O governo federal vai anunciar na terça-feira, 26, finalmente um plano para o uso do dinheiro do leilão do 5G no Brasil que precisa ser destinado à internet rápida em escolas públicas. São mais de R$ 3 bilhões que vieram como contrapartida das empresas vencedoras do leilão, finalizado em 2021, além de R$ 3 bi em recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e outras fontes.
Como o dinheiro vem de várias origens e havia indefinição sobre a coordenação do plano de conectividade, era grande a preocupação no meio educacional com a possibilidade de interferência política na escolha das cidades e escolas que receberão a infraestrutura. Educadores também defendem que o governo tenha uma política de educação digital e não apenas de conexão das escolas.
O investimento em internet nas escolas era prometido desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As negociações duraram meses e envolveram vários ministérios. O presidente, que fará o anúncio na terça, decidiu que a coordenação será do Ministério da Educação (MEC). A iniciativa fará também parte do novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
Segundo o Estadão apurou, a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas vai focar inicialmente em cerca de 40 mil escolas públicas, especialmente no Norte e Nordeste, cujo acesso à internet ainda é precário ou inexistente. São escolas em cidades mais distantes dos grandes centros e que não receberam investimentos de telecomunicações nos últimos anos.
Há ainda outras 4,6 mil colégios que não têm sequer eletricidade e precisam inicialmente dessa instalação. E quase 100 mil têm internet de baixa qualidade, segundo estudos do MEC. Somando esses grupos, a meta final que será anunciada é a de conectar 138.355 escolas com internet de alta velocidade; o Brasil tem cerca de 138 mil escolas públicas.
Lula vai anunciar um plano de 100% das escolas conectadas, mas o processo será em etapas e durará até 2026. A intenção é a de instalar redes de fibra ótica na maioria delas, mas algumas ainda precisarão de suporte de satélite ou rádio, pelo difícil acesso.
O plano do MEC é de que, além da internet de alta velocidade, os recursos sejam usados para distribuir a rede dentro da escola, por meio de wifi, para todas as salas as aulas. “A política tem que ser de educação digital e não só de conectividade. A conectividade é insumo necessário para acontecer a educação digital”, disse Lúcia Dellagnelo, consultora da Unesco na área de tecnologia da educação.
“Não se pode achar que conectou todas as escola na internet e se resolveu o problema da educação digital. Vamos ter de pensar nos recursos educacionais digitais, na formação do professor que possa dar uma aula que faça sentido no digital, em material didático”, dissee a especialista no 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado pela Jeduca, esta semana. Ela comentava justamente sobre a expectativa do lançamento do plano do governo federal.
Segundo Lúcia, ainda há grande desigualdade de acesso à internet, mas é preciso se preocupar também em dar oportunidades iguais para que as escolas saibam usar os recursos para garantir a aprendizagem a partir da conectividade. Segundo o Estadão apurou, o MEC elabora um plano que inclui formar professores para tecnologia e currículo voltado para educação digital, mas o anúncio de terça-feira será focado na conectividade.
O ministério também quer incentivar a instalação de um medidor de velocidade da internet, que pode ser baixado pela direção da escola por meio de um site do governo e entidades parceiras. O Medidor Educação Conectada já existe, mas está hoje em apenas 66 mil escolas e não é possível saber a situação da conexão na maioria das unidades de ensino do País.
“É difícil pensar a expansão se não houver a visibilidade do que já se tem hoje”, diz a diretora executiva do Centro de Inovação para a Educação Básica (Cieb), Julia Sant’Anna, que faz parte da coalização do terceiro setor envolvido no projeto do medidor. “Para além da velocidade, é preciso saber o tipo de acesso e fazer o monitoramento constante, a escola pode ter internet hoje, mas pode cair amanhã.”
Segundo o Estadão apurou, não há intenção no MEC de comprar ou distribuir computadores para escolas. Em 2007, um programa do governo Lula que previa entregar um computador por aluno foi mal sucedido, com equipamentos que chegaram a escolas que sequer tinham internet ou para professores que não sabiam usá-lo. Projetos semelhantes em outros países também não foram bem avaliados.
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Disputas políticas
Quem vai executar a política, no que diz respeito aos R$ 3,1 bilhões que vieram do leilão de 5G, será a Entidade Administradora da Conectividade de Escolas (Eace), autarquia criada como exigência do edital e composta pelas operadoras Algar Telecom, Claro, Tim, e Vivo.
A presidência da Eace, hoje ocupada por Paula Martins, tem sido disputada dentro do governo. Segundo o Estadão apurou, o ministro de Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), tenta indicar um nome de sua preferência.
78% das redes municipais pedem formação de professores
A cultura digital aparece como competência fundamental na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que dá as diretrizes sobre o que deve ser ensinado na escola, mas ainda é um desafio no País.
Pesquisa realizada pela Fundação Telefônica Vivo e pelo Cieb mostra que 84% das redes municipais de ensino não têm orçamento próprio para a área de tecnologia. Além disso, metade das que atendem estudantes de mais baixo nível socio econômico não dá formação aos professores sobre o assunto. Essa necessidade é explicitada na pesquisa por 78% das redes, quando questionadas sobre o que deveria ser prioridade nos próximos anos.
Em São Paulo, como revelou o Estadão, só 1.953 (39%) das 5,3 mil escolas estaduais têm wi-fi, computadores e outros equipamentos para atender a maioria das turmas. Na capital, litoral e interior há escolas estaduais cujas salas de aula não têm conexão com a internet ou a rede wi-fi é fraca e está disponível apenas em ambientes administrativos.
Em documento lançado em julho deste ano, a Unesco enfatizou a importância da formação de professores para o uso da tecnologia, as desigualdades na área e as chamadas digital skills. Segundo a entidade, 46% dos países – 80% na Europa e América do Norte – já identificaram o que seriam as habilidades digitais para alunos, e têm planos e estratégias para essa aprendizagem.
Para a Unesco, os sistemas de ensino devem capacitar as pessoas a usar as tecnologias digitais “com confiança para agregar valor às suas vidas pessoais e profissionais, para tratar o conteúdo de forma crítica, para se proteger de riscos e para agir com responsabilidade online para não prejudicar outros”.