Enem e Sisu revolucionaram a educação no País e devem agora ser aprimorados, diz pesquisador


Professor da UnB, Senkevics é doutor em educação, especialista em gestão de políticas públicas e pesquisou o impacto do ENEM no ensino superior do País; confira entrevista exclusiva sobre o tema

Por Giovanna Castro
Atualização:

Um estudo sobre o impacto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na expansão do ensino superior no Brasil - em especial da oferta de vagas em universidades públicas - e vencedor de dois prêmios CAPES, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em 2022, mostrou que a inclusão de pessoas de rendas mais baixas nas últimas décadas de fato se deu de maneira significativa com e por conta do exame, mas evidenciou que ainda há desafios em relação à redução da desigualdade.

A pesquisa mostrou que a ampliação observada nos últimos 30 anos democratizou o acesso à universidade, principalmente por meio da oferta de vagas, do número de matrículas e de programas inclusivos. No entanto, não equiparou a proporção de jovens entre 18 e 24 anos com menor e maior renda que ingressaram e se mantiveram nos cursos de graduação. Enquanto a faixa dos mais ricos que cursam o ensino superior passou de 75% para 40% do total de alunos, a faixa dos mais pobres não ultrapassou os 15% - posição na qual se mantém estagnada desde 2015.

O exame foi criado em 1998 como um método de avaliação do nível de capacidade e conhecimentos dos estudantes ao fim do ensino médio e, com o passar do tempo, se transformou no maior processo seletivo para entrada no ensino superior do País. Junto ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), criado em 2010, ele unificou os processos seletivos das universidades federais e teve adesão também para algumas estaduais, facilitando a disputa por vagas e possibilitando que os candidatos pudessem analisar de maneira mais objetiva o leque de opções disponíveis e qual a nota necessária para ingressar em cada curso.

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Para o autor do estudo, Adriano Senkevics, que é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em gestão de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB), isso só foi possível por conta da articulação entre essas duas políticas - Enem e Sisu - com a política de ações afirmativas, que instituiu as cotas raciais e sociais. No entanto, especialistas apontam que a permanência desses alunos de baixa renda na universidade ainda é um desafio.

Como muitos dos cursos são integrais, impossibilitando que a pessoa trabalhe para se manter, e os auxílios de permanência há anos não são reajustados - lembrando que muitos estudantes precisam mudar de cidade e até de de Estado para cursar o ensino superior, muita gente não consegue ultrapassar o primeiro ano de faculdade. Segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, a taxa de evasão no ensino superior público no primeiro ano de curso é considerada alta - em 2021, data do último levantamento, ficou em 20,7% nos cursos presenciais e 27,1% nos cursos EAD.

De acordo com Senkevics, nos últimos anos houve uma perda de legitimidade no exame e no Sisu - o que fez com que a USP decidisse deixar o sistema de seleção unificada para criar a própria plataforma de entrada pela nota do Enem - e é necessário rever algumas das ferramentas das políticas para que elas sejam aprimoradas.

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Em 2024, o Enem passará por mais algumas mudanças - algumas delas já divulgadas - para se adaptar ao novo ensino médio. Ele se aproximará ainda mais de vestibulares tradicionais, como da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp), ao trazer questões dissertativas e de áreas de conhecimento atreladas à carreira escolhida pelo aluno.

Confira entrevista com Adriano Senkevics sobre o impacto do Enem e do Sisu no ensino superior brasileiro e quais os caminhos para aprimorar as políticas nos próximos anos:

Qual é a importância do Enem e do Sisu como métodos de entrada no ensino superior no Brasil e como eles contribuíram para reduzir a desigualdade?

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A importância do Enem e do Sisu é bastante elevada, mas em papéis distintos. Geralmente se fala de Enem e Sisu em conjunto mas, na verdade, são duas políticas diferentes. O Enem, especificamente, teve uma importância muito grande ao criar um parâmetro de qualidade para o ensino médio brasileiro - lembrando que a criação dele é muito anterior à criação de uma base curricular - e facilitou muito a disputa por uma vaga [no ensino superior], reduzindo custos administrativos, financeiros e o esforço também de ter de fazer vários vestibulares.

Já o Sisu foi uma maneira de implementar um processo parcialmente centralizado para ingresso nas instituições, mas, quando se fala do caráter inclusivo do Sisu, é importante pensar que ele se tornou uma ferramenta inclusiva principalmente por conta das políticas de ação afirmativa (como as cotas, que têm como finalidade combater as desigualdades e as discriminações étnicas, raciais e sociais no ambiente universitário, garantindo o acesso de todos ao ensino superior público).

O Sisu sozinho não teria gerado o efeito democratizante que ele apresentou. Foi o fato de ele viabilizar o acesso a essas cotas de maneira centralizada, possibilitando que os candidatos conheçam suas chances de ingresso e saibam fazer escolhas mais estratégicas de curso que gerou o maior ganho, ou seja, a articulação Sisu e cotas.

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Essa dinâmica do Sisu de permitir que candidatos façam a escolha do curso após a prévia das notas de corte, influenciando na toma de decisão, pode ser um dos fatores que levam a uma maior taxa de evasão no ensino superior público? O que poderia ser feito para resolver esse problema?

Esse é um problema que tem sido sim constatado, de que depois do Sisu aumentou o número de desistência em início de curso e de não ocupação de vagas - o que é uma consequência dessa maneira mais centralizada de acesso -. mas as taxas de evasão do ensino superior brasileiro em geral, tanto em públicas, quanto em privadas, são bastante altas e esse é um fenômeno muito anterior ao Sisu. Então, de certa maneira, não dá para dizer que é só por conta do Sisu que a gente tem tido maior evasão.

O que se pode fazer para reduzir esse problema é, primeiro, garantindo uma maior efetividade das políticas de permanência e assistência estudantil, que é um problema grave que causa evasão: o aluno não conseguir se manter no curso, mesmo estando em uma universidade pública.

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Uma outra maneira de se enfrentar esse problema é trabalhar a educação básica, tanto na qualidade do ensino quanto num amadurecimento das perspectivas de vida daquele jovem, para que se ele conheça um pouco mais e faça escolhas mais bem orientadas aos seus interesses e não apenas em ganhos de curto prazo que acabam gerando essas escolhas equivocadas no Sisu.

Eu acredito que essas duas frentes ajudariam a reduzir esse problema, mas, de qualquer maneira, eu acho que o fato de a pessoa ter mais opções de escolha não pode ser visto como uma coisa ruim. Antes, as pessoas faziam o vestibular muito mais no escuro, sem saber muito das opções que tinham e isso não é garantia também de que você vai ter uma escolha mais vocacionada. Então, ter escolhas é bom, mas talvez a gente tenha que trabalhar mais a capacidade do jovens em fazerem boas escolhas a partir das maiores possibilidades que existem hoje à disposição.

Como você avalia as novas diretrizes definidas para o Enem a partir de 2024?

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A adaptação do Enem a essa nova base curricular nacional comum para o ensino médio é fundamental porque a política de avaliação - pelo impacto e alcance que ela tem no público - tem uma função indutora das mudanças na educação e da implementação das políticas que se quer implementar. Então, para que o currículo do novo ensino médico seja de fato seguido, a articulação com o Enem, induzindo essa implementação, é necessária.

