesquisa com “finalidade científica e de evidente interesse público”, segundo portaria do Inep.

Para usar o serviço, é necessário inscrever a pesquisa com a justificativa do acesso e ser aprovado pelo Inep. Assim, o pesquisador ganha o direito de manipular os dados pessoais dos estudantes em computadores específicos, dentro de uma sala do órgão, em Brasília. E pode sair de lá apenas levando os resultados de seus cálculos e tabulações, e não os dados brutos, que identificam os alunos.

A edtech AIO Educação foi autorizada pelo Inep a acessar dados protegidos com a justificativa de que faria um estudo sobre a influência da escolaridade das mães nas notas dos filhos no Enem. Mas passou a divulgar e vender dados das escolas não diretamente relacionados a essa pesquisa.

Há anos o MEC não divulga publicamente informações detalhadas dos resultados do Enem por causa da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

A empresa afirma que “não comercializa dados, mas sim análises e relatórios, que são compilados com base em dados extraídos de diversas fontes”. Segundo a edtech, “todo o trabalho desenvolvido pela AIO e pelos pesquisadores do projeto está de acordo com o projeto de pesquisa enviado e validado” pelo sistema do Inep.

Educadores criticam rankings por escola com notas do Enem  Foto: Werther Santana/Estadão

Apesar de questionados por educadores, os rankings conhecidos como “Enem por Escola” se popularizaram há alguns anos e viraram instrumento de propaganda no mercado de ensino privado. Eles eram calculados a partir de uma média feita com as notas dos alunos de cada colégio, que participaram da prova. Algumas escolas chegaram a criar unidades menores, apenas com os melhores alunos, para ter melhores resultados e se destacarem das concorrentes.

Mas, por causa da aprovação da LGPD, de 2019, o Inep deixou de divulgar os microdados do Enem, que permitiam essa tabulação, ou seja, as informações sobre as escolas em que participantes da prova fizeram o ensino médio. O temor era de que pudesse haver identificação individual dos alunos, o que fere a LGPD. Com isso, o mercado privado e a sociedade em geral não mais tiveram acesso às médias das escolas em 2020, 2021 e 2022, até a divulgação da edtech AIO há cerca de 20 dias.

De acordo com o presidente do Inep, Manuel Palácios, o órgão “não analisa o mérito” da pesquisa de quem pede acesso à sala segura pelo Sedap. “Só é analisado da perspectiva da proteção de dados, para impedir que dados sensíveis e individuais sejam dados a público. Não há apreciação do projeto nem da qualificação”, disse ao Estadão.

“Não validamos nada. O pesquisador faz por conta dele”, completou, ao ser questionado sobre os dados divulgados e comercializados pela AIO Educação.

A pesquisa apresentada ao Inep pela AIO é intitulada “Análise da Evolução e Disparidades nas Notas do Enem”, com foco na escolaridade das mães dos candidatos. Não há referência a nenhuma instituição de ensino a que ela estaria atrelada.

A portaria da criação do Sedap, de 2019, diz que os protocolos da sala segura pretendem reduzir os riscos “do uso dessas informações para outras finalidades que divirjam da finalidade que orientou a sua coleta”. Segundo Palácios, o “uso inesperado dos dados” pela edtech está sendo analisado pela Procuradoria Federal que assessora o Inep.

Página do site da edtech AIO Educação que oferece compra de notas do Enem de escolas particulares Foto: Registro do site

Pacotes por R$ 599

Às vésperas da prova deste ano, que será nos domingos 5 e 12 de novembro, o site da AIO Educação colocou no ar em outubro a busca por notas do Enem por escola. É preciso se cadastrar e cada usuário tem direito a ver gratuitamente as notas de uma só escola, em determinados anos. Mesmo ao se logar novamente, não é possível buscar as médias de outras escolas. Também não é permitido acessar uma comparação das notas com a de outros colégios particulares, a não ser que se pague.

“Você está vendo a informação incompleta”, alerta uma mensagem no site após a busca. “Adquira o relatório detalhado Enem por Escola para ter acesso aos dados de sua escola”, continua. O pacote de R$ 599, oferecido com desconto no valor inicial de R$ 1.499, dá direito ao relatório, a impressões e a programas como “alavanque sua nota”, segundo o site.

Questionada pelo Estadão, a AIO disse que o produto oferece informações como “classificações comparativas por diversos critérios (como geográfico, notas e porte da escola)”, o que pressupõe a visualização de dados de desempemho de muitos colégios. O pacote inclui ainda “evolução das notas, histórico, médias estimadas por disciplina”, diz a empresa.

