O Conselho Nacional da Educação (CNE) estabeleceu que os cursos de formação para professores, como Licenciaturas e Pedagogia, terão de ser oferecidos com 50% da sua carga horária presencial, conforme revelou o Estadão. O parecer ainda precisa ser homologado pelo ministro da Educação, Camilo Santana (PT), mas a reportagem apurou que a expectativa é de dar aval à nova definição.
A maior parte das associações de faculdades e de educação a distância (EAD) critica o novo limite de aulas a distância e aponta dificuldades para seguir o modelo. O ensino não presencial para formar docentes no País tem crescido nos últimos anos e impulsionado a expansão do setor, que perdeu fôlego após a desidratação do Fies, programa federal de financiamento estudantil.
O avanço do EAD, porém, levanta questionamentos de especialistas sobre a qualidade da preparação dos futuros professores. Entre as críticas, está a falta de aulas práticas e de troca presencial de experiências com colegas e docentes durante a faculdade. Segundo especialistas, a qualidade da formação dos docentes é fator preponderante para a melhora da aprendizagem no País.
Já o setor do ensino superior privado defende a EAD como alternativa para alunos mais pobres, que trabalham e têm menos tempo para se dedicar aos estudos. Aponta ainda a facilitação do acesso para quem mora fora dos grandes centros, como nas periferias, no interior e áreas rurais.
Camilo já vinha defendendo uma quantidade mínima de aulas presenciais para as licenciaturas, e que queria acabar com a formação de docentes 100% EAD. Além disso, o ministro promete enviar ao Congresso uma proposta de criar uma espécie de agência reguladora do ensino superior privado, como forma de apertar a fiscalização sobre os cursos.
A Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) protocolou esta semana carta ao ministro e ao CNE pedindo que a resolução seja revista. A entidade teme redução drástica “de professores formados no Brasil nos próximos anos”. Para o presidente da Abed, João Mattar, a educação a distância é essencial em regiões remotas e rurais, e para alunos pobres.
“50% é inviável do ponto de vista de logística porque os polos de atividades presenciais são pequenos, atendem poucos alunos”, afirma. O perfil dos estudantes - que trabalham e de origem mais vulnerável - também é apontado pela entidade como outro obstáculo.
Já a Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades (Abrafi) diz compreender a posição do CNE como forma de dar resposta aos apelos sobre a qualidade do ensino a distância, mas critica a decisão por entender que pode “ferir a autonomia universitária, engessar alguns currículos e limitar a inserção de novas tecnologias dentro do processo ensino-aprendizagem”.
“A Abrafi sempre defendeu que o caminho fosse fortalecer a regulação através de uma avaliação mais eficaz nos polos EAD para ver se aquilo que está previsto dentro nos projetos pedagógicos dos cursos estão acontecendo, porque a Diretriz Curricular Nacional (DCN) que está em vigor já prevê uma quantidade de atividades de maneira presencial”, afirma a associação.
Hoje, 64% dos estudantes em Licenciaturas estão em cursos a distância e não há controle sobre o que é feito presencialmente. Parte das faculdades privadas oferece cursos em que os futuros professores estudam, muitas vezes, apenas por vídeos e apresentações em Power Point. As atividades presenciais, como provas, ocupam cerca de 10% do total.
“Será que esses polos e essas instituições estão trabalhando de fato conforme a previsão da DCN em vigência e dos seus próprios projetos pedagógicos? Porque pelo volume de denúncias, talvez esteja aí o grande problema”, completa.
A Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), por sua vez, entende que as atividades práticas são mandatórias para a formação de professores, mas argumenta que as regras atuais já preveem patamares mínimos de aulas presenciais. “Sempre houve previsão de práticas em sala de aula para a formação de professores, desde o início das implementações curriculares”, diz.
A associação destaca ainda o potencial inclusivo da tecnologia na educação. “Vivemos em uma realidade em que a tecnologia tem produzido impactos positivos para a horizontalização do acesso à formação de novos profissionais, com aplicação de 20% até 40% de atividades já realizadas à distância”, diz.
A presidente da Anup, Beth Guedes, no entanto, é conselheira do CNE e votou a favor do parecer.
Já a Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) acredita que a discussão da formação docente deveria passar pelas metodologias de ensino e atividades necessárias para a formação, e não por um viés quantitativo, de percentual mínimo de carga presencial.
“O enfoque das contribuições da Abmes seguramente passarão pela convicção de que é importante que possamos discutir as metodologias que vão ser utilizadas nesses cursos de licenciaturas e quais são aqueles momentos de presencialidade que indiscutivelmente são necessários”, afirma.
Procurado, o grupo educacional Yduqs, dono de faculdades como Estácio e Ibmec, respondeu apenas que se for decidido pela mudança, “o impacto sobre as licenciaturas que ofertamos, se houver algum, não será significativo”.
Mais professores e mais EAD
O Censo da Educação Superior de 2022, realizado pelo Ministério da Educação, mostra que as licenciaturas foram as que tiveram maior aumento no número de ingressantes em 2022, com relação a 2021 - alta anual de 30%, ante 18% do bacharelado e do tecnólogo.
Contudo, a maior parte dos novos alunos entram em cursos a distância - são 64,2% no EAD, enquanto 35,8% no presencial.
“É claro que a educação a distância não é o único problema na formação inicial de professores, mas é inadmissível que o Brasil tenha na EAD a principal estratégia de formação inicial docente”, aponta, em nota, Priscila Cruz, presidente executiva do movimento Todos Pela Educação.
“E isso se torna ainda mais grave na medida em que esse crescimento está atrelado à baixa qualidade. Ao seguir permitindo a proliferação de cursos que não preparam os estudantes para o início do exercício da docência, o País está, na prática, promovendo uma tremenda desvalorização da profissão docente”, continua.