É difícil imaginar uma mudança curricular que não seja acompanhada por uma mudança na avaliação também. Agora, a discussão sobre o caminho que a grade curricular tem tomado não cabe tanto a nós, técnicos. É uma discussão de políticos e da sociedade sobre o que se quer para a educação básica no Brasil.

O que a aproximação do Enem dos vestibulares tradicionais nas últimas décadas diz sobre a qualidade e o caráter do exame? Isso pode, de alguma forma, estar prejudicando alunos de escolas públicas?

De fato, o Enem se aproximou dos vestibulares tradicionais e isso não é uma mudança recente, é algo que vem desde 2009. Essa foi a maneira que o País viabilizou ter uma avaliação em larga escala que pudesse subsidiar o processo seletivo das instituições. O modelo anterior do exame - que era muito mais baseado nas habilidades e competências de maneira interdisciplinar e tinha uma prova de pequeno porte, com só 63 questões - talvez não tivesse as características que você espera de um processo seletivo com o alcance que tem o Enem.

Ele cresceu em tamanho, se tornou mais escolarizado - no sentido de ter um conteúdo curricular mais tradicional - e isso fez com que ele ganhasse o alcance, a legitimidade e a importância que hoje ele tem, então eu acho que é uma mudança positiva. Para o futuro, alterar o Enem também é saudável, a partir das novas demandas que se tem. É natural que o Enem se adapte às novas bases curriculares que são colocadas, por exemplo.

Sobre prejudicar pessoas mais pobres, eu não acho que há uma relação direta. Até porque, independentemente do formato de prova que nós temos, quer seja uma prova baseada na interpretação e na resolução de problemas (Enem antigo), quer seja uma prova mais próxima do currículo escolar (Enem atual), as desigualdades educacionais vão influenciar de todos os jeitos. A desigualdade educacional antecede a discussão curricular e é um desafio que a gente tem independentemente do formato da prova.

Apesar das mudanças, o Enem ainda é conhecido por ser um exame mais focado em interpretação e interdisciplinaridade. Quais são os pontos positivos e negativos disso?

Eu vejo alguns pontos positivos como, por exemplo, o Enem ter mantido a redação no seu formato, incentivando o desenvolvimento de capacidades de escrita e de interpretação, que têm a sua importância no currículo. Além disso, um outro ponto que eu acho muito valioso nesse modelo que vem do Enem 2019 para frente é o fato de ele girar em torno de uma interdisciplinaridade de grandes áreas baseada no uso de tecnologias. Isso traz uma visão muito aplicada sobre o conhecimento, focando em o que a humanidade faz esses conhecimentos para solucionar problemas e desenvolver tecnologias de bem-estar, informações etc.

Essa foi uma escolha curricular que o Enem fez que ainda traz um caráter descritivo, ainda que ele tenha caminhado esse percurso de maior aproximação com o currículo escolar. Sobre pontos negativos, eu não saberia mencionar agora.

A saída de universidades do Sisu para a criação de suas próprias plataformas baseadas na nota do Enem, a exemplo da USP, é uma tendência? Como isso afeta os candidatos e o que deve ser melhorado no sistema nos próximos anos para evitar essa descentralização?

Eu acho que isso pode se tornar uma tendência, caso o MEC deixe de aprimorar a política, como vinha sendo feito no passado. Como a política do Sisu e do Enem ficou um tanto abandonada nos últimos anos, o que a gente observou foi um grande declínio no número de jovens que se inscreveram no Enem e uma perda de legitimidade do exame, o que acaba fazendo com que haja uma perda de legitimidade também no Sisu como um processo seletivo unificado.

Eu acredito que a tendência agora é de repensar esses programas. Eu acho que há a necessidade de se discutir como melhorar a questão da ociosidade de vagas e as desistências de primeiro e segundo semestres, que marcam muito a experiência das universidades com o Sisu e faz com que elas talvez optem por criar sistemas próprios.

Além disso, um ponto que eu tenho discutido e que pretendo lançar em breve um estudo sobre é sobre a otimização da disponibilização das cotas, que acredito que deve ser repensada. Candidatos que têm uma nota suficientemente alta para entrar pela ampla concorrência muitas vezes acabam entrando pela cota, quando não há necessidade.

Esse tipo de distorção que acontece no Sisu e em muitas universidades acaba prejudicando o acesso de milhares de cotistas em diversos cursos pelo País. Eu tenho uma proposta sobre isso, com o professor Inácio Bó, de revisão do Sisu para que ele se torne um mecanismo ainda eficiente, mas mais equitativo, sem gerar reprovações injustas para pessoas que teriam nota para ingressar na universidade.

Um estudo sobre o impacto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na expansão do ensino superior no Brasil - em especial da oferta de vagas em universidades públicas - e vencedor de dois prêmios CAPES, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em 2022, mostrou que a inclusão de pessoas de rendas mais baixas nas últimas décadas de fato se deu de maneira significativa com e por conta do exame, mas evidenciou que ainda há desafios em relação à redução da desigualdade.

A pesquisa mostrou que a ampliação observada nos últimos 30 anos democratizou o acesso à universidade, principalmente por meio da oferta de vagas, do número de matrículas e de programas inclusivos. No entanto, não equiparou a proporção de jovens entre 18 e 24 anos com menor e maior renda que ingressaram e se mantiveram nos cursos de graduação. Enquanto a faixa dos mais ricos que cursam o ensino superior passou de 75% para 40% do total de alunos, a faixa dos mais pobres não ultrapassou os 15% - posição na qual se mantém estagnada desde 2015.

O exame foi criado em 1998 como um método de avaliação do nível de capacidade e conhecimentos dos estudantes ao fim do ensino médio e, com o passar do tempo, se transformou no maior processo seletivo para entrada no ensino superior do País. Junto ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), criado em 2010, ele unificou os processos seletivos das universidades federais e teve adesão também para algumas estaduais, facilitando a disputa por vagas e possibilitando que os candidatos pudessem analisar de maneira mais objetiva o leque de opções disponíveis e qual a nota necessária para ingressar em cada curso.

Para o autor do estudo, Adriano Senkevics, que é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em gestão de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB), isso só foi possível por conta da articulação entre essas duas políticas - Enem e Sisu - com a política de ações afirmativas, que instituiu as cotas raciais e sociais. No entanto, especialistas apontam que a permanência desses alunos de baixa renda na universidade ainda é um desafio.

Como muitos dos cursos são integrais, impossibilitando que a pessoa trabalhe para se manter, e os auxílios de permanência há anos não são reajustados - lembrando que muitos estudantes precisam mudar de cidade e até de de Estado para cursar o ensino superior, muita gente não consegue ultrapassar o primeiro ano de faculdade. Segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, a taxa de evasão no ensino superior público no primeiro ano de curso é considerada alta - em 2021, data do último levantamento, ficou em 20,7% nos cursos presenciais e 27,1% nos cursos EAD.

De acordo com Senkevics, nos últimos anos houve uma perda de legitimidade no exame e no Sisu - o que fez com que a USP decidisse deixar o sistema de seleção unificada para criar a própria plataforma de entrada pela nota do Enem - e é necessário rever algumas das ferramentas das políticas para que elas sejam aprimoradas.

