Desde o dia um do Ministério da Educação formado por Jair Bolsonaro se fala em transformar o modo como as crianças aprendem a ler e a escrever no País. Se tem algo que não mudou na pasta caótica, que já teve três ministros e dezenas de cargos trocados várias vezes, é a perseguição ao que chamam de “um método comunista de alfabetização”.
O maior defensor da ideia, Carlos Nadalim, sobreviveu a todas as balbúrdias e continua firme no cargo criado para ele de secretário de alfabetização. Nadalim é dono de uma escolinha em Londrina, a Balão Mágico, e fazia vídeos no YouTube antes de ser levado ao MEC pela turma do ex-ministro Ricardo Velez. Ele defendia o homeschooling e dava dicas de como os pais devem ensinar seus filhos a ler — e ainda era amigo de Olavo de Carvalho.
Durante mais de dois anos, Nadalim vem batendo na mesma tecla para todos os chefes que passaram pelo ministério. Agora, um grupo de especialistas de uma só vertente, escolhidos pelo governo, publica um relatório em que pede mudanças. Novamente há a defesa de que só o chamado método fônico, em que as crianças reconhecem as letras pelos sons, funciona. E ainda pedem mudanças da Base Nacional Comum Curricular, longamente discutida em 2017, por causa disso.
Sim, há um problema de alfabetização no País. Sim, metade das crianças de 8 anos não sabe ler. Mas impor um método de ensinar não vai nem de longe resolver a questão. As crianças não se alfabetizam no Brasil porque os professores não aprendem nas faculdades como ensiná-las. E porque, depois de já empregados nas redes de ensino, os governos não investem nesses educadores.
Em 2019 conheci as cidades com os melhores resultados de alfabetização do País e ao questionar os professores sobre método fônico ou construtivista (aquele que acham que é comunista), eles sequer sabiam do que eu estava falando. As educadoras em cidades como Granja, no Ceará, recebem aulas e cursos constantemente de outras professoras mais experientes, e são obcecadas em fazer as crianças aprenderem. Quem tem dificuldade é acompanhado de perto, o lema é não deixar ninguém para trás. Para isso, elas misturam todas as formas de alfabetizar. Pedem para as crianças pronunciarem os sons das letras (método fônico), mas também inserem fortemente a leitura no mundo delas e em sua realidade (ligação com o construtivismo).
A própria BNCC, apesar de criticar antigas cartilhas e treinamento de letras, fala que é preciso que “os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura” e que consigam “codificar e decodificar”. Não há prevalência de método no documento que hoje estabelece as diretrizes da educação no País. Mas há, sim, paciência com o tempo de aprendizagem. Ele deixa claro que a alfabetização é um processo contínuo, que pode terminar nos primeiros anos do ensino fundamental.
Enfim, a briga por uma nova alfabetização entra naquele rol nefasto de guerras ideológicas travadas pelo MEC atual. Em vez de gastar tanta energia com miudezas, o governo deveria se chocar com o relatório do Banco Mundial, por exemplo, que diz que 70% das crianças podem não aprender a ler adequadamente no País porque estão fora da escola em virtude da pandemia. Bolsonaro e a turma que ele escolheu para o Ministério da Educação deveriam estar preocupados em ajudar Estados e municípios a fazer um retorno presencial com segurança e construir estratégias para que essas crianças possam, de fato, aprender depois de mais de um ano de escolas fechadas.