‘Brasil deveria, no mínimo, ter retomado indicadores pré-pandemia’, diz especialista


Governo precisa de aperfeiçoar cooperação federal com municípios para educação infantil e estratégia para o fim do fundamental, diz especialista do Todos Pela Educação

Por Isabela Moya
Atualização:
Foto: Reprodução redes sociais
Entrevista comIvan GontijoGerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgados nesta quarta-feira, 14, mostram que a qualidade da educação brasileira ainda não atingiu o patamar de 2019 e não se recuperou totalmente dos prejuízos da pandemia para a aprendizagem das crianças e adolescentes.

Na visão de Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, o País deveria, no mínimo, ter retomado os indicadores de 2019. “Os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores aos pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia”, afirma.

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Nos primeiros anos do fundamental (1º ao 5º), o País atingiu sua meta, de 6 pontos (a escala vai de 0 a 10). Contudo, no fim do fundamental e no ensino médio, os resultados ainda estão aquém das metas planejadas previstas ainda para 2021 - as últimas estabelecidas pelo governo federal.

O resultado do fundamental I deve ser comemorado, segundo Gontijo, mas ele destaca que a meta só foi alcançada devido à participação do ensino privado na avaliação. Ao considerar apenas as escolas públicas, o objetivo não teria sido alcançado.

Por isso, reforça a importância de um programa federal específico para cooperar com os municípios na etapa anterior ao fundamental. “Ainda falta uma estratégia de educação infantil (creche e pré-escola), seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação”.

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Veja os principais trechos da entrevista:

Qual a avaliação dos reflexos da pandemia no ensino brasileiro?

Em uma análise mais ampla dos resultados, percebemos que as taxas de aprovação - a quantidade de alunos que começaram o ciclo e finalizaram - melhoraram em todas as etapas analisadas - 5º, 9º e 3º ano -, o que é uma notícia bastante positiva. Não podemos achar que ter trajetórias adequadas é uma dimensão menor do que a aprendizagem, até porque no Ideb as duas coisas têm o mesmo peso.

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Por outro lado, nos indicadores de desempenho, o que vemos é que o desempenho dos alunos foi menor do que o observado em 2019, no período pré-pandemia. Esses estudantes foram muito impactados pela pandemia. No 5º ano, esse aluno estava fora da escola (aulas remotas) no período de alfabetização, no 2º e no 3º ano, por conta da pandemia. Esses dados mostram isso: os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores àqueles pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia.

Não termos recuperado o nível pré-pandemia já era esperado ou havia condições de retornar aos patamares de 2019?

O que se esperava com um bom processo de recomposição de aprendizagens era que a gente retomasse esses indicadores. Fazendo um paralelo, no Criança Alfabetizada, a gente conseguiu retomar os níveis pré-pandemia, só que são alunos que foram menos impactados pela pandemia porque eles estavam na pré-escola. Mas com o processo de recomposição de aprendizagens bem feito, a gente deveria ter no mínimo retomado esses indicadores.

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E quais os possíveis motivos para não termos alcançado isso?

Há dois grandes impactos. A explicação da pandemia é forte. A outra que é que o governo (Jair) Bolsonaro teve atuação na educação de certo grau de omissão, especialmente na pandemia, não conseguiu apoiar as redes de ensino de forma adequada e coordenar o processo de recomposição de aprendizagens, Do ponto de vista das redes de ensino, o que funciona é uma gestão pedagógica adequada, ter currículo bom, material alinhado ao currículo, formação de professores, avaliações, sistema pedagógico que funcione minimamente. É algo que ainda não acontece em grande parte das redes de ensino brasileiras. Lembrando que há um currículo nacional, a BNCC, desde 2018, que começou a ser implementada nas escolas em 2020. Esses resultados ainda não chegaram, e mostram que ainda existe uma estrada muito grande para avançar, tanto em relação a melhorar a gestão pedagógica que é feita nas escolas, mas também de fortalecimento da profissão docente, na medida que professores são os atores que têm mais impacto nos resultados de aprendizagem dos estudantes.

Ainda há muito trabalho a ser feito, e o Brasil vem avançando. Se amplia o olhar de 2007 (quando o Ideb foi criado) para 2019, o Brasil avançou muito, especialmente nos anos iniciais e nos finais. O que esses dados mostram é que o processo de avanço que havia no pré-pandemia foi estagnado, e as políticas públicas estruturantes que conseguimos avançar nesse período - como o novo Fundeb, a BNCC, o Pé de Meia e a Criança Alfabetizada - são políticas recentes. Ainda não conseguiram trazer os resultados almejados em relação aos indicadores de aprendizagem.

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Melhorar cooperação entre Estados e municípios e criar políticas para o ensino fundamental 2 estão entre os desafios para melhorar a qualidade do ensino Foto: Werther Santana/Estadão

Entre os Estados que tiveram menos perdas na pandemia, é possível perceber algum padrão que possa ter favorecido os melhores resultados?

Alguns Estados, na comparação entre 2019 com 2023, conseguiram bons avanços, como o caso do Pará e do Amapá. Tem uma questão em relação ao nível que eles partiram. É muito mais difícil, por exemplo, o Paraná avançar, que já está com resultados muito altos, do que esses lugares que tinham resultados bem piores.

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O Amapá, um estado que avançou bastante nos anos finais, ainda é o 4º pior resultado. Esses avanços estão muito relacionados a lugares que tinham muitos desafios e que conseguiram se organizar, fazer processos de gestão pedagógica mais eficientes e melhorar em seus resultados.

Quando olhamos para os anos iniciais, para a gestão dos municípios, os três Estados que mais avançaram em relação à aprendizagem foram Alagoas, Maranhão e Ceará, três do Nordeste, que, em comum, têm apostado muito no regime de colaboração com os municípios: o Estado ajuda os municípios nas políticas educacionais, fornece formação continuada para os municípios, material, avaliações, paga bolsistas para atuarem nas secretarias municipais e há premiação para escolas.

O Ceará é a principal referência nisso, mas outros lugares têm copiado essa estratégia. Alagoas, por exemplo, e o Maranhão têm programas bem robustos, com investimento. Esses Estados começaram os programas antes, então já aparecem resultados. São Paulo criou o seu programa de alfabetização em regime de colaboração no ano passado.

Por outro lado, algumas redes de ensino mais estruturadas, que já apresentavam resultados melhores, retrocederam. Por quê?

São Paulo é um exemplo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul também. Quando se está com resultados melhores, é mais difícil aumentar. Significa que não basta melhorar a aprendizagem dos alunos que já estão bons, precisa principalmente tirar lá de trás alunos que estão com maiores déficits, e esses Estados não conseguiram fazer isso. As políticas que fizeram talvez tenham chegado num teto e está no momento de repensar.

Em relação aos anos iniciais, no Fundamental 1, o Brasil atingiu a meta de 6 pontos no Ideb. É um feito a ser comemorado ou ainda está muito longe do ideal nessa faixa?

Depende da perspectiva. Isso é o resultado da rede total, que inclui rede privada. Se faz o recorte para a rede pública, não atingimos a meta em 2023, porque o Ideb ficou em 5,7 na rede pública e a meta era 5,8. Mas se existe uma etapa em que tem que comemorar é com os anos iniciais, trabalho especialmente dos municípios. De 2007 a 2019, o Brasil dobrou o número de crianças com aprendizagem adequada no 5º ano, tanto em Português quanto em Matemática. Essa é uma coorte que daqui sete anos estará fazendo o Ideb de ensino médio, que chega mais preparada.