Em 2024, o Enem passará por mais algumas mudanças - algumas delas já divulgadas - para se adaptar ao novo ensino médio. Ele se aproximará ainda mais de vestibulares tradicionais, como da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp), ao trazer questões dissertativas e de áreas de conhecimento atreladas à carreira escolhida pelo aluno.

Confira entrevista com Adriano Senkevics sobre o impacto do Enem e do Sisu no ensino superior brasileiro e quais os caminhos para aprimorar as políticas nos próximos anos:

Qual é a importância do Enem e do Sisu como métodos de entrada no ensino superior no Brasil e como eles contribuíram para reduzir a desigualdade?

A importância do Enem e do Sisu é bastante elevada, mas em papéis distintos. Geralmente se fala de Enem e Sisu em conjunto mas, na verdade, são duas políticas diferentes. O Enem, especificamente, teve uma importância muito grande ao criar um parâmetro de qualidade para o ensino médio brasileiro - lembrando que a criação dele é muito anterior à criação de uma base curricular - e facilitou muito a disputa por uma vaga [no ensino superior], reduzindo custos administrativos, financeiros e o esforço também de ter de fazer vários vestibulares.

Já o Sisu foi uma maneira de implementar um processo parcialmente centralizado para ingresso nas instituições, mas, quando se fala do caráter inclusivo do Sisu, é importante pensar que ele se tornou uma ferramenta inclusiva principalmente por conta das políticas de ação afirmativa (como as cotas, que têm como finalidade combater as desigualdades e as discriminações étnicas, raciais e sociais no ambiente universitário, garantindo o acesso de todos ao ensino superior público).

O Sisu sozinho não teria gerado o efeito democratizante que ele apresentou. Foi o fato de ele viabilizar o acesso a essas cotas de maneira centralizada, possibilitando que os candidatos conheçam suas chances de ingresso e saibam fazer escolhas mais estratégicas de curso que gerou o maior ganho, ou seja, a articulação Sisu e cotas.

Essa dinâmica do Sisu de permitir que candidatos façam a escolha do curso após a prévia das notas de corte, influenciando na toma de decisão, pode ser um dos fatores que levam a uma maior taxa de evasão no ensino superior público? O que poderia ser feito para resolver esse problema?

Esse é um problema que tem sido sim constatado, de que depois do Sisu aumentou o número de desistência em início de curso e de não ocupação de vagas - o que é uma consequência dessa maneira mais centralizada de acesso -. mas as taxas de evasão do ensino superior brasileiro em geral, tanto em públicas, quanto em privadas, são bastante altas e esse é um fenômeno muito anterior ao Sisu. Então, de certa maneira, não dá para dizer que é só por conta do Sisu que a gente tem tido maior evasão.

O que se pode fazer para reduzir esse problema é, primeiro, garantindo uma maior efetividade das políticas de permanência e assistência estudantil, que é um problema grave que causa evasão: o aluno não conseguir se manter no curso, mesmo estando em uma universidade pública.

Uma outra maneira de se enfrentar esse problema é trabalhar a educação básica, tanto na qualidade do ensino quanto num amadurecimento das perspectivas de vida daquele jovem, para que se ele conheça um pouco mais e faça escolhas mais bem orientadas aos seus interesses e não apenas em ganhos de curto prazo que acabam gerando essas escolhas equivocadas no Sisu.

Eu acredito que essas duas frentes ajudariam a reduzir esse problema, mas, de qualquer maneira, eu acho que o fato de a pessoa ter mais opções de escolha não pode ser visto como uma coisa ruim. Antes, as pessoas faziam o vestibular muito mais no escuro, sem saber muito das opções que tinham e isso não é garantia também de que você vai ter uma escolha mais vocacionada. Então, ter escolhas é bom, mas talvez a gente tenha que trabalhar mais a capacidade do jovens em fazerem boas escolhas a partir das maiores possibilidades que existem hoje à disposição.

Como você avalia as novas diretrizes definidas para o Enem a partir de 2024?

A adaptação do Enem a essa nova base curricular nacional comum para o ensino médio é fundamental porque a política de avaliação - pelo impacto e alcance que ela tem no público - tem uma função indutora das mudanças na educação e da implementação das políticas que se quer implementar. Então, para que o currículo do novo ensino médico seja de fato seguido, a articulação com o Enem, induzindo essa implementação, é necessária.

É difícil imaginar uma mudança curricular que não seja acompanhada por uma mudança na avaliação também. Agora, a discussão sobre o caminho que a grade curricular tem tomado não cabe tanto a nós, técnicos. É uma discussão de políticos e da sociedade sobre o que se quer para a educação básica no Brasil.

O que a aproximação do Enem dos vestibulares tradicionais nas últimas décadas diz sobre a qualidade e o caráter do exame? Isso pode, de alguma forma, estar prejudicando alunos de escolas públicas?

De fato, o Enem se aproximou dos vestibulares tradicionais e isso não é uma mudança recente, é algo que vem desde 2009. Essa foi a maneira que o País viabilizou ter uma avaliação em larga escala que pudesse subsidiar o processo seletivo das instituições. O modelo anterior do exame - que era muito mais baseado nas habilidades e competências de maneira interdisciplinar e tinha uma prova de pequeno porte, com só 63 questões - talvez não tivesse as características que você espera de um processo seletivo com o alcance que tem o Enem.

Ele cresceu em tamanho, se tornou mais escolarizado - no sentido de ter um conteúdo curricular mais tradicional - e isso fez com que ele ganhasse o alcance, a legitimidade e a importância que hoje ele tem, então eu acho que é uma mudança positiva. Para o futuro, alterar o Enem também é saudável, a partir das novas demandas que se tem. É natural que o Enem se adapte às novas bases curriculares que são colocadas, por exemplo.

Sobre prejudicar pessoas mais pobres, eu não acho que há uma relação direta. Até porque, independentemente do formato de prova que nós temos, quer seja uma prova baseada na interpretação e na resolução de problemas (Enem antigo), quer seja uma prova mais próxima do currículo escolar (Enem atual), as desigualdades educacionais vão influenciar de todos os jeitos. A desigualdade educacional antecede a discussão curricular e é um desafio que a gente tem independentemente do formato da prova.

Apesar das mudanças, o Enem ainda é conhecido por ser um exame mais focado em interpretação e interdisciplinaridade. Quais são os pontos positivos e negativos disso?

Eu vejo alguns pontos positivos como, por exemplo, o Enem ter mantido a redação no seu formato, incentivando o desenvolvimento de capacidades de escrita e de interpretação, que têm a sua importância no currículo. Além disso, um outro ponto que eu acho muito valioso nesse modelo que vem do Enem 2019 para frente é o fato de ele girar em torno de uma interdisciplinaridade de grandes áreas baseada no uso de tecnologias. Isso traz uma visão muito aplicada sobre o conhecimento, focando em o que a humanidade faz esses conhecimentos para solucionar problemas e desenvolver tecnologias de bem-estar, informações etc.

Essa foi uma escolha curricular que o Enem fez que ainda traz um caráter descritivo, ainda que ele tenha caminhado esse percurso de maior aproximação com o currículo escolar. Sobre pontos negativos, eu não saberia mencionar agora.

