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SÃO PAULO - Depois de mais de 200 dias fechadas, as escolas da capital abrem na quarta-feira com pais divididos e expectativa pela volta esperada e temida ao mesmo tempo. As estimativas são de que mais de 80% das instituições particulares reabram e 40% das famílias não levem seus filhos. A Prefeitura de São Paulo autorizou apenas atividades presenciais extracurriculares em outubro e a previsão de aulas ficou para 3 de novembro.
Atrapalhadas pelas regras governamentais confusas e enfrentando perda de alunos durante toda a pandemia, as escolas particulares se desdobram para agradar a quem vai estar lá presencialmente e a quem continuará em casa.
“A equação não fecha, ninguém pode perder, quem está no presencial ou no online, mas o professor é o mesmo”, diz a diretora da Escola Projeto Vida, na zona norte da capital, Monica Padroni. Para ela, não faz sentido a volta se a professora titular das crianças menores não estiver na escola para recebê-las. Os docentes vão então passar a comandar a aula remota da escola e não de casa, e serem substituídos em alguns momentos presenciais por auxiliares.
Uma mãe de outra escola reclama justamente da falta da professora da filha na volta à escola, muito aguardada pela família. “A impressão que dá é que estão privilegiando quem vai ficar em casa”, conta ela, que pediu para não ter seu nome publicado.
Para ela, a abertura das escolas terá um “benefício profundo” para crianças de todas as classes sociais, principalmente as que sofrem com abuso, violência, desnutrição. “Na escola, a criança experimenta outros papéis, se relaciona com o diferente. Para mim, o tempo que falta até o fim do ano é muito relevante.” No entanto, ela diz que se sente taxada de “elitista e não comprometida com o coletivo” por outros pais que são contra a volta. “Tentando agradar aos dois lados, a escola pode acabar desagradando a ambos.”
Outra mãe sente o contrário. “A maioria quer voltar. Eu nem abro mais a boca no grupo de mães para não ser apedrejada”, conta ela, que também não quer o nome revelado para não causar mal-estar na escola. “Está sendo montada uma operação de guerra, crianças com máscaras, escola gastando muito dinheiro, para quê? O que vão aprender agora?”, indaga. Ela tem dois filhos adolescentes em uma escola de elite da zona oeste e não vai enviá-los às atividades presenciais até que “tudo volte ao normal”.
A publicitária Ana Carolina Franco, de 43 anos, diz que vai esperar pela vacina para mandar os dois filhos. “O perigo está aí. A pessoas estão loucas, acham que é só por álcool em gel e tudo bem.”
Entre as 24 instituições de elite que fazem parte da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), 100% declararam em pesquisa da entidade que vão reabrir no dia 7. Em 33%, os alunos estarão na escola 2 vezes por semana e em 29,2%, mais de 3 vezes. A maioria dos estudantes ficará entre 2 e 4 horas nas instituições por dia.
Estimativa do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) fala em 80% das escolas abertas na capital na semana que vem. Algumas, segundo a entidade, não consideraram vantajosa a retomada apenas para as atividades extracurriculares porque poucos pais se interessaram.
“Eu acho que é um suicídio, porque a pandemia deve adentrar o próximo ano e se a escola não começar logo com as aulas híbridas vai ficar para trás”, diz o presidente do Sieeesp, Benjamim Ribeiro da Silva. Uma das que optaram por continuar só online é o Colégio São Domingos, na zona oeste. Segundo o diretor Silvio Pinto, “os riscos relativos à pandemia são muito sérios para que se abandone o isolamento social”.
Confusão de regras
Os projetos de retorno foram elaborados com urgência na semana passada porque a norma da Prefeitura sobre o que poderia ser feito em outubro só saiu há oito dias. Como o Estadão adiantou, as escolas particulares só podem receber 20% dos alunos por dia e não têm limite de horas para funcionar. As instituições aguardavam há meses uma definição de reabertura. O Estado tinha autorizado a volta já em setembro, com 35% dos alunos. Elas começaram a se organizar e, alguns dias depois, a Prefeitura informou que não permitiria o retorno, deixando mais uma vez em suspenso a decisão.
“Eu já fiz tanta versões de horários possíveis de como voltar que agora só acredito no dia 7 quando os alunos estiverem chegando”, brinca a diretora pedagógica do Colégio Bandeirantes, Mayra Lora. Na escola, os alunos vão ficar 3h20 por dia em quatro aulas de reforço, de Português, Matemática e Inglês. Não haverá intervalo para que eles circulem o menos possível.
No Colégio Oswald de Andrade, as crianças menores farão atividades de brincadeira, rodas de conversa, oficinas de artes e devem ir para a escola duas vezes por semana. Os maiores terão esportes no contraturno e aulas online no horário habitual. A instituição pediu que os pais inscrevessem seus filhos para as atividades de outubro para organizar melhor as bolhas (grupos pequenos para evitar transmissão). Segundo a diretora geral do Oswald, Andrea Andreucci, 60% inscreveram os filhos. O índice é o mesmo dos que pretendem voltar no Santa Cruz e no Dante.