Por outro lado, quanto mais se avança nas etapas escolares, piores os resultados. O ensino médio é onde estão concentrados os maiores desafios. Como melhorar nessa etapa?

O ensino médio segue a etapa com os resultados mais preocupantes, em que a gente ficou mais distante da meta, ainda que tenha boas referências como as escolas em tempo integral e as escolas técnicas integradas. Temos a discussão sobre o desenho curricular da etapa. As políticas ainda que estão sendo feitas para o ensino médio não chegaram na escola, o Pé de Meia começou no passado, o “novo novo ensino médio” foi aprovado mês passado. Nesse novo desenho curricular do ensino médio, corrigimos muitos dos problemas que tinham nas escolas e que não estavam dando certo na proposta anterior. Mas preservou a essência da reforma, que é a flexibilização curricular, a integração com a formação profissional e técnica. Temos um desenho curricular melhor.

O governo tem apostado no Pé de Meia e ensino profissionalizante para evoluir no ensino médio, onde há a maior evasão. Esses programas estão sendo bem implementados?

O Pé de Meia é uma política é a política mais cara da história do Ministério da Educação, custa entre R$ 8 e 10 bilhões por ano, um investimento muito alto. Mas é uma política que está de acordo com as evidências, está sendo bem implementada. A questão é que não conseguimos analisar os resultados hoje ainda. O grande ponto no ensino médio, são dois: para caber esse novo ensino médio de forma adequada, precisa aumentar o tempo integral. Esse é um baita desafio; e a a grande incógnita é como que o MEC vai ajudar os Estados a implementarem essas novas mudanças do novo ensino médio, qual será o programa de apoio que vai ser feito. Se o MEC não apoia, há redes que conseguem fazer e outras redes que não conseguem. Esse apoio pode ser dado com orientações, apoio técnico, financiamento de consultores do ministério para atuarem nos Estados, monitoramento para saber se as práticas estão sendo implementadas nas escolas,

E como fica o ensino fundamental II?

Os anos finais têm o desafio “cachorro sem dono”. Isso porque metade fica com os municípios, metade fica com os Estados. Tem um desafio de governança e de transição. Não falamos muito sobre isso, mas a transição dos anos iniciais para os finais do fundamental é muito drástica. Não há políticas para isso. Por que no 5º ano os resultados são melhores? Porque é mais fácil fazer a gestão de uma sala de aula que tem um professor só, do que no 6º ano, quando o aluno passa para oito professores. O (ministro) Camilo Santana até citou isso, sobre a Escola das Adolescências, uma política que está muito embrionária ainda no Ministério de Educação.

E nessa etapa não temos um modelo de onde copiar. Nos anos iniciais já sabemos o que funciona, tem vários casos de sucesso, como o do Ceará, Teresina, de Sobral, já se sabe o que funciona em termos de alfabetização. No médio, já existem as escolas em tempo integral, que já estão se expandindo, e os cursos técnicos.

Mas nos anos finais ainda precisa de um desenho curricular de escola que faça sentido e que ajude a melhorar o seu estado de aprendizagem. São nos anos finais em que começamos a ter grandes problemas, onde os alunos começam a evadir. É uma etapa de transição importante, mas que ainda não tem uma agenda posta.

O Brasil investe no ensino superior um montante per capita semelhante dos países da OCDE, mas só um terço do que a organização investe no ensino básico. A principal lacuna do ensino básico brasileiro é falta de investimento ou outro fator?

Tem uma lógica ainda de subfinanciamento na educação básica, mas está melhorando, a complementação da União ao Fundeb tem aumentado, o salário dos professores tem aumentado. Mas ainda falta, ainda tem desigualdade. O grande desafio do Brasil é de gestão. Descentralizamos recurso para Estados e municípios. Agora precisa que apliquem esse recurso nas práticas mais efetivas.

Quais devem ser as prioridades do governo a partir de agora, tanto para as ações do MEC quanto para as metas a serem traçadas daqui em diante?

O MEC lançou quatro grandes política: o compromisso Criança Alfabetizada, o Pé de Meia, a estratégia de Escolas Conectadas, e o programa de tempo integral. Ainda falta uma estratégia de educação infantil, o MEC ainda não tem um programa próprio para ajudar os municípios na educação infantil, seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação.

Outra lacuna muito importante, que o MEC tem avançado, é a questão da formação inicial de professores (a fração de aulas a distância nas licenciaturas foi restrita a, no máximo, 50%). No Brasil, você tem 70% dos concluintes em cursos de EAD (ensino a distância). É uma prioridade que o Ministério da Educação precisa colocar muita atenção, porque isso é muito central para a gente avançar nos resultados, porque quando você olha o que os outros países fizeram para avançar com escala e consistência, sustentado ao longo do tempo, foi muito foco nisso.

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgados nesta quarta-feira, 14, mostram que a qualidade da educação brasileira ainda não atingiu o patamar de 2019 e não se recuperou totalmente dos prejuízos da pandemia para a aprendizagem das crianças e adolescentes.

Na visão de Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, o País deveria, no mínimo, ter retomado os indicadores de 2019. “Os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores aos pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia”, afirma.

Nos primeiros anos do fundamental (1º ao 5º), o País atingiu sua meta, de 6 pontos (a escala vai de 0 a 10). Contudo, no fim do fundamental e no ensino médio, os resultados ainda estão aquém das metas planejadas previstas ainda para 2021 - as últimas estabelecidas pelo governo federal.

O resultado do fundamental I deve ser comemorado, segundo Gontijo, mas ele destaca que a meta só foi alcançada devido à participação do ensino privado na avaliação. Ao considerar apenas as escolas públicas, o objetivo não teria sido alcançado.

Por isso, reforça a importância de um programa federal específico para cooperar com os municípios na etapa anterior ao fundamental. “Ainda falta uma estratégia de educação infantil (creche e pré-escola), seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação”.

Veja os principais trechos da entrevista:

Qual a avaliação dos reflexos da pandemia no ensino brasileiro?

Em uma análise mais ampla dos resultados, percebemos que as taxas de aprovação - a quantidade de alunos que começaram o ciclo e finalizaram - melhoraram em todas as etapas analisadas - 5º, 9º e 3º ano -, o que é uma notícia bastante positiva. Não podemos achar que ter trajetórias adequadas é uma dimensão menor do que a aprendizagem, até porque no Ideb as duas coisas têm o mesmo peso.

Por outro lado, nos indicadores de desempenho, o que vemos é que o desempenho dos alunos foi menor do que o observado em 2019, no período pré-pandemia. Esses estudantes foram muito impactados pela pandemia. No 5º ano, esse aluno estava fora da escola (aulas remotas) no período de alfabetização, no 2º e no 3º ano, por conta da pandemia. Esses dados mostram isso: os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores àqueles pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia.

Não termos recuperado o nível pré-pandemia já era esperado ou havia condições de retornar aos patamares de 2019?

O que se esperava com um bom processo de recomposição de aprendizagens era que a gente retomasse esses indicadores. Fazendo um paralelo, no Criança Alfabetizada, a gente conseguiu retomar os níveis pré-pandemia, só que são alunos que foram menos impactados pela pandemia porque eles estavam na pré-escola. Mas com o processo de recomposição de aprendizagens bem feito, a gente deveria ter no mínimo retomado esses indicadores.

E quais os possíveis motivos para não termos alcançado isso?