A saída de universidades do Sisu para a criação de suas próprias plataformas baseadas na nota do Enem, a exemplo da USP, é uma tendência? Como isso afeta os candidatos e o que deve ser melhorado no sistema nos próximos anos para evitar essa descentralização?

Eu acho que isso pode se tornar uma tendência, caso o MEC deixe de aprimorar a política, como vinha sendo feito no passado. Como a política do Sisu e do Enem ficou um tanto abandonada nos últimos anos, o que a gente observou foi um grande declínio no número de jovens que se inscreveram no Enem e uma perda de legitimidade do exame, o que acaba fazendo com que haja uma perda de legitimidade também no Sisu como um processo seletivo unificado.

Eu acredito que a tendência agora é de repensar esses programas. Eu acho que há a necessidade de se discutir como melhorar a questão da ociosidade de vagas e as desistências de primeiro e segundo semestres, que marcam muito a experiência das universidades com o Sisu e faz com que elas talvez optem por criar sistemas próprios.

Além disso, um ponto que eu tenho discutido e que pretendo lançar em breve um estudo sobre é sobre a otimização da disponibilização das cotas, que acredito que deve ser repensada. Candidatos que têm uma nota suficientemente alta para entrar pela ampla concorrência muitas vezes acabam entrando pela cota, quando não há necessidade.

Esse tipo de distorção que acontece no Sisu e em muitas universidades acaba prejudicando o acesso de milhares de cotistas em diversos cursos pelo País. Eu tenho uma proposta sobre isso, com o professor Inácio Bó, de revisão do Sisu para que ele se torne um mecanismo ainda eficiente, mas mais equitativo, sem gerar reprovações injustas para pessoas que teriam nota para ingressar na universidade.

Um estudo sobre o impacto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na expansão do ensino superior no Brasil - em especial da oferta de vagas em universidades públicas - e vencedor de dois prêmios CAPES, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em 2022, mostrou que a inclusão de pessoas de rendas mais baixas nas últimas décadas de fato se deu de maneira significativa com e por conta do exame, mas evidenciou que ainda há desafios em relação à redução da desigualdade.

A pesquisa mostrou que a ampliação observada nos últimos 30 anos democratizou o acesso à universidade, principalmente por meio da oferta de vagas, do número de matrículas e de programas inclusivos. No entanto, não equiparou a proporção de jovens entre 18 e 24 anos com menor e maior renda que ingressaram e se mantiveram nos cursos de graduação. Enquanto a faixa dos mais ricos que cursam o ensino superior passou de 75% para 40% do total de alunos, a faixa dos mais pobres não ultrapassou os 15% - posição na qual se mantém estagnada desde 2015.

O exame foi criado em 1998 como um método de avaliação do nível de capacidade e conhecimentos dos estudantes ao fim do ensino médio e, com o passar do tempo, se transformou no maior processo seletivo para entrada no ensino superior do País. Junto ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), criado em 2010, ele unificou os processos seletivos das universidades federais e teve adesão também para algumas estaduais, facilitando a disputa por vagas e possibilitando que os candidatos pudessem analisar de maneira mais objetiva o leque de opções disponíveis e qual a nota necessária para ingressar em cada curso.

Para o autor do estudo, Adriano Senkevics, que é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em gestão de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB), isso só foi possível por conta da articulação entre essas duas políticas - Enem e Sisu - com a política de ações afirmativas, que instituiu as cotas raciais e sociais. No entanto, especialistas apontam que a permanência desses alunos de baixa renda na universidade ainda é um desafio.

Como muitos dos cursos são integrais, impossibilitando que a pessoa trabalhe para se manter, e os auxílios de permanência há anos não são reajustados - lembrando que muitos estudantes precisam mudar de cidade e até de de Estado para cursar o ensino superior, muita gente não consegue ultrapassar o primeiro ano de faculdade. Segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, a taxa de evasão no ensino superior público no primeiro ano de curso é considerada alta - em 2021, data do último levantamento, ficou em 20,7% nos cursos presenciais e 27,1% nos cursos EAD.

De acordo com Senkevics, nos últimos anos houve uma perda de legitimidade no exame e no Sisu - o que fez com que a USP decidisse deixar o sistema de seleção unificada para criar a própria plataforma de entrada pela nota do Enem - e é necessário rever algumas das ferramentas das políticas para que elas sejam aprimoradas.

Em 2024, o Enem passará por mais algumas mudanças - algumas delas já divulgadas - para se adaptar ao novo ensino médio. Ele se aproximará ainda mais de vestibulares tradicionais, como da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp), ao trazer questões dissertativas e de áreas de conhecimento atreladas à carreira escolhida pelo aluno.

Confira entrevista com Adriano Senkevics sobre o impacto do Enem e do Sisu no ensino superior brasileiro e quais os caminhos para aprimorar as políticas nos próximos anos:

Qual é a importância do Enem e do Sisu como métodos de entrada no ensino superior no Brasil e como eles contribuíram para reduzir a desigualdade?

A importância do Enem e do Sisu é bastante elevada, mas em papéis distintos. Geralmente se fala de Enem e Sisu em conjunto mas, na verdade, são duas políticas diferentes. O Enem, especificamente, teve uma importância muito grande ao criar um parâmetro de qualidade para o ensino médio brasileiro - lembrando que a criação dele é muito anterior à criação de uma base curricular - e facilitou muito a disputa por uma vaga [no ensino superior], reduzindo custos administrativos, financeiros e o esforço também de ter de fazer vários vestibulares.

Já o Sisu foi uma maneira de implementar um processo parcialmente centralizado para ingresso nas instituições, mas, quando se fala do caráter inclusivo do Sisu, é importante pensar que ele se tornou uma ferramenta inclusiva principalmente por conta das políticas de ação afirmativa (como as cotas, que têm como finalidade combater as desigualdades e as discriminações étnicas, raciais e sociais no ambiente universitário, garantindo o acesso de todos ao ensino superior público).

O Sisu sozinho não teria gerado o efeito democratizante que ele apresentou. Foi o fato de ele viabilizar o acesso a essas cotas de maneira centralizada, possibilitando que os candidatos conheçam suas chances de ingresso e saibam fazer escolhas mais estratégicas de curso que gerou o maior ganho, ou seja, a articulação Sisu e cotas.

Essa dinâmica do Sisu de permitir que candidatos façam a escolha do curso após a prévia das notas de corte, influenciando na toma de decisão, pode ser um dos fatores que levam a uma maior taxa de evasão no ensino superior público? O que poderia ser feito para resolver esse problema?

Esse é um problema que tem sido sim constatado, de que depois do Sisu aumentou o número de desistência em início de curso e de não ocupação de vagas - o que é uma consequência dessa maneira mais centralizada de acesso -. mas as taxas de evasão do ensino superior brasileiro em geral, tanto em públicas, quanto em privadas, são bastante altas e esse é um fenômeno muito anterior ao Sisu. Então, de certa maneira, não dá para dizer que é só por conta do Sisu que a gente tem tido maior evasão.

O que se pode fazer para reduzir esse problema é, primeiro, garantindo uma maior efetividade das políticas de permanência e assistência estudantil, que é um problema grave que causa evasão: o aluno não conseguir se manter no curso, mesmo estando em uma universidade pública.