Já os dados de escolas públicas, inclusive com opções de classificação por Estado, cidade ou nacional, estão disponíveis de graça no site da edtech. Uma tabulação das notas conforme a escolaridade da mãe, tema da pesquisa apresentada ao Inep, também não é cobrada.

A AIO Educação é uma startup do Rio de Janeiro, criada em 2020, que vende soluções com inteligência artificial para melhorar o desempenho de estudantes no Enem. “Nossos alunos aprovam em tempo recorde com um estudo guiado por I.A.”, diz o site, que oferece vídeo aulas e simulados monitorados em tempo real.

O fundador é o engenheiro Murilo Vasconcelos, que criou a Studiare, outra startup de educação, vendida por R$ 4 milhões para a Kroton em 2015.

A AIO informou que a ferramenta disponível em seu site foi “pensada para instituições e seus gestores interessados em obter uma análise do resultado da instituição no Enem e possivelmente encontrar maneiras de alavancar seus indicadores acadêmicos”.

Quem teve acesso à sala segura do Inep em nome da AIO foi o ex-professor de cursinho Mateus Prado, que também vende pacotes de preparação para o vestibular na internet e é consultor da edtech. “A gente precisava financiar nosso projeto de jornalismo de dados. Empresas de informação sérias no mundo inteiro cobram assinaturas para o acesso a conteúdos. Nenhuma escola pública paga nada nem para acesso aos dados nem para acesso aos relatórios”, disse Prado.

“Ele deixa de ser um pesquisador de uma pesquisa de interesse público quando passa a monetizar os dados em instituição privada”, diz Rafael Zanatta, advogado, doutor em Regulação e Tecnologia e diretor da Associação Data Privacy Brasil, que atua nas áreas de proteção de dados e direitos digitais.

Ele cita um dos artigos da LGPD que diz que “as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé” e seguir os princípios da finalidade, com “propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Comercial, Carlos Portugal Golvêa, diz que a Constituição Federal protege os dados pessoais e que a LGPD permite o uso desde que em órgãos de pesquisa públicos ou sem fins lucrativos. Para ele, a divulgação e venda dos dados pela AIO é “totalmente ilegal” e as escolas podem ser indenizadas por isso.

Para ex-presidente do Inep e presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães de Castro, o órgão do MEC deveria criar protocolos que não permitam a comercialização das informações. Segundo o site do Inep, foram indeferidos três dos 13 pedidos feitos em 2023 para pesquisas na sala segura. “A pessoa fez uma pesquisa dentro do Inep, divulga resultados de rankings e ainda cobra o relatório da escola. A escola não autorizou esse uso”, diz Maria Helena.

O presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), Antônio Eugênio Cunha, também vê a divulgação e a comercialização como “preocupantes”, especialmente porque acontecem nestes últimos meses do ano, época de matrículas na rede particular. “A quem interessaria a tal divulgacão? Não há interesse público, é apenas comercial”, afirma. Ele diz que espera dos órgãos públicos providências com relação ao caso.

Transparência

Depois da LGPD, as políticas de acesso a dados foram modificadas não apenas no Inep, mas também em outros õrgãos do então governo de Jair Bolsonaro (PL), no que ficou conhecido como “apagão dos dados”. As mudanças levaram à mobilização da sociedade civil e de comunidades científicas, que defendiam o interesse público da divulgação e denunciavam o prejuízo às pesquisas que utilizam essas informações.

Desde então, discute-se no País como conciliar a abertura e a proteção das informações, para garantir ao mesmo tempo a privacidade e a transparência, com políticas de mitigação de riscos.

Um relatório sobre os microdados do Inep, conduzido pela Data Privacy Brasil em parceria com a Open Knowledge Brasil, reconhece os benefícios da abertura de dados para a sociedade, mas diz que é preciso avaliar riscos e ainda haver responsabilização em caso de usos não legítimos dos dados pessoais.

Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, acredita que o “mau uso” dos dados não pode justificar a não divulgação pública. Para ela, o grande problema está no fato de o Inep ter deixado de publicar os microdados e permitido acesso restrito em uma sala segura.