Há dois grandes impactos. A explicação da pandemia é forte. A outra que é que o governo (Jair) Bolsonaro teve atuação na educação de certo grau de omissão, especialmente na pandemia, não conseguiu apoiar as redes de ensino de forma adequada e coordenar o processo de recomposição de aprendizagens, Do ponto de vista das redes de ensino, o que funciona é uma gestão pedagógica adequada, ter currículo bom, material alinhado ao currículo, formação de professores, avaliações, sistema pedagógico que funcione minimamente. É algo que ainda não acontece em grande parte das redes de ensino brasileiras. Lembrando que há um currículo nacional, a BNCC, desde 2018, que começou a ser implementada nas escolas em 2020. Esses resultados ainda não chegaram, e mostram que ainda existe uma estrada muito grande para avançar, tanto em relação a melhorar a gestão pedagógica que é feita nas escolas, mas também de fortalecimento da profissão docente, na medida que professores são os atores que têm mais impacto nos resultados de aprendizagem dos estudantes.

Ainda há muito trabalho a ser feito, e o Brasil vem avançando. Se amplia o olhar de 2007 (quando o Ideb foi criado) para 2019, o Brasil avançou muito, especialmente nos anos iniciais e nos finais. O que esses dados mostram é que o processo de avanço que havia no pré-pandemia foi estagnado, e as políticas públicas estruturantes que conseguimos avançar nesse período - como o novo Fundeb, a BNCC, o Pé de Meia e a Criança Alfabetizada - são políticas recentes. Ainda não conseguiram trazer os resultados almejados em relação aos indicadores de aprendizagem.

Melhorar cooperação entre Estados e municípios e criar políticas para o ensino fundamental 2 estão entre os desafios para melhorar a qualidade do ensino Foto: Werther Santana/Estadão

Entre os Estados que tiveram menos perdas na pandemia, é possível perceber algum padrão que possa ter favorecido os melhores resultados?

Alguns Estados, na comparação entre 2019 com 2023, conseguiram bons avanços, como o caso do Pará e do Amapá. Tem uma questão em relação ao nível que eles partiram. É muito mais difícil, por exemplo, o Paraná avançar, que já está com resultados muito altos, do que esses lugares que tinham resultados bem piores.

O Amapá, um estado que avançou bastante nos anos finais, ainda é o 4º pior resultado. Esses avanços estão muito relacionados a lugares que tinham muitos desafios e que conseguiram se organizar, fazer processos de gestão pedagógica mais eficientes e melhorar em seus resultados.

Quando olhamos para os anos iniciais, para a gestão dos municípios, os três Estados que mais avançaram em relação à aprendizagem foram Alagoas, Maranhão e Ceará, três do Nordeste, que, em comum, têm apostado muito no regime de colaboração com os municípios: o Estado ajuda os municípios nas políticas educacionais, fornece formação continuada para os municípios, material, avaliações, paga bolsistas para atuarem nas secretarias municipais e há premiação para escolas.

O Ceará é a principal referência nisso, mas outros lugares têm copiado essa estratégia. Alagoas, por exemplo, e o Maranhão têm programas bem robustos, com investimento. Esses Estados começaram os programas antes, então já aparecem resultados. São Paulo criou o seu programa de alfabetização em regime de colaboração no ano passado.

Por outro lado, algumas redes de ensino mais estruturadas, que já apresentavam resultados melhores, retrocederam. Por quê?

São Paulo é um exemplo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul também. Quando se está com resultados melhores, é mais difícil aumentar. Significa que não basta melhorar a aprendizagem dos alunos que já estão bons, precisa principalmente tirar lá de trás alunos que estão com maiores déficits, e esses Estados não conseguiram fazer isso. As políticas que fizeram talvez tenham chegado num teto e está no momento de repensar.

Em relação aos anos iniciais, no Fundamental 1, o Brasil atingiu a meta de 6 pontos no Ideb. É um feito a ser comemorado ou ainda está muito longe do ideal nessa faixa?

Depende da perspectiva. Isso é o resultado da rede total, que inclui rede privada. Se faz o recorte para a rede pública, não atingimos a meta em 2023, porque o Ideb ficou em 5,7 na rede pública e a meta era 5,8. Mas se existe uma etapa em que tem que comemorar é com os anos iniciais, trabalho especialmente dos municípios. De 2007 a 2019, o Brasil dobrou o número de crianças com aprendizagem adequada no 5º ano, tanto em Português quanto em Matemática. Essa é uma coorte que daqui sete anos estará fazendo o Ideb de ensino médio, que chega mais preparada.

Por outro lado, quanto mais se avança nas etapas escolares, piores os resultados. O ensino médio é onde estão concentrados os maiores desafios. Como melhorar nessa etapa?

O ensino médio segue a etapa com os resultados mais preocupantes, em que a gente ficou mais distante da meta, ainda que tenha boas referências como as escolas em tempo integral e as escolas técnicas integradas. Temos a discussão sobre o desenho curricular da etapa. As políticas ainda que estão sendo feitas para o ensino médio não chegaram na escola, o Pé de Meia começou no passado, o “novo novo ensino médio” foi aprovado mês passado. Nesse novo desenho curricular do ensino médio, corrigimos muitos dos problemas que tinham nas escolas e que não estavam dando certo na proposta anterior. Mas preservou a essência da reforma, que é a flexibilização curricular, a integração com a formação profissional e técnica. Temos um desenho curricular melhor.

O governo tem apostado no Pé de Meia e ensino profissionalizante para evoluir no ensino médio, onde há a maior evasão. Esses programas estão sendo bem implementados?

O Pé de Meia é uma política é a política mais cara da história do Ministério da Educação, custa entre R$ 8 e 10 bilhões por ano, um investimento muito alto. Mas é uma política que está de acordo com as evidências, está sendo bem implementada. A questão é que não conseguimos analisar os resultados hoje ainda. O grande ponto no ensino médio, são dois: para caber esse novo ensino médio de forma adequada, precisa aumentar o tempo integral. Esse é um baita desafio; e a a grande incógnita é como que o MEC vai ajudar os Estados a implementarem essas novas mudanças do novo ensino médio, qual será o programa de apoio que vai ser feito. Se o MEC não apoia, há redes que conseguem fazer e outras redes que não conseguem. Esse apoio pode ser dado com orientações, apoio técnico, financiamento de consultores do ministério para atuarem nos Estados, monitoramento para saber se as práticas estão sendo implementadas nas escolas,

E como fica o ensino fundamental II?

Os anos finais têm o desafio “cachorro sem dono”. Isso porque metade fica com os municípios, metade fica com os Estados. Tem um desafio de governança e de transição. Não falamos muito sobre isso, mas a transição dos anos iniciais para os finais do fundamental é muito drástica. Não há políticas para isso. Por que no 5º ano os resultados são melhores? Porque é mais fácil fazer a gestão de uma sala de aula que tem um professor só, do que no 6º ano, quando o aluno passa para oito professores. O (ministro) Camilo Santana até citou isso, sobre a Escola das Adolescências, uma política que está muito embrionária ainda no Ministério de Educação.

E nessa etapa não temos um modelo de onde copiar. Nos anos iniciais já sabemos o que funciona, tem vários casos de sucesso, como o do Ceará, Teresina, de Sobral, já se sabe o que funciona em termos de alfabetização. No médio, já existem as escolas em tempo integral, que já estão se expandindo, e os cursos técnicos.

Mas nos anos finais ainda precisa de um desenho curricular de escola que faça sentido e que ajude a melhorar o seu estado de aprendizagem. São nos anos finais em que começamos a ter grandes problemas, onde os alunos começam a evadir. É uma etapa de transição importante, mas que ainda não tem uma agenda posta.