Uma outra maneira de se enfrentar esse problema é trabalhar a educação básica, tanto na qualidade do ensino quanto num amadurecimento das perspectivas de vida daquele jovem, para que se ele conheça um pouco mais e faça escolhas mais bem orientadas aos seus interesses e não apenas em ganhos de curto prazo que acabam gerando essas escolhas equivocadas no Sisu.

Eu acredito que essas duas frentes ajudariam a reduzir esse problema, mas, de qualquer maneira, eu acho que o fato de a pessoa ter mais opções de escolha não pode ser visto como uma coisa ruim. Antes, as pessoas faziam o vestibular muito mais no escuro, sem saber muito das opções que tinham e isso não é garantia também de que você vai ter uma escolha mais vocacionada. Então, ter escolhas é bom, mas talvez a gente tenha que trabalhar mais a capacidade do jovens em fazerem boas escolhas a partir das maiores possibilidades que existem hoje à disposição.

Como você avalia as novas diretrizes definidas para o Enem a partir de 2024?

A adaptação do Enem a essa nova base curricular nacional comum para o ensino médio é fundamental porque a política de avaliação - pelo impacto e alcance que ela tem no público - tem uma função indutora das mudanças na educação e da implementação das políticas que se quer implementar. Então, para que o currículo do novo ensino médico seja de fato seguido, a articulação com o Enem, induzindo essa implementação, é necessária.

É difícil imaginar uma mudança curricular que não seja acompanhada por uma mudança na avaliação também. Agora, a discussão sobre o caminho que a grade curricular tem tomado não cabe tanto a nós, técnicos. É uma discussão de políticos e da sociedade sobre o que se quer para a educação básica no Brasil.

O que a aproximação do Enem dos vestibulares tradicionais nas últimas décadas diz sobre a qualidade e o caráter do exame? Isso pode, de alguma forma, estar prejudicando alunos de escolas públicas?

De fato, o Enem se aproximou dos vestibulares tradicionais e isso não é uma mudança recente, é algo que vem desde 2009. Essa foi a maneira que o País viabilizou ter uma avaliação em larga escala que pudesse subsidiar o processo seletivo das instituições. O modelo anterior do exame - que era muito mais baseado nas habilidades e competências de maneira interdisciplinar e tinha uma prova de pequeno porte, com só 63 questões - talvez não tivesse as características que você espera de um processo seletivo com o alcance que tem o Enem.

Ele cresceu em tamanho, se tornou mais escolarizado - no sentido de ter um conteúdo curricular mais tradicional - e isso fez com que ele ganhasse o alcance, a legitimidade e a importância que hoje ele tem, então eu acho que é uma mudança positiva. Para o futuro, alterar o Enem também é saudável, a partir das novas demandas que se tem. É natural que o Enem se adapte às novas bases curriculares que são colocadas, por exemplo.

Sobre prejudicar pessoas mais pobres, eu não acho que há uma relação direta. Até porque, independentemente do formato de prova que nós temos, quer seja uma prova baseada na interpretação e na resolução de problemas (Enem antigo), quer seja uma prova mais próxima do currículo escolar (Enem atual), as desigualdades educacionais vão influenciar de todos os jeitos. A desigualdade educacional antecede a discussão curricular e é um desafio que a gente tem independentemente do formato da prova.

Apesar das mudanças, o Enem ainda é conhecido por ser um exame mais focado em interpretação e interdisciplinaridade. Quais são os pontos positivos e negativos disso?

Eu vejo alguns pontos positivos como, por exemplo, o Enem ter mantido a redação no seu formato, incentivando o desenvolvimento de capacidades de escrita e de interpretação, que têm a sua importância no currículo. Além disso, um outro ponto que eu acho muito valioso nesse modelo que vem do Enem 2019 para frente é o fato de ele girar em torno de uma interdisciplinaridade de grandes áreas baseada no uso de tecnologias. Isso traz uma visão muito aplicada sobre o conhecimento, focando em o que a humanidade faz esses conhecimentos para solucionar problemas e desenvolver tecnologias de bem-estar, informações etc.

Essa foi uma escolha curricular que o Enem fez que ainda traz um caráter descritivo, ainda que ele tenha caminhado esse percurso de maior aproximação com o currículo escolar. Sobre pontos negativos, eu não saberia mencionar agora.

A saída de universidades do Sisu para a criação de suas próprias plataformas baseadas na nota do Enem, a exemplo da USP, é uma tendência? Como isso afeta os candidatos e o que deve ser melhorado no sistema nos próximos anos para evitar essa descentralização?

Eu acho que isso pode se tornar uma tendência, caso o MEC deixe de aprimorar a política, como vinha sendo feito no passado. Como a política do Sisu e do Enem ficou um tanto abandonada nos últimos anos, o que a gente observou foi um grande declínio no número de jovens que se inscreveram no Enem e uma perda de legitimidade do exame, o que acaba fazendo com que haja uma perda de legitimidade também no Sisu como um processo seletivo unificado.

Eu acredito que a tendência agora é de repensar esses programas. Eu acho que há a necessidade de se discutir como melhorar a questão da ociosidade de vagas e as desistências de primeiro e segundo semestres, que marcam muito a experiência das universidades com o Sisu e faz com que elas talvez optem por criar sistemas próprios.

Além disso, um ponto que eu tenho discutido e que pretendo lançar em breve um estudo sobre é sobre a otimização da disponibilização das cotas, que acredito que deve ser repensada. Candidatos que têm uma nota suficientemente alta para entrar pela ampla concorrência muitas vezes acabam entrando pela cota, quando não há necessidade.

Esse tipo de distorção que acontece no Sisu e em muitas universidades acaba prejudicando o acesso de milhares de cotistas em diversos cursos pelo País. Eu tenho uma proposta sobre isso, com o professor Inácio Bó, de revisão do Sisu para que ele se torne um mecanismo ainda eficiente, mas mais equitativo, sem gerar reprovações injustas para pessoas que teriam nota para ingressar na universidade.

Um estudo sobre o impacto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na expansão do ensino superior no Brasil - em especial da oferta de vagas em universidades públicas - e vencedor de dois prêmios CAPES, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em 2022, mostrou que a inclusão de pessoas de rendas mais baixas nas últimas décadas de fato se deu de maneira significativa com e por conta do exame, mas evidenciou que ainda há desafios em relação à redução da desigualdade.

A pesquisa mostrou que a ampliação observada nos últimos 30 anos democratizou o acesso à universidade, principalmente por meio da oferta de vagas, do número de matrículas e de programas inclusivos. No entanto, não equiparou a proporção de jovens entre 18 e 24 anos com menor e maior renda que ingressaram e se mantiveram nos cursos de graduação. Enquanto a faixa dos mais ricos que cursam o ensino superior passou de 75% para 40% do total de alunos, a faixa dos mais pobres não ultrapassou os 15% - posição na qual se mantém estagnada desde 2015.

O exame foi criado em 1998 como um método de avaliação do nível de capacidade e conhecimentos dos estudantes ao fim do ensino médio e, com o passar do tempo, se transformou no maior processo seletivo para entrada no ensino superior do País. Junto ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), criado em 2010, ele unificou os processos seletivos das universidades federais e teve adesão também para algumas estaduais, facilitando a disputa por vagas e possibilitando que os candidatos pudessem analisar de maneira mais objetiva o leque de opções disponíveis e qual a nota necessária para ingressar em cada curso.

