Pagar para os alunos se manterem na escola durante o ensino médio pode reduzir em média 7 pontos porcentuais a evasão de jovens, afirma estudo de pesquisadores do Insper. No Brasil, cerca de 20% dos estudantes não terminam a educação básica por necessidade de trabalho, dificuldade de aprendizado, falta de interesse ou gravidez na adolescência. A estimativa é de que o benefício poderia garantir que cerca de 230 mil jovens por ano permanecessem na escola.
Desde a pandemia, por causa do aumento do abandono, surgiram programas em nove Estados que pagam bolsas para os estudantes, com valores mensais que vão de R$ 30 a R$ 568. O Ministério da Educação (MEC) também planeja criar uma benefício para fixar o aluno na escola, em especial aqueles que estudam em tempo integral.
O estudo, que será divulgado nesta terça-feira, 27, analisou as ações que existem no País e evidências internacionais sobre pagamento de benefícios a estudantes. “A política vale a pena, mas não é uma panaceia”, diz a professora do Insper Laura Müller Machado, uma das autoras da pesquisa Bolsa de Estudo no Ensino Médio: Magnitude do Impacto e Sensibilidade ao Desenho do Programa, que teve também a participação do economista Ricardo Paes de Barros. Ela explica que as características e resultados são bem diferentes, com programas que não têm nenhum impacto sobre a evasão e outros em que ele pode chegar a 30%.
O que influencia positivamente, segundo a pesquisa, é haver monitoramento do programa, com cobrança e perda da bolsa em caso de faltas excessivas, além de investimento na qualidade da escola. O estudo cita o incentivo a monitorias e a ajuda no projeto de vida dos jovens para dar sentido ao ensino médio. “A bolsa não vai ser efetiva numa escola muito ruim, em que o aluno não entende nada ou sofre violência”, completa Laura.
Além disso, a pesquisa constatou que a efetividade não está relacionada a um determinado valor de bolsa, mas é importante que o dinheiro seja repassado diretamente ao aluno e não à família. No Brasil, são poucos os que fazem dessa maneira. Em geral, assim como o Bolsa Família, o dinheiro é incluído em um cartão do responsável.
Segundo Laura, o benefício também costuma ser mais efetivo entre os jovens que precisam trabalhar, mas dificilmente impede a evasão de meninas que engravidam ou de jovens envolvidos em atividades ilegais, como o tráfico.
Pesquisas mostram que a trajetória escolar dos alunos no Brasil está ligada a contextos socioeconômicos e raciais. Segundo estudo do Instituto Unibanco, quando uma família é chefiada por um homem branco, com escolaridade média completa, renda alta e morador da área urbana, a chance de o aluno terminar a escola passa de 90%. Já em famílias chefiadas por mulheres negras, analfabetas e da zona rural, o índice chega a 21,7% em alguns Estados.
Propostas
Segundo o Estadão apurou, o MEC busca recursos para formatar um programa de bolsas federais para jovens, principalmente atrelado ao ensino em tempo integral, quando os alunos ficam o dia todo na escola e não podem trabalhar. O ministro da Educação, Camilo Santana, tem defendido publicamente a criação do benefício, que é bandeira no governo Lula também da ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Há ainda um projeto de Lei aguardando votação no Congresso, da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que pede mudanças no Bolsa Família para que ele pague valores específicos para alunos do ensino médio. Hoje as famílias benecifiárias recebem R$ 50 por estudantes de 7 a 18 anos. No PL, alunos do médio receberiam de R$ 500 a R$ 800 ao serem aprovados em cada ano (incluindo um 4º ano para ensino tecnológico profissional). E ainda R$ 300 caso os estudantes tivessem nota acima da média no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
O custo previsto é de R$ 1,7 bilhão ao ano, mas o projeto cita outros estudos do Insper que mostram que, com o ritmo atual de abandono escolar, o Brasil perde R$ 200 bilhões por ano pelos jovens não concluírem a educação básica. Enquanto no Brasil a taxa de conclusão do ensino médio é de cerca de 70%, em países desenvolvidos ela chega a 99%.
Entre os programas no País, há os que aumentam o valor da bolsa conforme o estudante progride de série no ensino médio, como no Estado do Rio de Janeiro, e também os que repassam valor adicional em caso de bom desempenho no Enem, como o de Niterói, na baixada fluminense. Alguns só pagam o valor todo no fim do ano, e não mês a mês, para garantir que o estudante não abandone no meio da série.
No Rio Grande do Sul, o programa paga R$ 150 mensais desde 2021 a jovens de baixa renda, com exigência de frequência mínima de 75% na escola. Segundo a secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, o resultado foi “extremamente positivo”, com redução de evasão de 3,75% no grupo beneficário. Cerca de metade dos 250 mil alunos do ensino médio gaúcho têm o benefício.
“É um auxílio para eu comprar uma mochila, lápis, cadernos”, diz Thales Pires da Silva, de 17 anos, que é dos beneficiados em Porto Alegre desde 2021. Ele estuda em uma das escolas com mais bolsistas no Estado por causa da situação de vulnerabilidade da região. A mãe, que trabalha como manicure, diz que a bolsa ajuda a família nas questões relacionadas à escola. “Eu repasso integralmente para ele comprar o que precisa para os estudos ou uso para comprar roupas para ele”, diz Diênifer Pires, que também recebe o Bolsa Família.
“Muitas vezes é difícil para uma família pobre ver um filho de 15 anos que vai para escola de tempo integral e não pode ajudar trabalhando”, diz a secretária Raquel, que também pretende priorizar esses estudantes em bolsas no Estado. “Mas a bolsa não resolve sozinha o problema de desenvolvimento do aluno, é preciso ter formação de professor, criar um contexto em que a escola seja estimulante, atrativa. Precisamos olhar todas essas dimensões ao mesmo tempo.”
O estudo do Insper leva em consideração uma taxa de evasão no ensino médio, calculada pelo Censo Escolar, de 20%. “A evidência internacional aponta que se o Brasil desenvolver um programa com desempenho típico essa taxa iria reduzir para 13%”, diz a pesquisadora. De acordo com a Pnad, nascem no Brasil por ano 3,3 milhões de pessoas. Entre eles, 17,5% não se formam no ensino médio. A partir desse total, é possível estimar que a redução de 7 pontos percentuais equivale a 230 mil jovens.
O programa de São Paulo, criado também durante a pandemia em 2021, foi descontinuado este ano porque não teve impacto na redução da evasão nem na aprendizagem do aluno, segundo a secretaria estadual da Educação. De acordo com o secretário-executivo Vinicius Neiva, um novo programa vai dar bolsas para alunos do ensino médio de baixa renda, mas que atuarem como monitores nas escolas, ajudando os colegas a resolver exercícios, em plantões de dúvida. “Queremos estimular a frequência do aluno, que é um requisito, mas também o aprendizado entre pares”, diz.
O programa anterior, criado pela gestão João Doria (PSDB) era focado só em alunos de baixa renda e dava cerca de R$ 100 por mês. De acordo com Neiva, a ideia agora é aumentar o valor para cerca de R$ 400 mensais a partir de 2024.