O Brasil investe no ensino superior um montante per capita semelhante dos países da OCDE, mas só um terço do que a organização investe no ensino básico. A principal lacuna do ensino básico brasileiro é falta de investimento ou outro fator?

Tem uma lógica ainda de subfinanciamento na educação básica, mas está melhorando, a complementação da União ao Fundeb tem aumentado, o salário dos professores tem aumentado. Mas ainda falta, ainda tem desigualdade. O grande desafio do Brasil é de gestão. Descentralizamos recurso para Estados e municípios. Agora precisa que apliquem esse recurso nas práticas mais efetivas.

Quais devem ser as prioridades do governo a partir de agora, tanto para as ações do MEC quanto para as metas a serem traçadas daqui em diante?

O MEC lançou quatro grandes política: o compromisso Criança Alfabetizada, o Pé de Meia, a estratégia de Escolas Conectadas, e o programa de tempo integral. Ainda falta uma estratégia de educação infantil, o MEC ainda não tem um programa próprio para ajudar os municípios na educação infantil, seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação.

Outra lacuna muito importante, que o MEC tem avançado, é a questão da formação inicial de professores (a fração de aulas a distância nas licenciaturas foi restrita a, no máximo, 50%). No Brasil, você tem 70% dos concluintes em cursos de EAD (ensino a distância). É uma prioridade que o Ministério da Educação precisa colocar muita atenção, porque isso é muito central para a gente avançar nos resultados, porque quando você olha o que os outros países fizeram para avançar com escala e consistência, sustentado ao longo do tempo, foi muito foco nisso.

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgados nesta quarta-feira, 14, mostram que a qualidade da educação brasileira ainda não atingiu o patamar de 2019 e não se recuperou totalmente dos prejuízos da pandemia para a aprendizagem das crianças e adolescentes.

Na visão de Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, o País deveria, no mínimo, ter retomado os indicadores de 2019. “Os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores aos pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia”, afirma.

Nos primeiros anos do fundamental (1º ao 5º), o País atingiu sua meta, de 6 pontos (a escala vai de 0 a 10). Contudo, no fim do fundamental e no ensino médio, os resultados ainda estão aquém das metas planejadas previstas ainda para 2021 - as últimas estabelecidas pelo governo federal.

O resultado do fundamental I deve ser comemorado, segundo Gontijo, mas ele destaca que a meta só foi alcançada devido à participação do ensino privado na avaliação. Ao considerar apenas as escolas públicas, o objetivo não teria sido alcançado.

Por isso, reforça a importância de um programa federal específico para cooperar com os municípios na etapa anterior ao fundamental. “Ainda falta uma estratégia de educação infantil (creche e pré-escola), seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação”.

Veja os principais trechos da entrevista:

Qual a avaliação dos reflexos da pandemia no ensino brasileiro?

Em uma análise mais ampla dos resultados, percebemos que as taxas de aprovação - a quantidade de alunos que começaram o ciclo e finalizaram - melhoraram em todas as etapas analisadas - 5º, 9º e 3º ano -, o que é uma notícia bastante positiva. Não podemos achar que ter trajetórias adequadas é uma dimensão menor do que a aprendizagem, até porque no Ideb as duas coisas têm o mesmo peso.

Por outro lado, nos indicadores de desempenho, o que vemos é que o desempenho dos alunos foi menor do que o observado em 2019, no período pré-pandemia. Esses estudantes foram muito impactados pela pandemia. No 5º ano, esse aluno estava fora da escola (aulas remotas) no período de alfabetização, no 2º e no 3º ano, por conta da pandemia. Esses dados mostram isso: os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores àqueles pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia.

Não termos recuperado o nível pré-pandemia já era esperado ou havia condições de retornar aos patamares de 2019?

O que se esperava com um bom processo de recomposição de aprendizagens era que a gente retomasse esses indicadores. Fazendo um paralelo, no Criança Alfabetizada, a gente conseguiu retomar os níveis pré-pandemia, só que são alunos que foram menos impactados pela pandemia porque eles estavam na pré-escola. Mas com o processo de recomposição de aprendizagens bem feito, a gente deveria ter no mínimo retomado esses indicadores.

E quais os possíveis motivos para não termos alcançado isso?

Há dois grandes impactos. A explicação da pandemia é forte. A outra que é que o governo (Jair) Bolsonaro teve atuação na educação de certo grau de omissão, especialmente na pandemia, não conseguiu apoiar as redes de ensino de forma adequada e coordenar o processo de recomposição de aprendizagens, Do ponto de vista das redes de ensino, o que funciona é uma gestão pedagógica adequada, ter currículo bom, material alinhado ao currículo, formação de professores, avaliações, sistema pedagógico que funcione minimamente. É algo que ainda não acontece em grande parte das redes de ensino brasileiras. Lembrando que há um currículo nacional, a BNCC, desde 2018, que começou a ser implementada nas escolas em 2020. Esses resultados ainda não chegaram, e mostram que ainda existe uma estrada muito grande para avançar, tanto em relação a melhorar a gestão pedagógica que é feita nas escolas, mas também de fortalecimento da profissão docente, na medida que professores são os atores que têm mais impacto nos resultados de aprendizagem dos estudantes.

Ainda há muito trabalho a ser feito, e o Brasil vem avançando. Se amplia o olhar de 2007 (quando o Ideb foi criado) para 2019, o Brasil avançou muito, especialmente nos anos iniciais e nos finais. O que esses dados mostram é que o processo de avanço que havia no pré-pandemia foi estagnado, e as políticas públicas estruturantes que conseguimos avançar nesse período - como o novo Fundeb, a BNCC, o Pé de Meia e a Criança Alfabetizada - são políticas recentes. Ainda não conseguiram trazer os resultados almejados em relação aos indicadores de aprendizagem.

Melhorar cooperação entre Estados e municípios e criar políticas para o ensino fundamental 2 estão entre os desafios para melhorar a qualidade do ensino Foto: Werther Santana/Estadão

Entre os Estados que tiveram menos perdas na pandemia, é possível perceber algum padrão que possa ter favorecido os melhores resultados?

Alguns Estados, na comparação entre 2019 com 2023, conseguiram bons avanços, como o caso do Pará e do Amapá. Tem uma questão em relação ao nível que eles partiram. É muito mais difícil, por exemplo, o Paraná avançar, que já está com resultados muito altos, do que esses lugares que tinham resultados bem piores.

O Amapá, um estado que avançou bastante nos anos finais, ainda é o 4º pior resultado. Esses avanços estão muito relacionados a lugares que tinham muitos desafios e que conseguiram se organizar, fazer processos de gestão pedagógica mais eficientes e melhorar em seus resultados.

Quando olhamos para os anos iniciais, para a gestão dos municípios, os três Estados que mais avançaram em relação à aprendizagem foram Alagoas, Maranhão e Ceará, três do Nordeste, que, em comum, têm apostado muito no regime de colaboração com os municípios: o Estado ajuda os municípios nas políticas educacionais, fornece formação continuada para os municípios, material, avaliações, paga bolsistas para atuarem nas secretarias municipais e há premiação para escolas.

O Ceará é a principal referência nisso, mas outros lugares têm copiado essa estratégia. Alagoas, por exemplo, e o Maranhão têm programas bem robustos, com investimento. Esses Estados começaram os programas antes, então já aparecem resultados. São Paulo criou o seu programa de alfabetização em regime de colaboração no ano passado.

Por outro lado, algumas redes de ensino mais estruturadas, que já apresentavam resultados melhores, retrocederam. Por quê?