Para o autor do estudo, Adriano Senkevics, que é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em gestão de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB), isso só foi possível por conta da articulação entre essas duas políticas - Enem e Sisu - com a política de ações afirmativas, que instituiu as cotas raciais e sociais. No entanto, especialistas apontam que a permanência desses alunos de baixa renda na universidade ainda é um desafio.

Como muitos dos cursos são integrais, impossibilitando que a pessoa trabalhe para se manter, e os auxílios de permanência há anos não são reajustados - lembrando que muitos estudantes precisam mudar de cidade e até de de Estado para cursar o ensino superior, muita gente não consegue ultrapassar o primeiro ano de faculdade. Segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, a taxa de evasão no ensino superior público no primeiro ano de curso é considerada alta - em 2021, data do último levantamento, ficou em 20,7% nos cursos presenciais e 27,1% nos cursos EAD.

De acordo com Senkevics, nos últimos anos houve uma perda de legitimidade no exame e no Sisu - o que fez com que a USP decidisse deixar o sistema de seleção unificada para criar a própria plataforma de entrada pela nota do Enem - e é necessário rever algumas das ferramentas das políticas para que elas sejam aprimoradas.

Em 2024, o Enem passará por mais algumas mudanças - algumas delas já divulgadas - para se adaptar ao novo ensino médio. Ele se aproximará ainda mais de vestibulares tradicionais, como da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp), ao trazer questões dissertativas e de áreas de conhecimento atreladas à carreira escolhida pelo aluno.

Confira entrevista com Adriano Senkevics sobre o impacto do Enem e do Sisu no ensino superior brasileiro e quais os caminhos para aprimorar as políticas nos próximos anos:

Qual é a importância do Enem e do Sisu como métodos de entrada no ensino superior no Brasil e como eles contribuíram para reduzir a desigualdade?

A importância do Enem e do Sisu é bastante elevada, mas em papéis distintos. Geralmente se fala de Enem e Sisu em conjunto mas, na verdade, são duas políticas diferentes. O Enem, especificamente, teve uma importância muito grande ao criar um parâmetro de qualidade para o ensino médio brasileiro - lembrando que a criação dele é muito anterior à criação de uma base curricular - e facilitou muito a disputa por uma vaga [no ensino superior], reduzindo custos administrativos, financeiros e o esforço também de ter de fazer vários vestibulares.

Já o Sisu foi uma maneira de implementar um processo parcialmente centralizado para ingresso nas instituições, mas, quando se fala do caráter inclusivo do Sisu, é importante pensar que ele se tornou uma ferramenta inclusiva principalmente por conta das políticas de ação afirmativa (como as cotas, que têm como finalidade combater as desigualdades e as discriminações étnicas, raciais e sociais no ambiente universitário, garantindo o acesso de todos ao ensino superior público).

O Sisu sozinho não teria gerado o efeito democratizante que ele apresentou. Foi o fato de ele viabilizar o acesso a essas cotas de maneira centralizada, possibilitando que os candidatos conheçam suas chances de ingresso e saibam fazer escolhas mais estratégicas de curso que gerou o maior ganho, ou seja, a articulação Sisu e cotas.

Essa dinâmica do Sisu de permitir que candidatos façam a escolha do curso após a prévia das notas de corte, influenciando na toma de decisão, pode ser um dos fatores que levam a uma maior taxa de evasão no ensino superior público? O que poderia ser feito para resolver esse problema?

Esse é um problema que tem sido sim constatado, de que depois do Sisu aumentou o número de desistência em início de curso e de não ocupação de vagas - o que é uma consequência dessa maneira mais centralizada de acesso -. mas as taxas de evasão do ensino superior brasileiro em geral, tanto em públicas, quanto em privadas, são bastante altas e esse é um fenômeno muito anterior ao Sisu. Então, de certa maneira, não dá para dizer que é só por conta do Sisu que a gente tem tido maior evasão.

O que se pode fazer para reduzir esse problema é, primeiro, garantindo uma maior efetividade das políticas de permanência e assistência estudantil, que é um problema grave que causa evasão: o aluno não conseguir se manter no curso, mesmo estando em uma universidade pública.

Uma outra maneira de se enfrentar esse problema é trabalhar a educação básica, tanto na qualidade do ensino quanto num amadurecimento das perspectivas de vida daquele jovem, para que se ele conheça um pouco mais e faça escolhas mais bem orientadas aos seus interesses e não apenas em ganhos de curto prazo que acabam gerando essas escolhas equivocadas no Sisu.

Eu acredito que essas duas frentes ajudariam a reduzir esse problema, mas, de qualquer maneira, eu acho que o fato de a pessoa ter mais opções de escolha não pode ser visto como uma coisa ruim. Antes, as pessoas faziam o vestibular muito mais no escuro, sem saber muito das opções que tinham e isso não é garantia também de que você vai ter uma escolha mais vocacionada. Então, ter escolhas é bom, mas talvez a gente tenha que trabalhar mais a capacidade do jovens em fazerem boas escolhas a partir das maiores possibilidades que existem hoje à disposição.

Como você avalia as novas diretrizes definidas para o Enem a partir de 2024?

A adaptação do Enem a essa nova base curricular nacional comum para o ensino médio é fundamental porque a política de avaliação - pelo impacto e alcance que ela tem no público - tem uma função indutora das mudanças na educação e da implementação das políticas que se quer implementar. Então, para que o currículo do novo ensino médico seja de fato seguido, a articulação com o Enem, induzindo essa implementação, é necessária.

É difícil imaginar uma mudança curricular que não seja acompanhada por uma mudança na avaliação também. Agora, a discussão sobre o caminho que a grade curricular tem tomado não cabe tanto a nós, técnicos. É uma discussão de políticos e da sociedade sobre o que se quer para a educação básica no Brasil.

O que a aproximação do Enem dos vestibulares tradicionais nas últimas décadas diz sobre a qualidade e o caráter do exame? Isso pode, de alguma forma, estar prejudicando alunos de escolas públicas?

De fato, o Enem se aproximou dos vestibulares tradicionais e isso não é uma mudança recente, é algo que vem desde 2009. Essa foi a maneira que o País viabilizou ter uma avaliação em larga escala que pudesse subsidiar o processo seletivo das instituições. O modelo anterior do exame - que era muito mais baseado nas habilidades e competências de maneira interdisciplinar e tinha uma prova de pequeno porte, com só 63 questões - talvez não tivesse as características que você espera de um processo seletivo com o alcance que tem o Enem.

Ele cresceu em tamanho, se tornou mais escolarizado - no sentido de ter um conteúdo curricular mais tradicional - e isso fez com que ele ganhasse o alcance, a legitimidade e a importância que hoje ele tem, então eu acho que é uma mudança positiva. Para o futuro, alterar o Enem também é saudável, a partir das novas demandas que se tem. É natural que o Enem se adapte às novas bases curriculares que são colocadas, por exemplo.