“A decisão das famílias está muito ligada à segurança que a escola demonstra”, diz Andrea. Segundo ela, a primeira coisa que os professores farão ao receber os alunos é explicar a situação. “Não podemos ignorar o momento, mas vamos sentar e conversar sem traumas, sem assustar.”
As escolas de educação infantil são as que registram maior intenção de volta das crianças, principalmente porque o ensino online não é recomendado nem eficaz. Na Recreio, no Alto de Pinheiros, 75% dos pais disseram que vão mandar seus filhos. As famílias foram chamadas inclusive para os grupos de trabalho sobre o retorno.
“Os pais tiveram consciência maior de como está sendo para a escola planejar no escuro, com respostas do governo que chegam em cima da hora e problemas financeiros”, diz Carolina Arantes, de 36 anos, mãe de Inácio, de 5. Para ela, fazer parte do grupo ajudou a ter mais confiança na volta. Boa parte das escolas perdeu a maioria de seus alunos de menos de 4 anos por não haver obrigatoriedade de matrícula e, segundo estimativas do Sieeesp, 30% delas fecharam as portas na pandemia.
Muitos diretores revelam ansiedade para a volta, com uma sensação de recomeço em um contexto inesperado. Para Andrea, do Oswald, o sentimento é de todos envolvidos com educação. “Existe uma vontade enorme de todo mundo, famílias, professores e funcionários, de entrar na escola, de voltar à vida, mas também muito medo e angústia.”
Na rede estadual, só 10% vão retomar as atividades agora
As escolas da rede pública da capital abrirão em menor número do que as particulares. Entre as estaduais da cidade somente 100 de 1.086 vão retomar as atividades presenciais na quarta-feira. Já a Prefeitura afirmou que ainda não tem um número fechado de quantas escolas municipais resolveram abrir.
A volta em outubro é voluntária para escolas, pais e professores. A Prefeitura só autorizou na cidade atividades extracurriculares, como música, artes, recreação e reforço de Matemática e Português.
No restante de São Paulo, em municípios que autorizaram, as escolas estaduais foram abertas em setembro para esse tipo de atividade e permanecerão assim em outubro para estudantes do ensino fundamental. Os alunos de ensino médio já poderão ter aulas agora em outubro. As escolas públicas enfrentam resistência dos professores para reabrir – que alegam medo de contaminação e pouca estrutura para manter protocolos. Estado e Prefeitura alegam que compraram EPIs, kits de higiene e equiparam escolas
Depoimentos
Karyna Rossetto, advogada: ‘Minhas filhas asmáticas vão'
"Sempre fui a maior defensora de toda a precaução, minhas duas filhas são asmáticas, de ficar no respirador. A gente só sai para fazer o básico, não vê amigos, família. Eu dizia que elas só iriam para a escola se tivesse vacina. Mas o tempo foi passando, seis meses é muito tempo para duas pré-adolescentes ficarem trancadas no quarto. Uma delas voltou à natação e vi como se sentiu muito melhor. Acho agora que o prejuízo físico e emocional está sendo muito maior do que vir talvez a ficar doente se for para a escola. Por isso mudei de ideia e elas vão... ver as amigas, que é o mais importante neste momento. Já estão animadas só de falar em ir, arrumando as coisas."
Gisele Goller, pedagoga: ‘Estou em um grande dilema’
"O Diogo, de 3 anos, foi um bebê chiador, com bronco espasmos. Mas fomos à escola fazer uma visita esta semana e chorei de vê-lo feliz lá, interagindo. Estou em um grande dilema. A minha filha mais velha, de 9 anos, quer ir, mas também teme prejudicar o irmão. E eu vou privar a mais velha, que nunca tomou antibiótico na vida? Não me preocupo com conteúdo, mas a escola é o lugar de encontrar outras pessoas, exercitar tolerância, respeito, coletivo. Estou vivendo minuto após o outro, tem hora que estou mais segura, outras não. Me preocupa muito o quadro dele, mas ele iria se fortalecer podendo ter outras experiências do que só ser um menino de apartamento."
Carolina Verginelli, advogada: ‘Não vale a pena arriscar'
"Meus filhos de 9 e 13 anos se adaptaram muito bem ao ensino remoto, não acho que a qualidade diminuiu. Estamos muito isolados, trabalhamos em casa, e eles têm convivência com meus pais. Não acho que vale a pena, por causa de 2 meses de escola, arriscar pegar a doença e também perder a convivência familiar. O meu filho mais velho diz que não voltar agora é dar sua contribuição para não espalhar o vírus. A mais nova oscila, fala que quer ver as amigas. A melhor amiga dela vai voltar e talvez tenha de enfrentar um problema, mas não penso em recuar. Respeito quem quer retornar, mas falta tão pouco para acabar o ano. Em 2021 tenho fé de que vamos começar a vacinar."