São Paulo é um exemplo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul também. Quando se está com resultados melhores, é mais difícil aumentar. Significa que não basta melhorar a aprendizagem dos alunos que já estão bons, precisa principalmente tirar lá de trás alunos que estão com maiores déficits, e esses Estados não conseguiram fazer isso. As políticas que fizeram talvez tenham chegado num teto e está no momento de repensar.

Em relação aos anos iniciais, no Fundamental 1, o Brasil atingiu a meta de 6 pontos no Ideb. É um feito a ser comemorado ou ainda está muito longe do ideal nessa faixa?

Depende da perspectiva. Isso é o resultado da rede total, que inclui rede privada. Se faz o recorte para a rede pública, não atingimos a meta em 2023, porque o Ideb ficou em 5,7 na rede pública e a meta era 5,8. Mas se existe uma etapa em que tem que comemorar é com os anos iniciais, trabalho especialmente dos municípios. De 2007 a 2019, o Brasil dobrou o número de crianças com aprendizagem adequada no 5º ano, tanto em Português quanto em Matemática. Essa é uma coorte que daqui sete anos estará fazendo o Ideb de ensino médio, que chega mais preparada.

Por outro lado, quanto mais se avança nas etapas escolares, piores os resultados. O ensino médio é onde estão concentrados os maiores desafios. Como melhorar nessa etapa?

O ensino médio segue a etapa com os resultados mais preocupantes, em que a gente ficou mais distante da meta, ainda que tenha boas referências como as escolas em tempo integral e as escolas técnicas integradas. Temos a discussão sobre o desenho curricular da etapa. As políticas ainda que estão sendo feitas para o ensino médio não chegaram na escola, o Pé de Meia começou no passado, o “novo novo ensino médio” foi aprovado mês passado. Nesse novo desenho curricular do ensino médio, corrigimos muitos dos problemas que tinham nas escolas e que não estavam dando certo na proposta anterior. Mas preservou a essência da reforma, que é a flexibilização curricular, a integração com a formação profissional e técnica. Temos um desenho curricular melhor.

O governo tem apostado no Pé de Meia e ensino profissionalizante para evoluir no ensino médio, onde há a maior evasão. Esses programas estão sendo bem implementados?

O Pé de Meia é uma política é a política mais cara da história do Ministério da Educação, custa entre R$ 8 e 10 bilhões por ano, um investimento muito alto. Mas é uma política que está de acordo com as evidências, está sendo bem implementada. A questão é que não conseguimos analisar os resultados hoje ainda. O grande ponto no ensino médio, são dois: para caber esse novo ensino médio de forma adequada, precisa aumentar o tempo integral. Esse é um baita desafio; e a a grande incógnita é como que o MEC vai ajudar os Estados a implementarem essas novas mudanças do novo ensino médio, qual será o programa de apoio que vai ser feito. Se o MEC não apoia, há redes que conseguem fazer e outras redes que não conseguem. Esse apoio pode ser dado com orientações, apoio técnico, financiamento de consultores do ministério para atuarem nos Estados, monitoramento para saber se as práticas estão sendo implementadas nas escolas,

E como fica o ensino fundamental II?

Os anos finais têm o desafio “cachorro sem dono”. Isso porque metade fica com os municípios, metade fica com os Estados. Tem um desafio de governança e de transição. Não falamos muito sobre isso, mas a transição dos anos iniciais para os finais do fundamental é muito drástica. Não há políticas para isso. Por que no 5º ano os resultados são melhores? Porque é mais fácil fazer a gestão de uma sala de aula que tem um professor só, do que no 6º ano, quando o aluno passa para oito professores. O (ministro) Camilo Santana até citou isso, sobre a Escola das Adolescências, uma política que está muito embrionária ainda no Ministério de Educação.

E nessa etapa não temos um modelo de onde copiar. Nos anos iniciais já sabemos o que funciona, tem vários casos de sucesso, como o do Ceará, Teresina, de Sobral, já se sabe o que funciona em termos de alfabetização. No médio, já existem as escolas em tempo integral, que já estão se expandindo, e os cursos técnicos.

Mas nos anos finais ainda precisa de um desenho curricular de escola que faça sentido e que ajude a melhorar o seu estado de aprendizagem. São nos anos finais em que começamos a ter grandes problemas, onde os alunos começam a evadir. É uma etapa de transição importante, mas que ainda não tem uma agenda posta.

O Brasil investe no ensino superior um montante per capita semelhante dos países da OCDE, mas só um terço do que a organização investe no ensino básico. A principal lacuna do ensino básico brasileiro é falta de investimento ou outro fator?

Tem uma lógica ainda de subfinanciamento na educação básica, mas está melhorando, a complementação da União ao Fundeb tem aumentado, o salário dos professores tem aumentado. Mas ainda falta, ainda tem desigualdade. O grande desafio do Brasil é de gestão. Descentralizamos recurso para Estados e municípios. Agora precisa que apliquem esse recurso nas práticas mais efetivas.

Quais devem ser as prioridades do governo a partir de agora, tanto para as ações do MEC quanto para as metas a serem traçadas daqui em diante?

O MEC lançou quatro grandes política: o compromisso Criança Alfabetizada, o Pé de Meia, a estratégia de Escolas Conectadas, e o programa de tempo integral. Ainda falta uma estratégia de educação infantil, o MEC ainda não tem um programa próprio para ajudar os municípios na educação infantil, seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação.

Outra lacuna muito importante, que o MEC tem avançado, é a questão da formação inicial de professores (a fração de aulas a distância nas licenciaturas foi restrita a, no máximo, 50%). No Brasil, você tem 70% dos concluintes em cursos de EAD (ensino a distância). É uma prioridade que o Ministério da Educação precisa colocar muita atenção, porque isso é muito central para a gente avançar nos resultados, porque quando você olha o que os outros países fizeram para avançar com escala e consistência, sustentado ao longo do tempo, foi muito foco nisso.

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgados nesta quarta-feira, 14, mostram que a qualidade da educação brasileira ainda não atingiu o patamar de 2019 e não se recuperou totalmente dos prejuízos da pandemia para a aprendizagem das crianças e adolescentes.

Na visão de Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, o País deveria, no mínimo, ter retomado os indicadores de 2019. “Os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores aos pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia”, afirma.

Nos primeiros anos do fundamental (1º ao 5º), o País atingiu sua meta, de 6 pontos (a escala vai de 0 a 10). Contudo, no fim do fundamental e no ensino médio, os resultados ainda estão aquém das metas planejadas previstas ainda para 2021 - as últimas estabelecidas pelo governo federal.

O resultado do fundamental I deve ser comemorado, segundo Gontijo, mas ele destaca que a meta só foi alcançada devido à participação do ensino privado na avaliação. Ao considerar apenas as escolas públicas, o objetivo não teria sido alcançado.

Por isso, reforça a importância de um programa federal específico para cooperar com os municípios na etapa anterior ao fundamental. “Ainda falta uma estratégia de educação infantil (creche e pré-escola), seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação”.

Veja os principais trechos da entrevista:

Qual a avaliação dos reflexos da pandemia no ensino brasileiro?

Em uma análise mais ampla dos resultados, percebemos que as taxas de aprovação - a quantidade de alunos que começaram o ciclo e finalizaram - melhoraram em todas as etapas analisadas - 5º, 9º e 3º ano -, o que é uma notícia bastante positiva. Não podemos achar que ter trajetórias adequadas é uma dimensão menor do que a aprendizagem, até porque no Ideb as duas coisas têm o mesmo peso.