Sobre prejudicar pessoas mais pobres, eu não acho que há uma relação direta. Até porque, independentemente do formato de prova que nós temos, quer seja uma prova baseada na interpretação e na resolução de problemas (Enem antigo), quer seja uma prova mais próxima do currículo escolar (Enem atual), as desigualdades educacionais vão influenciar de todos os jeitos. A desigualdade educacional antecede a discussão curricular e é um desafio que a gente tem independentemente do formato da prova.

Apesar das mudanças, o Enem ainda é conhecido por ser um exame mais focado em interpretação e interdisciplinaridade. Quais são os pontos positivos e negativos disso?

Eu vejo alguns pontos positivos como, por exemplo, o Enem ter mantido a redação no seu formato, incentivando o desenvolvimento de capacidades de escrita e de interpretação, que têm a sua importância no currículo. Além disso, um outro ponto que eu acho muito valioso nesse modelo que vem do Enem 2019 para frente é o fato de ele girar em torno de uma interdisciplinaridade de grandes áreas baseada no uso de tecnologias. Isso traz uma visão muito aplicada sobre o conhecimento, focando em o que a humanidade faz esses conhecimentos para solucionar problemas e desenvolver tecnologias de bem-estar, informações etc.

Essa foi uma escolha curricular que o Enem fez que ainda traz um caráter descritivo, ainda que ele tenha caminhado esse percurso de maior aproximação com o currículo escolar. Sobre pontos negativos, eu não saberia mencionar agora.

A saída de universidades do Sisu para a criação de suas próprias plataformas baseadas na nota do Enem, a exemplo da USP, é uma tendência? Como isso afeta os candidatos e o que deve ser melhorado no sistema nos próximos anos para evitar essa descentralização?

Eu acho que isso pode se tornar uma tendência, caso o MEC deixe de aprimorar a política, como vinha sendo feito no passado. Como a política do Sisu e do Enem ficou um tanto abandonada nos últimos anos, o que a gente observou foi um grande declínio no número de jovens que se inscreveram no Enem e uma perda de legitimidade do exame, o que acaba fazendo com que haja uma perda de legitimidade também no Sisu como um processo seletivo unificado.

Eu acredito que a tendência agora é de repensar esses programas. Eu acho que há a necessidade de se discutir como melhorar a questão da ociosidade de vagas e as desistências de primeiro e segundo semestres, que marcam muito a experiência das universidades com o Sisu e faz com que elas talvez optem por criar sistemas próprios.

Além disso, um ponto que eu tenho discutido e que pretendo lançar em breve um estudo sobre é sobre a otimização da disponibilização das cotas, que acredito que deve ser repensada. Candidatos que têm uma nota suficientemente alta para entrar pela ampla concorrência muitas vezes acabam entrando pela cota, quando não há necessidade.

Esse tipo de distorção que acontece no Sisu e em muitas universidades acaba prejudicando o acesso de milhares de cotistas em diversos cursos pelo País. Eu tenho uma proposta sobre isso, com o professor Inácio Bó, de revisão do Sisu para que ele se torne um mecanismo ainda eficiente, mas mais equitativo, sem gerar reprovações injustas para pessoas que teriam nota para ingressar na universidade.

Um estudo sobre o impacto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na expansão do ensino superior no Brasil - em especial da oferta de vagas em universidades públicas - e vencedor de dois prêmios CAPES, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em 2022, mostrou que a inclusão de pessoas de rendas mais baixas nas últimas décadas de fato se deu de maneira significativa com e por conta do exame, mas evidenciou que ainda há desafios em relação à redução da desigualdade.

A pesquisa mostrou que a ampliação observada nos últimos 30 anos democratizou o acesso à universidade, principalmente por meio da oferta de vagas, do número de matrículas e de programas inclusivos. No entanto, não equiparou a proporção de jovens entre 18 e 24 anos com menor e maior renda que ingressaram e se mantiveram nos cursos de graduação. Enquanto a faixa dos mais ricos que cursam o ensino superior passou de 75% para 40% do total de alunos, a faixa dos mais pobres não ultrapassou os 15% - posição na qual se mantém estagnada desde 2015.

O exame foi criado em 1998 como um método de avaliação do nível de capacidade e conhecimentos dos estudantes ao fim do ensino médio e, com o passar do tempo, se transformou no maior processo seletivo para entrada no ensino superior do País. Junto ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), criado em 2010, ele unificou os processos seletivos das universidades federais e teve adesão também para algumas estaduais, facilitando a disputa por vagas e possibilitando que os candidatos pudessem analisar de maneira mais objetiva o leque de opções disponíveis e qual a nota necessária para ingressar em cada curso.

Para o autor do estudo, Adriano Senkevics, que é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em gestão de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB), isso só foi possível por conta da articulação entre essas duas políticas - Enem e Sisu - com a política de ações afirmativas, que instituiu as cotas raciais e sociais. No entanto, especialistas apontam que a permanência desses alunos de baixa renda na universidade ainda é um desafio.

Como muitos dos cursos são integrais, impossibilitando que a pessoa trabalhe para se manter, e os auxílios de permanência há anos não são reajustados - lembrando que muitos estudantes precisam mudar de cidade e até de de Estado para cursar o ensino superior, muita gente não consegue ultrapassar o primeiro ano de faculdade. Segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, a taxa de evasão no ensino superior público no primeiro ano de curso é considerada alta - em 2021, data do último levantamento, ficou em 20,7% nos cursos presenciais e 27,1% nos cursos EAD.

De acordo com Senkevics, nos últimos anos houve uma perda de legitimidade no exame e no Sisu - o que fez com que a USP decidisse deixar o sistema de seleção unificada para criar a própria plataforma de entrada pela nota do Enem - e é necessário rever algumas das ferramentas das políticas para que elas sejam aprimoradas.

Em 2024, o Enem passará por mais algumas mudanças - algumas delas já divulgadas - para se adaptar ao novo ensino médio. Ele se aproximará ainda mais de vestibulares tradicionais, como da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp), ao trazer questões dissertativas e de áreas de conhecimento atreladas à carreira escolhida pelo aluno.

Confira entrevista com Adriano Senkevics sobre o impacto do Enem e do Sisu no ensino superior brasileiro e quais os caminhos para aprimorar as políticas nos próximos anos:

Qual é a importância do Enem e do Sisu como métodos de entrada no ensino superior no Brasil e como eles contribuíram para reduzir a desigualdade?

A importância do Enem e do Sisu é bastante elevada, mas em papéis distintos. Geralmente se fala de Enem e Sisu em conjunto mas, na verdade, são duas políticas diferentes. O Enem, especificamente, teve uma importância muito grande ao criar um parâmetro de qualidade para o ensino médio brasileiro - lembrando que a criação dele é muito anterior à criação de uma base curricular - e facilitou muito a disputa por uma vaga [no ensino superior], reduzindo custos administrativos, financeiros e o esforço também de ter de fazer vários vestibulares.

Já o Sisu foi uma maneira de implementar um processo parcialmente centralizado para ingresso nas instituições, mas, quando se fala do caráter inclusivo do Sisu, é importante pensar que ele se tornou uma ferramenta inclusiva principalmente por conta das políticas de ação afirmativa (como as cotas, que têm como finalidade combater as desigualdades e as discriminações étnicas, raciais e sociais no ambiente universitário, garantindo o acesso de todos ao ensino superior público).