“A partir do momento em que se cria acesso privilegiado, você cria uma vantagem econômica para uma empresa. Se todo mundo tivesse, perderia o valor”, afirma. Ela diz que é possível criar salvaguardas para proteger dados pessoais, como anonimação de informações, mas permitindo o acesso a todos. “A política pública precisa ser avaliada e a sociedade ganha com a riqueza da informação disponível. O foco não é o indivíduo, é a avaliação da política.”

Página do site da edtech AIO Educação que oferece relatório do Enem por R$ 599 Foto: Registro da tela

Educadores criticam ranking do Enem por notas das escolas

Mesmo antes das questões que envolvem a LGPD, as notas das escolas no Enem - calculadas a partir das médias dos alunos que fizeram a prova de cada colégio - deixaram de ser divulgadas em 2015 pelo MEC. O entendimento é o de que elas não refletem o resultado de uma instituição, já que nem todos os formandos participam da prova e a identificação da escola é voluntária.

Educadores também defendem que o Enem não é uma prova formatada para avaliar a instituição e, sim, o aluno. A nota é usada para ingressar em centenas de universidades públicas e o exame se tornou o maior vestibular do País.

Maria Helena Guimarães de Castro se diz contrária às médias por escola feitas a partir do Enem e afirma que esses rankings “só servem para propaganda no ensino particular”. “Se uma escola seleciona 10 alunos para fazer a prova, vai ter nota muito boa. E isso já aconteceu muitas vezes”, afirma.

O presidente do Inep também sustenta que a média por escola no Enem “não é um indicador fidedigno” por ser incompleto e autodeclarado.

Cunha, da Fenep, afirma ainda que a federação de colégios combate há anos a divulgação de rankings de notas do Enem porque o exame é feito para avaliar o aluno e levar ao ingresso no ensino superior. “Esse rankeamento não faz o menor sentido para as famílias. Ele só mostra desempenho e nota, mas não o projeto pedagógico da escola, o projeto de vida ou como aquele aluno evoluiu.”

Uma empresa que teve acesso autorizado aos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em uma sala segura do Ministério da Educação (MEC) está vendendo informações para escolas e pais na internet. Pacotes que incluem relatórios com as supostas notas das escolas particulares e rankings estão disponíveis por R$ 599 no site da edtech AIO Educação, uma startup de preparação para o vestibular com uso de inteligência artificial.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que autorizou o acesso da AIO aos dados para a realização de um estudo, disse que não garante a veracidade das informações e acionou a Procuradoria Federal para analisar o caso. A comercialização das notas é condenada por advogados, que veem ilegalidade, e criticada por especialistas em educação ouvidos pelo Estadão, especialmente num momento em que estão abertas as matrículas para 2023 na rede privada.

Com detectores de metal e outros procedimentos de segurança, o espaço do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) - conhecido como sala segura - pode ser usado apenas por estudiosos que realizam pesquisa com “finalidade científica e de evidente interesse público”, segundo portaria do Inep.

Para usar o serviço, é necessário inscrever a pesquisa com a justificativa do acesso e ser aprovado pelo Inep. Assim, o pesquisador ganha o direito de manipular os dados pessoais dos estudantes em computadores específicos, dentro de uma sala do órgão, em Brasília. E pode sair de lá apenas levando os resultados de seus cálculos e tabulações, e não os dados brutos, que identificam os alunos.

A edtech AIO Educação foi autorizada pelo Inep a acessar dados protegidos com a justificativa de que faria um estudo sobre a influência da escolaridade das mães nas notas dos filhos no Enem. Mas passou a divulgar e vender dados das escolas não diretamente relacionados a essa pesquisa.

Há anos o MEC não divulga publicamente informações detalhadas dos resultados do Enem por causa da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

A empresa afirma que “não comercializa dados, mas sim análises e relatórios, que são compilados com base em dados extraídos de diversas fontes”. Segundo a edtech, “todo o trabalho desenvolvido pela AIO e pelos pesquisadores do projeto está de acordo com o projeto de pesquisa enviado e validado” pelo sistema do Inep.

Educadores criticam rankings por escola com notas do Enem  Foto: Werther Santana/Estadão

Apesar de questionados por educadores, os rankings conhecidos como “Enem por Escola” se popularizaram há alguns anos e viraram instrumento de propaganda no mercado de ensino privado. Eles eram calculados a partir de uma média feita com as notas dos alunos de cada colégio, que participaram da prova. Algumas escolas chegaram a criar unidades menores, apenas com os melhores alunos, para ter melhores resultados e se destacarem das concorrentes.