Por outro lado, nos indicadores de desempenho, o que vemos é que o desempenho dos alunos foi menor do que o observado em 2019, no período pré-pandemia. Esses estudantes foram muito impactados pela pandemia. No 5º ano, esse aluno estava fora da escola (aulas remotas) no período de alfabetização, no 2º e no 3º ano, por conta da pandemia. Esses dados mostram isso: os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores àqueles pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia.

Não termos recuperado o nível pré-pandemia já era esperado ou havia condições de retornar aos patamares de 2019?

O que se esperava com um bom processo de recomposição de aprendizagens era que a gente retomasse esses indicadores. Fazendo um paralelo, no Criança Alfabetizada, a gente conseguiu retomar os níveis pré-pandemia, só que são alunos que foram menos impactados pela pandemia porque eles estavam na pré-escola. Mas com o processo de recomposição de aprendizagens bem feito, a gente deveria ter no mínimo retomado esses indicadores.

E quais os possíveis motivos para não termos alcançado isso?

Há dois grandes impactos. A explicação da pandemia é forte. A outra que é que o governo (Jair) Bolsonaro teve atuação na educação de certo grau de omissão, especialmente na pandemia, não conseguiu apoiar as redes de ensino de forma adequada e coordenar o processo de recomposição de aprendizagens, Do ponto de vista das redes de ensino, o que funciona é uma gestão pedagógica adequada, ter currículo bom, material alinhado ao currículo, formação de professores, avaliações, sistema pedagógico que funcione minimamente. É algo que ainda não acontece em grande parte das redes de ensino brasileiras. Lembrando que há um currículo nacional, a BNCC, desde 2018, que começou a ser implementada nas escolas em 2020. Esses resultados ainda não chegaram, e mostram que ainda existe uma estrada muito grande para avançar, tanto em relação a melhorar a gestão pedagógica que é feita nas escolas, mas também de fortalecimento da profissão docente, na medida que professores são os atores que têm mais impacto nos resultados de aprendizagem dos estudantes.

Ainda há muito trabalho a ser feito, e o Brasil vem avançando. Se amplia o olhar de 2007 (quando o Ideb foi criado) para 2019, o Brasil avançou muito, especialmente nos anos iniciais e nos finais. O que esses dados mostram é que o processo de avanço que havia no pré-pandemia foi estagnado, e as políticas públicas estruturantes que conseguimos avançar nesse período - como o novo Fundeb, a BNCC, o Pé de Meia e a Criança Alfabetizada - são políticas recentes. Ainda não conseguiram trazer os resultados almejados em relação aos indicadores de aprendizagem.

Melhorar cooperação entre Estados e municípios e criar políticas para o ensino fundamental 2 estão entre os desafios para melhorar a qualidade do ensino Foto: Werther Santana/Estadão

Entre os Estados que tiveram menos perdas na pandemia, é possível perceber algum padrão que possa ter favorecido os melhores resultados?

Alguns Estados, na comparação entre 2019 com 2023, conseguiram bons avanços, como o caso do Pará e do Amapá. Tem uma questão em relação ao nível que eles partiram. É muito mais difícil, por exemplo, o Paraná avançar, que já está com resultados muito altos, do que esses lugares que tinham resultados bem piores.

O Amapá, um estado que avançou bastante nos anos finais, ainda é o 4º pior resultado. Esses avanços estão muito relacionados a lugares que tinham muitos desafios e que conseguiram se organizar, fazer processos de gestão pedagógica mais eficientes e melhorar em seus resultados.

Quando olhamos para os anos iniciais, para a gestão dos municípios, os três Estados que mais avançaram em relação à aprendizagem foram Alagoas, Maranhão e Ceará, três do Nordeste, que, em comum, têm apostado muito no regime de colaboração com os municípios: o Estado ajuda os municípios nas políticas educacionais, fornece formação continuada para os municípios, material, avaliações, paga bolsistas para atuarem nas secretarias municipais e há premiação para escolas.

O Ceará é a principal referência nisso, mas outros lugares têm copiado essa estratégia. Alagoas, por exemplo, e o Maranhão têm programas bem robustos, com investimento. Esses Estados começaram os programas antes, então já aparecem resultados. São Paulo criou o seu programa de alfabetização em regime de colaboração no ano passado.

Por outro lado, algumas redes de ensino mais estruturadas, que já apresentavam resultados melhores, retrocederam. Por quê?

São Paulo é um exemplo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul também. Quando se está com resultados melhores, é mais difícil aumentar. Significa que não basta melhorar a aprendizagem dos alunos que já estão bons, precisa principalmente tirar lá de trás alunos que estão com maiores déficits, e esses Estados não conseguiram fazer isso. As políticas que fizeram talvez tenham chegado num teto e está no momento de repensar.

Em relação aos anos iniciais, no Fundamental 1, o Brasil atingiu a meta de 6 pontos no Ideb. É um feito a ser comemorado ou ainda está muito longe do ideal nessa faixa?

Depende da perspectiva. Isso é o resultado da rede total, que inclui rede privada. Se faz o recorte para a rede pública, não atingimos a meta em 2023, porque o Ideb ficou em 5,7 na rede pública e a meta era 5,8. Mas se existe uma etapa em que tem que comemorar é com os anos iniciais, trabalho especialmente dos municípios. De 2007 a 2019, o Brasil dobrou o número de crianças com aprendizagem adequada no 5º ano, tanto em Português quanto em Matemática. Essa é uma coorte que daqui sete anos estará fazendo o Ideb de ensino médio, que chega mais preparada.

Por outro lado, quanto mais se avança nas etapas escolares, piores os resultados. O ensino médio é onde estão concentrados os maiores desafios. Como melhorar nessa etapa?

O ensino médio segue a etapa com os resultados mais preocupantes, em que a gente ficou mais distante da meta, ainda que tenha boas referências como as escolas em tempo integral e as escolas técnicas integradas. Temos a discussão sobre o desenho curricular da etapa. As políticas ainda que estão sendo feitas para o ensino médio não chegaram na escola, o Pé de Meia começou no passado, o “novo novo ensino médio” foi aprovado mês passado. Nesse novo desenho curricular do ensino médio, corrigimos muitos dos problemas que tinham nas escolas e que não estavam dando certo na proposta anterior. Mas preservou a essência da reforma, que é a flexibilização curricular, a integração com a formação profissional e técnica. Temos um desenho curricular melhor.

O governo tem apostado no Pé de Meia e ensino profissionalizante para evoluir no ensino médio, onde há a maior evasão. Esses programas estão sendo bem implementados?

O Pé de Meia é uma política é a política mais cara da história do Ministério da Educação, custa entre R$ 8 e 10 bilhões por ano, um investimento muito alto. Mas é uma política que está de acordo com as evidências, está sendo bem implementada. A questão é que não conseguimos analisar os resultados hoje ainda. O grande ponto no ensino médio, são dois: para caber esse novo ensino médio de forma adequada, precisa aumentar o tempo integral. Esse é um baita desafio; e a a grande incógnita é como que o MEC vai ajudar os Estados a implementarem essas novas mudanças do novo ensino médio, qual será o programa de apoio que vai ser feito. Se o MEC não apoia, há redes que conseguem fazer e outras redes que não conseguem. Esse apoio pode ser dado com orientações, apoio técnico, financiamento de consultores do ministério para atuarem nos Estados, monitoramento para saber se as práticas estão sendo implementadas nas escolas,

E como fica o ensino fundamental II?