O Sisu sozinho não teria gerado o efeito democratizante que ele apresentou. Foi o fato de ele viabilizar o acesso a essas cotas de maneira centralizada, possibilitando que os candidatos conheçam suas chances de ingresso e saibam fazer escolhas mais estratégicas de curso que gerou o maior ganho, ou seja, a articulação Sisu e cotas.

Essa dinâmica do Sisu de permitir que candidatos façam a escolha do curso após a prévia das notas de corte, influenciando na toma de decisão, pode ser um dos fatores que levam a uma maior taxa de evasão no ensino superior público? O que poderia ser feito para resolver esse problema?

Esse é um problema que tem sido sim constatado, de que depois do Sisu aumentou o número de desistência em início de curso e de não ocupação de vagas - o que é uma consequência dessa maneira mais centralizada de acesso -. mas as taxas de evasão do ensino superior brasileiro em geral, tanto em públicas, quanto em privadas, são bastante altas e esse é um fenômeno muito anterior ao Sisu. Então, de certa maneira, não dá para dizer que é só por conta do Sisu que a gente tem tido maior evasão.

O que se pode fazer para reduzir esse problema é, primeiro, garantindo uma maior efetividade das políticas de permanência e assistência estudantil, que é um problema grave que causa evasão: o aluno não conseguir se manter no curso, mesmo estando em uma universidade pública.

Uma outra maneira de se enfrentar esse problema é trabalhar a educação básica, tanto na qualidade do ensino quanto num amadurecimento das perspectivas de vida daquele jovem, para que se ele conheça um pouco mais e faça escolhas mais bem orientadas aos seus interesses e não apenas em ganhos de curto prazo que acabam gerando essas escolhas equivocadas no Sisu.

Eu acredito que essas duas frentes ajudariam a reduzir esse problema, mas, de qualquer maneira, eu acho que o fato de a pessoa ter mais opções de escolha não pode ser visto como uma coisa ruim. Antes, as pessoas faziam o vestibular muito mais no escuro, sem saber muito das opções que tinham e isso não é garantia também de que você vai ter uma escolha mais vocacionada. Então, ter escolhas é bom, mas talvez a gente tenha que trabalhar mais a capacidade do jovens em fazerem boas escolhas a partir das maiores possibilidades que existem hoje à disposição.

Como você avalia as novas diretrizes definidas para o Enem a partir de 2024?

A adaptação do Enem a essa nova base curricular nacional comum para o ensino médio é fundamental porque a política de avaliação - pelo impacto e alcance que ela tem no público - tem uma função indutora das mudanças na educação e da implementação das políticas que se quer implementar. Então, para que o currículo do novo ensino médico seja de fato seguido, a articulação com o Enem, induzindo essa implementação, é necessária.

É difícil imaginar uma mudança curricular que não seja acompanhada por uma mudança na avaliação também. Agora, a discussão sobre o caminho que a grade curricular tem tomado não cabe tanto a nós, técnicos. É uma discussão de políticos e da sociedade sobre o que se quer para a educação básica no Brasil.

O que a aproximação do Enem dos vestibulares tradicionais nas últimas décadas diz sobre a qualidade e o caráter do exame? Isso pode, de alguma forma, estar prejudicando alunos de escolas públicas?

De fato, o Enem se aproximou dos vestibulares tradicionais e isso não é uma mudança recente, é algo que vem desde 2009. Essa foi a maneira que o País viabilizou ter uma avaliação em larga escala que pudesse subsidiar o processo seletivo das instituições. O modelo anterior do exame - que era muito mais baseado nas habilidades e competências de maneira interdisciplinar e tinha uma prova de pequeno porte, com só 63 questões - talvez não tivesse as características que você espera de um processo seletivo com o alcance que tem o Enem.

Ele cresceu em tamanho, se tornou mais escolarizado - no sentido de ter um conteúdo curricular mais tradicional - e isso fez com que ele ganhasse o alcance, a legitimidade e a importância que hoje ele tem, então eu acho que é uma mudança positiva. Para o futuro, alterar o Enem também é saudável, a partir das novas demandas que se tem. É natural que o Enem se adapte às novas bases curriculares que são colocadas, por exemplo.

Sobre prejudicar pessoas mais pobres, eu não acho que há uma relação direta. Até porque, independentemente do formato de prova que nós temos, quer seja uma prova baseada na interpretação e na resolução de problemas (Enem antigo), quer seja uma prova mais próxima do currículo escolar (Enem atual), as desigualdades educacionais vão influenciar de todos os jeitos. A desigualdade educacional antecede a discussão curricular e é um desafio que a gente tem independentemente do formato da prova.

Apesar das mudanças, o Enem ainda é conhecido por ser um exame mais focado em interpretação e interdisciplinaridade. Quais são os pontos positivos e negativos disso?

Eu vejo alguns pontos positivos como, por exemplo, o Enem ter mantido a redação no seu formato, incentivando o desenvolvimento de capacidades de escrita e de interpretação, que têm a sua importância no currículo. Além disso, um outro ponto que eu acho muito valioso nesse modelo que vem do Enem 2019 para frente é o fato de ele girar em torno de uma interdisciplinaridade de grandes áreas baseada no uso de tecnologias. Isso traz uma visão muito aplicada sobre o conhecimento, focando em o que a humanidade faz esses conhecimentos para solucionar problemas e desenvolver tecnologias de bem-estar, informações etc.

Essa foi uma escolha curricular que o Enem fez que ainda traz um caráter descritivo, ainda que ele tenha caminhado esse percurso de maior aproximação com o currículo escolar. Sobre pontos negativos, eu não saberia mencionar agora.

A saída de universidades do Sisu para a criação de suas próprias plataformas baseadas na nota do Enem, a exemplo da USP, é uma tendência? Como isso afeta os candidatos e o que deve ser melhorado no sistema nos próximos anos para evitar essa descentralização?

Eu acho que isso pode se tornar uma tendência, caso o MEC deixe de aprimorar a política, como vinha sendo feito no passado. Como a política do Sisu e do Enem ficou um tanto abandonada nos últimos anos, o que a gente observou foi um grande declínio no número de jovens que se inscreveram no Enem e uma perda de legitimidade do exame, o que acaba fazendo com que haja uma perda de legitimidade também no Sisu como um processo seletivo unificado.

Eu acredito que a tendência agora é de repensar esses programas. Eu acho que há a necessidade de se discutir como melhorar a questão da ociosidade de vagas e as desistências de primeiro e segundo semestres, que marcam muito a experiência das universidades com o Sisu e faz com que elas talvez optem por criar sistemas próprios.

Além disso, um ponto que eu tenho discutido e que pretendo lançar em breve um estudo sobre é sobre a otimização da disponibilização das cotas, que acredito que deve ser repensada. Candidatos que têm uma nota suficientemente alta para entrar pela ampla concorrência muitas vezes acabam entrando pela cota, quando não há necessidade.

Esse tipo de distorção que acontece no Sisu e em muitas universidades acaba prejudicando o acesso de milhares de cotistas em diversos cursos pelo País. Eu tenho uma proposta sobre isso, com o professor Inácio Bó, de revisão do Sisu para que ele se torne um mecanismo ainda eficiente, mas mais equitativo, sem gerar reprovações injustas para pessoas que teriam nota para ingressar na universidade.

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