Investir em educação integral reduz homicídios em até 50%, diz estudo


Pesquisa analisou política referência em Pernambuco; no Brasil, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola

Por Renata Cafardo

Investir em escolas em tempo integral reduz as taxas de homicídio de jovens homens em até 50%, segundo estudo recente de pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. A pesquisa analisou 16 anos de uma política referência, no Estado de Pernambuco, que aumentou o tempo de aula para 10 horas e apostou em um currículo centrado no projeto de vida e no protagonismo do estudante. No Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola.

Outros estudos já haviam mostrado a melhora na aprendizagem dos alunos em escolas de tempo integral, maiores salários para os formados, mais empregabilidade das meninas e redução da desigualdade. Para os especialistas, a queda na taxa de homicídios se dá não só porque o tempo maior na escola afasta o jovem de situações arriscadas – como o envolvimento no tráfico de drogas e outros crimes.

A qualidade da educação, com professores dedicados também em tempo integral e currículo diferenciado, influencia muito. “Não são apenas mais horas, é uma escola centrada no jovem, que faz ele entender a vida de uma maneira diferente”, diz o diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad.

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Escola Ageu Magalhães, no Recife, tem bons resultados graças à rotina diferenciada de aulas no período integral Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

O pernambucano Vitor Arruda, hoje com 29 anos, vinha de uma família de agricultores analfabetos quando se deparou com a possibilidade de cursar uma das primeiras escolas em tempo integral do Estado, em Gravatá, a 70 quilômetros do Recife. Ele tinha 15 anos e dúvidas sobre se não seria melhor vender frutas para ajudar a mãe, mas acabou escolhendo os estudos. “Eu não tinha a menor ideia do que era uma graduação, se precisava ou não fazer um vestibular, não tinha esse repertório”, conta Arruda, que depois passou em primeiro lugar na seleção de uma universidade federal e cursou Pedagogia, Comunicação, Letras e Matemática. 

Na escola, ele diz que foi instigado a refletir “sobre seus sonhos e sua existência”. Além das disciplinas obrigatórias, envolveu-se nos chamados clubes de protagonismo, peças de teatro e na gestão. Os alunos ajudavam a resolver problemas como carteiras quebradas e alagamento de salas. “Muitos colegas que tive na infância se envolveram com criminalidade, foram mortos. Não é romantizar, sei das dificuldades do sistema de ensino, mas a mudança foi imensa para mim.”

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Pernambuco tem hoje 70% das vagas de ensino médio em tempo integral, o índice mais alto do País e considerado como máximo, já que se prevê deixar unidades com um turno só, como opção. O Estado começou a investir em 2004 e hoje todos os municípios têm uma escola integral. Para o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, um dos desafios é formar o professor para saber ensinar de uma maneira nova. “Os jovens, principalmente os mais vulneráveis, precisam de aprendizagens significativas para demandas do mundo contemporâneo.”

Nesse período, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Pernambuco, o indicador nacional de qualidade, aumentou, com destaque para o desempenho das escolas em tempo integral. No Ideb de 2019, o mais recente, as unidades que mudaram para período integral aumentaram em 21% sua nota, enquanto o restante cresceu 7%. Outros Estados, como Ceará e Paraíba, passaram também a investir no modelo e tiveram resultados semelhantes. 

O pesquisador do Insper e um dos responsáveis pelo estudo Leonardo Rosa, que tem doutorado pela Universidade de Stanford sobre o assunto, explica que a análise usou dados de 2002 a 2018 em duas abordagens. Uma delas incluiu os municípios de Pernambuco que tinham escola em tempo integral versus os que não tinham. O segundo grupo era de cidades da fronteira com esse modelo comparadas às suas vizinhas de outro Estado, que não têm. No primeiro, a diminuição das taxas de homicídios de homens de 15 a 19 anos foi de 37,6%. No segundo, de 50,8%. As meninas não foram analisadas. Rosa isolou efeitos de outros programas sociais para mostrar somente a influência da escola.

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Pernambuco tinha uma das taxas de homicídios dessa população mais altas do País no início dos anos 2000. “A cena da violência é muito masculina.  O traficante oferece essa trajetória para o menino de sonho curto e muito sedutor, ele se vê respeitado por algumas mulheres, batendo de frente com o sistema”, explica o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) Bruno Paes Manso. “Nosso desafio é ganhar a retórica. Seduzir pela escola, pela arte, pela cultura, pelo esporte.”

Alunos da Escola Ageu Magalhãesdurante atividade em período integral; tempo maior de aula reduz taxa de homicídios Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

Atualmente, 24% das escolas de ensino médio do País são em tempo integral. A política começou a ser incentivada nacionalmente em 2016, quando o Ministério da Educação (MEC) abriu editais para os Estados se inscreverem com escolas que pretendiam mudar de modelo. O governo federal dava ajuda financeira por um período de 10 anos. No entanto, nos últimos dois anos, o governo de Jair Bolsonaro parou de abrir novos editais.

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“Quem segurou o tempo integral nos últimos anos foi o terceiro setor, que faz formação de professores, tem consultores”, diz a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli. O Estado aumentou, entre 2019 e 2022, o total de escolas em tempo integral de 96 para 240, com pouca ajuda do MEC. Segundo ela, os professores ganham R$ 2.500 a mais para ficar oito horas nessas escolas. “Precisamos segurar o bom professor lá.” 

Além disso, triplica o valor da merenda e é preciso pagar mais pelo transporte. Fátima defende que o ensino em tempo integral comece antes, para segurar a criança na escola. “O menino que vem desde o 8º ano no integral já é mais autônomo, tem o sonho de ir para uma universidade pública. Muitos que têm a oportunidade só no ensino médio não aceitam porque acham que trabalhar é mais importante.”