Os anos finais têm o desafio “cachorro sem dono”. Isso porque metade fica com os municípios, metade fica com os Estados. Tem um desafio de governança e de transição. Não falamos muito sobre isso, mas a transição dos anos iniciais para os finais do fundamental é muito drástica. Não há políticas para isso. Por que no 5º ano os resultados são melhores? Porque é mais fácil fazer a gestão de uma sala de aula que tem um professor só, do que no 6º ano, quando o aluno passa para oito professores. O (ministro) Camilo Santana até citou isso, sobre a Escola das Adolescências, uma política que está muito embrionária ainda no Ministério de Educação.

E nessa etapa não temos um modelo de onde copiar. Nos anos iniciais já sabemos o que funciona, tem vários casos de sucesso, como o do Ceará, Teresina, de Sobral, já se sabe o que funciona em termos de alfabetização. No médio, já existem as escolas em tempo integral, que já estão se expandindo, e os cursos técnicos.

Mas nos anos finais ainda precisa de um desenho curricular de escola que faça sentido e que ajude a melhorar o seu estado de aprendizagem. São nos anos finais em que começamos a ter grandes problemas, onde os alunos começam a evadir. É uma etapa de transição importante, mas que ainda não tem uma agenda posta.

O Brasil investe no ensino superior um montante per capita semelhante dos países da OCDE, mas só um terço do que a organização investe no ensino básico. A principal lacuna do ensino básico brasileiro é falta de investimento ou outro fator?

Tem uma lógica ainda de subfinanciamento na educação básica, mas está melhorando, a complementação da União ao Fundeb tem aumentado, o salário dos professores tem aumentado. Mas ainda falta, ainda tem desigualdade. O grande desafio do Brasil é de gestão. Descentralizamos recurso para Estados e municípios. Agora precisa que apliquem esse recurso nas práticas mais efetivas.

Quais devem ser as prioridades do governo a partir de agora, tanto para as ações do MEC quanto para as metas a serem traçadas daqui em diante?

O MEC lançou quatro grandes política: o compromisso Criança Alfabetizada, o Pé de Meia, a estratégia de Escolas Conectadas, e o programa de tempo integral. Ainda falta uma estratégia de educação infantil, o MEC ainda não tem um programa próprio para ajudar os municípios na educação infantil, seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação.

Outra lacuna muito importante, que o MEC tem avançado, é a questão da formação inicial de professores (a fração de aulas a distância nas licenciaturas foi restrita a, no máximo, 50%). No Brasil, você tem 70% dos concluintes em cursos de EAD (ensino a distância). É uma prioridade que o Ministério da Educação precisa colocar muita atenção, porque isso é muito central para a gente avançar nos resultados, porque quando você olha o que os outros países fizeram para avançar com escala e consistência, sustentado ao longo do tempo, foi muito foco nisso.

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgados nesta quarta-feira, 14, mostram que a qualidade da educação brasileira ainda não atingiu o patamar de 2019 e não se recuperou totalmente dos prejuízos da pandemia para a aprendizagem das crianças e adolescentes.

Na visão de Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, o País deveria, no mínimo, ter retomado os indicadores de 2019. “Os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores aos pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia”, afirma.

Nos primeiros anos do fundamental (1º ao 5º), o País atingiu sua meta, de 6 pontos (a escala vai de 0 a 10). Contudo, no fim do fundamental e no ensino médio, os resultados ainda estão aquém das metas planejadas previstas ainda para 2021 - as últimas estabelecidas pelo governo federal.

O resultado do fundamental I deve ser comemorado, segundo Gontijo, mas ele destaca que a meta só foi alcançada devido à participação do ensino privado na avaliação. Ao considerar apenas as escolas públicas, o objetivo não teria sido alcançado.

Por isso, reforça a importância de um programa federal específico para cooperar com os municípios na etapa anterior ao fundamental. “Ainda falta uma estratégia de educação infantil (creche e pré-escola), seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação”.

Veja os principais trechos da entrevista:

Qual a avaliação dos reflexos da pandemia no ensino brasileiro?

Em uma análise mais ampla dos resultados, percebemos que as taxas de aprovação - a quantidade de alunos que começaram o ciclo e finalizaram - melhoraram em todas as etapas analisadas - 5º, 9º e 3º ano -, o que é uma notícia bastante positiva. Não podemos achar que ter trajetórias adequadas é uma dimensão menor do que a aprendizagem, até porque no Ideb as duas coisas têm o mesmo peso.

Por outro lado, nos indicadores de desempenho, o que vemos é que o desempenho dos alunos foi menor do que o observado em 2019, no período pré-pandemia. Esses estudantes foram muito impactados pela pandemia. No 5º ano, esse aluno estava fora da escola (aulas remotas) no período de alfabetização, no 2º e no 3º ano, por conta da pandemia. Esses dados mostram isso: os impactos da pandemia foram tão grandes que os resultados de aprendizagem são inferiores àqueles pré-pandêmicos, o que liga sinal de alerta porque basicamente perdemos quatro anos na educação por conta da pandemia.

Não termos recuperado o nível pré-pandemia já era esperado ou havia condições de retornar aos patamares de 2019?

O que se esperava com um bom processo de recomposição de aprendizagens era que a gente retomasse esses indicadores. Fazendo um paralelo, no Criança Alfabetizada, a gente conseguiu retomar os níveis pré-pandemia, só que são alunos que foram menos impactados pela pandemia porque eles estavam na pré-escola. Mas com o processo de recomposição de aprendizagens bem feito, a gente deveria ter no mínimo retomado esses indicadores.

E quais os possíveis motivos para não termos alcançado isso?

Há dois grandes impactos. A explicação da pandemia é forte. A outra que é que o governo (Jair) Bolsonaro teve atuação na educação de certo grau de omissão, especialmente na pandemia, não conseguiu apoiar as redes de ensino de forma adequada e coordenar o processo de recomposição de aprendizagens, Do ponto de vista das redes de ensino, o que funciona é uma gestão pedagógica adequada, ter currículo bom, material alinhado ao currículo, formação de professores, avaliações, sistema pedagógico que funcione minimamente. É algo que ainda não acontece em grande parte das redes de ensino brasileiras. Lembrando que há um currículo nacional, a BNCC, desde 2018, que começou a ser implementada nas escolas em 2020. Esses resultados ainda não chegaram, e mostram que ainda existe uma estrada muito grande para avançar, tanto em relação a melhorar a gestão pedagógica que é feita nas escolas, mas também de fortalecimento da profissão docente, na medida que professores são os atores que têm mais impacto nos resultados de aprendizagem dos estudantes.

Ainda há muito trabalho a ser feito, e o Brasil vem avançando. Se amplia o olhar de 2007 (quando o Ideb foi criado) para 2019, o Brasil avançou muito, especialmente nos anos iniciais e nos finais. O que esses dados mostram é que o processo de avanço que havia no pré-pandemia foi estagnado, e as políticas públicas estruturantes que conseguimos avançar nesse período - como o novo Fundeb, a BNCC, o Pé de Meia e a Criança Alfabetizada - são políticas recentes. Ainda não conseguiram trazer os resultados almejados em relação aos indicadores de aprendizagem.

Melhorar cooperação entre Estados e municípios e criar políticas para o ensino fundamental 2 estão entre os desafios para melhorar a qualidade do ensino Foto: Werther Santana/Estadão

Entre os Estados que tiveram menos perdas na pandemia, é possível perceber algum padrão que possa ter favorecido os melhores resultados?

Alguns Estados, na comparação entre 2019 com 2023, conseguiram bons avanços, como o caso do Pará e do Amapá. Tem uma questão em relação ao nível que eles partiram. É muito mais difícil, por exemplo, o Paraná avançar, que já está com resultados muito altos, do que esses lugares que tinham resultados bem piores.

