A direção da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (USP) divulgou carta nesta quinta-feira, 5, dizendo que não há mais possibilidade de negociação com os estudantes grevistas e que as aulas voltarão em formato online. A paralisação de alunos começou há duas semanas e teve seu pico de tensão nos últimos dias, com professores sendo impedidos de entrar em alguns prédios da instituição por causa de barricadas nos portões e estudantes contrários ao movimento, atacados.
“A ‘greve’ não é dos professores. As aulas não serão repostas. Haverá perda do semestre para aqueles que não voltarem às atividades. Provavelmente, isso poderá causar prejuízos a todos e, mais imediatamente, àqueles que deveriam colar grau no final do ano”, disse o diretor da São Francisco, Celso Fernandes Campilongo. “As aulas prosseguirão de modo virtual (online), para os professores que assim desejarem fazer”, completou.
Procurado, o Centro Acadêmico XI de Agosto divulgou nota dizendo surpreso com a recusa da diretoria em continuar as negociações. “Compreendemos que o momento de greve ocasiona eventuais embates entre o interesse público dos estudantes e a institucionalidade resistente à mudança. Não faz sentido, no entanto, seguir a postura adotada agora pela diretoria, de romper com o diálogo com os representantes da greve”, diz o texto.
Nesta quarta-feira, em reunião de negociação com os grevistas, a USP anunciou que vai liberar mais 148 novas vagas para contratação de professores, adicionais às 879 que já tinham sido aprovadas para diferentes unidades. Segundo o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, são vagas para docentes efetivos que estavam previstas para o ano que vem e foram adiantadas.
Em vídeo, Carlotti disse ser “fundamental que os espaços bloqueados sejam liberados, garantindo o direito das pessoas de livre trânsito nas escolas”. Em entrevista ao Estadão, o reitor afirmou que não pretende usar a força e mandar policiais para desocupar os espaços.
Campilongo também pediu que eles desocupem a faculdade, “num último apelo à racionalidade” e acabem com a paralisação. “Reflitam seriamente sobre as propostas da reitoria, que demonstrou sensibilidade e realismo diante dos pleitos apresentados”, disse.
O diretor ainda acrescentou que os alunos têm “pautas radicais, propositadamente descoladas da realidade e, por isso, inalcançáveis, mostra interesses pouco claros e distantes das preocupações verdadeiramente acadêmicas”. Campilongo comunicou também à reitoria da USP que encerraria “qualquer tratativa com os grevistas”.
Os estudantes afirmam que suas pautas são concretas e que precisam ser tratadas pela diretoria e, não apenas pela reitoria. “O que nós, os estudantes da Universidade de São Paulo e da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco queremos é tão somente a manutenção do diálogo franco e respeitoso e o atendimento das reivindicações apresentadas, anteriormente “de fácil solução” e agora “descoladas da realidade”, afirmam em nota.
Em vídeos gravados dentro da São Francisco, cartazes dos grevistas - que têm dormido e feito festas dentro da faculdade - mostram dizeres como “Se nem todes (sic) podem, ninguém vai à aula”, em referência a disciplinas canceladas pela falta de professores. Em outro vídeo, um aluno diz, durante a assembleia, que “se tiver professor querendo entrar, vai ter de passar por cima”.
Em artigo publicado nesta quinta-feira no Estadão, o professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) e ex-presidente do centro acadêmico da São Francisco, Eugênio Bucci, afirmou que as reivindicações dos grevistas já foram atendidas, tanto no que diz respeito a mais professores quanto ao aumento das bolsas para estudantes vulneráveis. Ele diz não ver razão para o movimento atual, discurso repetido por outros professores.
“Os piquetes, organizados pela minoria da minoria, amontoando cadeiras escolares para bloquear portas e corredores das faculdades, ofendem a comunidade e rendem fotografias impactantes, que só servem para abastecer o discurso contrário à vida intelectual, à ciência e às artes”, diz Bucci. “A história está cheia de jornadas de lutas estudantis que nos orgulham. Não é o caso da presente greve, é óbvio. Ela não nos orgulha.”
A paralisação dos estudantes foi aprovada no dia 20 de setembro. A pauta principal dos grevistas é o atual déficit no quadro de docentes. A USP perdeu 818 professores entre 2014 e 2023, como mostrou o Estadão. São 15% a menos de docentes, sem que tenha mudado o número de alunos, resultado de anos de crise financeira e da pandemia, quando não foram autorizadas novas contratações. A reitoria apresentou um plano de novas contratações, mas isso não acalmou os ânimos na universidade.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um professor ameaçou um aluno com uma faca. Os estudantes também queriam paralisar em apoio à greve da USP e dos trabalhadores do Metrô, da CPTM e da Sabesp. A Polícia Civil e a reitoria vão investigar o caso. Para o psiquiatra Daniel Martins de Barros, colunista do Estadão, a polarização não é nova, mas se acirra em um mundo mais complexo, em que as redes sociais dividem ainda mais as pessoas.