Mas, por causa da aprovação da LGPD, de 2019, o Inep deixou de divulgar os microdados do Enem, que permitiam essa tabulação, ou seja, as informações sobre as escolas em que participantes da prova fizeram o ensino médio. O temor era de que pudesse haver identificação individual dos alunos, o que fere a LGPD. Com isso, o mercado privado e a sociedade em geral não mais tiveram acesso às médias das escolas em 2020, 2021 e 2022, até a divulgação da edtech AIO há cerca de 20 dias.

De acordo com o presidente do Inep, Manuel Palácios, o órgão “não analisa o mérito” da pesquisa de quem pede acesso à sala segura pelo Sedap. “Só é analisado da perspectiva da proteção de dados, para impedir que dados sensíveis e individuais sejam dados a público. Não há apreciação do projeto nem da qualificação”, disse ao Estadão.

“Não validamos nada. O pesquisador faz por conta dele”, completou, ao ser questionado sobre os dados divulgados e comercializados pela AIO Educação.

A pesquisa apresentada ao Inep pela AIO é intitulada “Análise da Evolução e Disparidades nas Notas do Enem”, com foco na escolaridade das mães dos candidatos. Não há referência a nenhuma instituição de ensino a que ela estaria atrelada.

A portaria da criação do Sedap, de 2019, diz que os protocolos da sala segura pretendem reduzir os riscos “do uso dessas informações para outras finalidades que divirjam da finalidade que orientou a sua coleta”. Segundo Palácios, o “uso inesperado dos dados” pela edtech está sendo analisado pela Procuradoria Federal que assessora o Inep.

Página do site da edtech AIO Educação que oferece compra de notas do Enem de escolas particulares Foto: Registro do site

Pacotes por R$ 599

Às vésperas da prova deste ano, que será nos domingos 5 e 12 de novembro, o site da AIO Educação colocou no ar em outubro a busca por notas do Enem por escola. É preciso se cadastrar e cada usuário tem direito a ver gratuitamente as notas de uma só escola, em determinados anos. Mesmo ao se logar novamente, não é possível buscar as médias de outras escolas. Também não é permitido acessar uma comparação das notas com a de outros colégios particulares, a não ser que se pague.

“Você está vendo a informação incompleta”, alerta uma mensagem no site após a busca. “Adquira o relatório detalhado Enem por Escola para ter acesso aos dados de sua escola”, continua. O pacote de R$ 599, oferecido com desconto no valor inicial de R$ 1.499, dá direito ao relatório, a impressões e a programas como “alavanque sua nota”, segundo o site.

Questionada pelo Estadão, a AIO disse que o produto oferece informações como “classificações comparativas por diversos critérios (como geográfico, notas e porte da escola)”, o que pressupõe a visualização de dados de desempemho de muitos colégios. O pacote inclui ainda “evolução das notas, histórico, médias estimadas por disciplina”, diz a empresa.

Já os dados de escolas públicas, inclusive com opções de classificação por Estado, cidade ou nacional, estão disponíveis de graça no site da edtech. Uma tabulação das notas conforme a escolaridade da mãe, tema da pesquisa apresentada ao Inep, também não é cobrada.

A AIO Educação é uma startup do Rio de Janeiro, criada em 2020, que vende soluções com inteligência artificial para melhorar o desempenho de estudantes no Enem. “Nossos alunos aprovam em tempo recorde com um estudo guiado por I.A.”, diz o site, que oferece vídeo aulas e simulados monitorados em tempo real.

O fundador é o engenheiro Murilo Vasconcelos, que criou a Studiare, outra startup de educação, vendida por R$ 4 milhões para a Kroton em 2015.

A AIO informou que a ferramenta disponível em seu site foi “pensada para instituições e seus gestores interessados em obter uma análise do resultado da instituição no Enem e possivelmente encontrar maneiras de alavancar seus indicadores acadêmicos”.

Quem teve acesso à sala segura do Inep em nome da AIO foi o ex-professor de cursinho Mateus Prado, que também vende pacotes de preparação para o vestibular na internet e é consultor da edtech. “A gente precisava financiar nosso projeto de jornalismo de dados. Empresas de informação sérias no mundo inteiro cobram assinaturas para o acesso a conteúdos. Nenhuma escola pública paga nada nem para acesso aos dados nem para acesso aos relatórios”, disse Prado.

“Ele deixa de ser um pesquisador de uma pesquisa de interesse público quando passa a monetizar os dados em instituição privada”, diz Rafael Zanatta, advogado, doutor em Regulação e Tecnologia e diretor da Associação Data Privacy Brasil, que atua nas áreas de proteção de dados e direitos digitais.