O Amapá, um estado que avançou bastante nos anos finais, ainda é o 4º pior resultado. Esses avanços estão muito relacionados a lugares que tinham muitos desafios e que conseguiram se organizar, fazer processos de gestão pedagógica mais eficientes e melhorar em seus resultados.

Quando olhamos para os anos iniciais, para a gestão dos municípios, os três Estados que mais avançaram em relação à aprendizagem foram Alagoas, Maranhão e Ceará, três do Nordeste, que, em comum, têm apostado muito no regime de colaboração com os municípios: o Estado ajuda os municípios nas políticas educacionais, fornece formação continuada para os municípios, material, avaliações, paga bolsistas para atuarem nas secretarias municipais e há premiação para escolas.

O Ceará é a principal referência nisso, mas outros lugares têm copiado essa estratégia. Alagoas, por exemplo, e o Maranhão têm programas bem robustos, com investimento. Esses Estados começaram os programas antes, então já aparecem resultados. São Paulo criou o seu programa de alfabetização em regime de colaboração no ano passado.

Por outro lado, algumas redes de ensino mais estruturadas, que já apresentavam resultados melhores, retrocederam. Por quê?

São Paulo é um exemplo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul também. Quando se está com resultados melhores, é mais difícil aumentar. Significa que não basta melhorar a aprendizagem dos alunos que já estão bons, precisa principalmente tirar lá de trás alunos que estão com maiores déficits, e esses Estados não conseguiram fazer isso. As políticas que fizeram talvez tenham chegado num teto e está no momento de repensar.

Em relação aos anos iniciais, no Fundamental 1, o Brasil atingiu a meta de 6 pontos no Ideb. É um feito a ser comemorado ou ainda está muito longe do ideal nessa faixa?

Depende da perspectiva. Isso é o resultado da rede total, que inclui rede privada. Se faz o recorte para a rede pública, não atingimos a meta em 2023, porque o Ideb ficou em 5,7 na rede pública e a meta era 5,8. Mas se existe uma etapa em que tem que comemorar é com os anos iniciais, trabalho especialmente dos municípios. De 2007 a 2019, o Brasil dobrou o número de crianças com aprendizagem adequada no 5º ano, tanto em Português quanto em Matemática. Essa é uma coorte que daqui sete anos estará fazendo o Ideb de ensino médio, que chega mais preparada.

Por outro lado, quanto mais se avança nas etapas escolares, piores os resultados. O ensino médio é onde estão concentrados os maiores desafios. Como melhorar nessa etapa?

O ensino médio segue a etapa com os resultados mais preocupantes, em que a gente ficou mais distante da meta, ainda que tenha boas referências como as escolas em tempo integral e as escolas técnicas integradas. Temos a discussão sobre o desenho curricular da etapa. As políticas ainda que estão sendo feitas para o ensino médio não chegaram na escola, o Pé de Meia começou no passado, o “novo novo ensino médio” foi aprovado mês passado. Nesse novo desenho curricular do ensino médio, corrigimos muitos dos problemas que tinham nas escolas e que não estavam dando certo na proposta anterior. Mas preservou a essência da reforma, que é a flexibilização curricular, a integração com a formação profissional e técnica. Temos um desenho curricular melhor.

O governo tem apostado no Pé de Meia e ensino profissionalizante para evoluir no ensino médio, onde há a maior evasão. Esses programas estão sendo bem implementados?

O Pé de Meia é uma política é a política mais cara da história do Ministério da Educação, custa entre R$ 8 e 10 bilhões por ano, um investimento muito alto. Mas é uma política que está de acordo com as evidências, está sendo bem implementada. A questão é que não conseguimos analisar os resultados hoje ainda. O grande ponto no ensino médio, são dois: para caber esse novo ensino médio de forma adequada, precisa aumentar o tempo integral. Esse é um baita desafio; e a a grande incógnita é como que o MEC vai ajudar os Estados a implementarem essas novas mudanças do novo ensino médio, qual será o programa de apoio que vai ser feito. Se o MEC não apoia, há redes que conseguem fazer e outras redes que não conseguem. Esse apoio pode ser dado com orientações, apoio técnico, financiamento de consultores do ministério para atuarem nos Estados, monitoramento para saber se as práticas estão sendo implementadas nas escolas,

E como fica o ensino fundamental II?

Os anos finais têm o desafio “cachorro sem dono”. Isso porque metade fica com os municípios, metade fica com os Estados. Tem um desafio de governança e de transição. Não falamos muito sobre isso, mas a transição dos anos iniciais para os finais do fundamental é muito drástica. Não há políticas para isso. Por que no 5º ano os resultados são melhores? Porque é mais fácil fazer a gestão de uma sala de aula que tem um professor só, do que no 6º ano, quando o aluno passa para oito professores. O (ministro) Camilo Santana até citou isso, sobre a Escola das Adolescências, uma política que está muito embrionária ainda no Ministério de Educação.

E nessa etapa não temos um modelo de onde copiar. Nos anos iniciais já sabemos o que funciona, tem vários casos de sucesso, como o do Ceará, Teresina, de Sobral, já se sabe o que funciona em termos de alfabetização. No médio, já existem as escolas em tempo integral, que já estão se expandindo, e os cursos técnicos.

Mas nos anos finais ainda precisa de um desenho curricular de escola que faça sentido e que ajude a melhorar o seu estado de aprendizagem. São nos anos finais em que começamos a ter grandes problemas, onde os alunos começam a evadir. É uma etapa de transição importante, mas que ainda não tem uma agenda posta.

O Brasil investe no ensino superior um montante per capita semelhante dos países da OCDE, mas só um terço do que a organização investe no ensino básico. A principal lacuna do ensino básico brasileiro é falta de investimento ou outro fator?

Tem uma lógica ainda de subfinanciamento na educação básica, mas está melhorando, a complementação da União ao Fundeb tem aumentado, o salário dos professores tem aumentado. Mas ainda falta, ainda tem desigualdade. O grande desafio do Brasil é de gestão. Descentralizamos recurso para Estados e municípios. Agora precisa que apliquem esse recurso nas práticas mais efetivas.

Quais devem ser as prioridades do governo a partir de agora, tanto para as ações do MEC quanto para as metas a serem traçadas daqui em diante?

O MEC lançou quatro grandes política: o compromisso Criança Alfabetizada, o Pé de Meia, a estratégia de Escolas Conectadas, e o programa de tempo integral. Ainda falta uma estratégia de educação infantil, o MEC ainda não tem um programa próprio para ajudar os municípios na educação infantil, seja na dimensão de acesso, de qualidade ou de avaliação.

Outra lacuna muito importante, que o MEC tem avançado, é a questão da formação inicial de professores (a fração de aulas a distância nas licenciaturas foi restrita a, no máximo, 50%). No Brasil, você tem 70% dos concluintes em cursos de EAD (ensino a distância). É uma prioridade que o Ministério da Educação precisa colocar muita atenção, porque isso é muito central para a gente avançar nos resultados, porque quando você olha o que os outros países fizeram para avançar com escala e consistência, sustentado ao longo do tempo, foi muito foco nisso.

Entrevista por Isabela Moya

Repórter de Educação no Estadão, já escreveu também sobre Saúde na Agência Estado. Formada em Jornalismo pela UFSC, pós-graduanda em Política e Relações Internacionais pela FESP-SP e especializada em Jornalismo Econômico pela FGV.

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