Ele cita um dos artigos da LGPD que diz que “as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé” e seguir os princípios da finalidade, com “propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Comercial, Carlos Portugal Golvêa, diz que a Constituição Federal protege os dados pessoais e que a LGPD permite o uso desde que em órgãos de pesquisa públicos ou sem fins lucrativos. Para ele, a divulgação e venda dos dados pela AIO é “totalmente ilegal” e as escolas podem ser indenizadas por isso.

Para ex-presidente do Inep e presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães de Castro, o órgão do MEC deveria criar protocolos que não permitam a comercialização das informações. Segundo o site do Inep, foram indeferidos três dos 13 pedidos feitos em 2023 para pesquisas na sala segura. “A pessoa fez uma pesquisa dentro do Inep, divulga resultados de rankings e ainda cobra o relatório da escola. A escola não autorizou esse uso”, diz Maria Helena.

O presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), Antônio Eugênio Cunha, também vê a divulgação e a comercialização como “preocupantes”, especialmente porque acontecem nestes últimos meses do ano, época de matrículas na rede particular. “A quem interessaria a tal divulgacão? Não há interesse público, é apenas comercial”, afirma. Ele diz que espera dos órgãos públicos providências com relação ao caso.

Transparência

Depois da LGPD, as políticas de acesso a dados foram modificadas não apenas no Inep, mas também em outros õrgãos do então governo de Jair Bolsonaro (PL), no que ficou conhecido como “apagão dos dados”. As mudanças levaram à mobilização da sociedade civil e de comunidades científicas, que defendiam o interesse público da divulgação e denunciavam o prejuízo às pesquisas que utilizam essas informações.

Desde então, discute-se no País como conciliar a abertura e a proteção das informações, para garantir ao mesmo tempo a privacidade e a transparência, com políticas de mitigação de riscos.

Um relatório sobre os microdados do Inep, conduzido pela Data Privacy Brasil em parceria com a Open Knowledge Brasil, reconhece os benefícios da abertura de dados para a sociedade, mas diz que é preciso avaliar riscos e ainda haver responsabilização em caso de usos não legítimos dos dados pessoais.

Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, acredita que o “mau uso” dos dados não pode justificar a não divulgação pública. Para ela, o grande problema está no fato de o Inep ter deixado de publicar os microdados e permitido acesso restrito em uma sala segura.

“A partir do momento em que se cria acesso privilegiado, você cria uma vantagem econômica para uma empresa. Se todo mundo tivesse, perderia o valor”, afirma. Ela diz que é possível criar salvaguardas para proteger dados pessoais, como anonimação de informações, mas permitindo o acesso a todos. “A política pública precisa ser avaliada e a sociedade ganha com a riqueza da informação disponível. O foco não é o indivíduo, é a avaliação da política.”

Página do site da edtech AIO Educação que oferece relatório do Enem por R$ 599 Foto: Registro da tela

Educadores criticam ranking do Enem por notas das escolas

Mesmo antes das questões que envolvem a LGPD, as notas das escolas no Enem - calculadas a partir das médias dos alunos que fizeram a prova de cada colégio - deixaram de ser divulgadas em 2015 pelo MEC. O entendimento é o de que elas não refletem o resultado de uma instituição, já que nem todos os formandos participam da prova e a identificação da escola é voluntária.

Educadores também defendem que o Enem não é uma prova formatada para avaliar a instituição e, sim, o aluno. A nota é usada para ingressar em centenas de universidades públicas e o exame se tornou o maior vestibular do País.

Maria Helena Guimarães de Castro se diz contrária às médias por escola feitas a partir do Enem e afirma que esses rankings “só servem para propaganda no ensino particular”. “Se uma escola seleciona 10 alunos para fazer a prova, vai ter nota muito boa. E isso já aconteceu muitas vezes”, afirma.

O presidente do Inep também sustenta que a média por escola no Enem “não é um indicador fidedigno” por ser incompleto e autodeclarado.

Cunha, da Fenep, afirma ainda que a federação de colégios combate há anos a divulgação de rankings de notas do Enem porque o exame é feito para avaliar o aluno e levar ao ingresso no ensino superior. “Esse rankeamento não faz o menor sentido para as famílias. Ele só mostra desempenho e nota, mas não o projeto pedagógico da escola, o projeto de vida ou como aquele aluno evoluiu.”

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