Os currículos das escolas em tempo integral são pensados para se conectar com a realidade do estudante e desenvolver competências acadêmicas e socioemocionais. Há projetos de orientação de estudos, tutorias, clubes de protagonismo de várias áreas, práticas de laboratório. Maria Clara Araújo, de 17 anos, que fica 10 horas em uma escola estadual do Recife, diz que alguns amigos a questionam sobre o tempo, que consideram extenso. “Não é só ficar sentada na sala de aula, é muito dinâmico, com laboratórios, disciplinas eletivas, núcleo de gênero. Não troco minha rotina por nada”, diz a menina, que estudava antes em uma escola particular.  

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Segundo Saad, apesar de mais gastos com estrutura, merenda e funcionários com carga horária maior, a eficiência depois acaba compensando, com menos evasão, por exemplo. “Se Estados como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Sergipe, que não são os mais ricos, conseguem fazer é porque é viável financeiramente”, afirma. A entidade apoia mais de 20 Estados nessa política. “Escola de ensino médio integral é uma das políticas públicas com mais evidência científica de melhoria de qualidade e impacto na melhoria de vida. O que falta é vontade política.”

Modelo de ensino é ampliado em SP e chega a 464 municípios

São Paulo passou a investir recentemente mais em escolas estaduais em tempo integral, com rápido crescimento. Em 2018, havia 364, em 140 cidades, hoje são 2.050, em 464. Isso equivale a 40% das unidades de ensino fundamental 2 (6.º ao 9.º ano) e das de ensino médio neste modelo. A maioria dos investimentos para a expansão vem do próprio Estado, sem ajuda do Ministério da Educação (MEC). 

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O plano, anunciado com pompa pelo então governador João Doria, prevê chegar a 3 mil escolas em 2023, e é também um dos trunfos para a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB). O Programa de Ensino Integral (PEI) tem escolas de 7 e de 9 horas de funcionamento, com pagamento de R$ 2 mil a mais para os professores, que devem ter dedicação exclusiva, e currículos com práticas experimentais, projeto de vida e tutoria. As escolas decidem se aderem ou não ao programa. 

O Estado passou a incentivar a política nos anos em que Rossieli Soares se tornou secretário (2019 a 2022). Ele também estava no MEC em 2016, quando o governo federal criou o programa nacional de escola em tempo integral. Rossieli agora é pré-candidato a deputado federal pelo PSDB e tem defendido essa bandeira em sua pré-campanha.

O Sindicato dos Professores do Estado (Apeoesp), no entanto, critica a política em São Paulo, alegando que falta estrutura para colocar o programa em prática.

Em nota, a Apeoesp disse que o projeto é “eleitoreiro, implementando de forma autoritária, sem diálogo, sem respeitar a vontade da comunidade” e que ao se tornar integral a escola “está de fato expulsando os estudantes que trabalham ou que realizam outros cursos e atividades (...) e também aqueles que simplesmente não desejam estudar em escola PEI”. O governo informou que a mudança ocorre depois de “consulta democrática com participação de toda comunidade escolar”. A presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha também é pré-candidata a deputada estadual pelo PT.

Apesar da política ser nova, as taxas de homicídio em São Paulo caíram muito nas últimas décadas e hoje são as menores do País. Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, além da ação do Estado, houve uma profissionalização do mercado de drogas, que ficou mais lucrativo e menos conflituoso. Mas também acabou levando mais violência para outros Estados, principalmente do Nordeste, com a guerra e a matança entre os grupos.

Investir em escolas em tempo integral reduz as taxas de homicídio de jovens homens em até 50%, segundo estudo recente de pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. A pesquisa analisou 16 anos de uma política referência, no Estado de Pernambuco, que aumentou o tempo de aula para 10 horas e apostou em um currículo centrado no projeto de vida e no protagonismo do estudante. No Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola.

Outros estudos já haviam mostrado a melhora na aprendizagem dos alunos em escolas de tempo integral, maiores salários para os formados, mais empregabilidade das meninas e redução da desigualdade. Para os especialistas, a queda na taxa de homicídios se dá não só porque o tempo maior na escola afasta o jovem de situações arriscadas – como o envolvimento no tráfico de drogas e outros crimes.

A qualidade da educação, com professores dedicados também em tempo integral e currículo diferenciado, influencia muito. “Não são apenas mais horas, é uma escola centrada no jovem, que faz ele entender a vida de uma maneira diferente”, diz o diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad.

Escola Ageu Magalhães, no Recife, tem bons resultados graças à rotina diferenciada de aulas no período integral Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

O pernambucano Vitor Arruda, hoje com 29 anos, vinha de uma família de agricultores analfabetos quando se deparou com a possibilidade de cursar uma das primeiras escolas em tempo integral do Estado, em Gravatá, a 70 quilômetros do Recife. Ele tinha 15 anos e dúvidas sobre se não seria melhor vender frutas para ajudar a mãe, mas acabou escolhendo os estudos. “Eu não tinha a menor ideia do que era uma graduação, se precisava ou não fazer um vestibular, não tinha esse repertório”, conta Arruda, que depois passou em primeiro lugar na seleção de uma universidade federal e cursou Pedagogia, Comunicação, Letras e Matemática. 

Na escola, ele diz que foi instigado a refletir “sobre seus sonhos e sua existência”. Além das disciplinas obrigatórias, envolveu-se nos chamados clubes de protagonismo, peças de teatro e na gestão. Os alunos ajudavam a resolver problemas como carteiras quebradas e alagamento de salas. “Muitos colegas que tive na infância se envolveram com criminalidade, foram mortos. Não é romantizar, sei das dificuldades do sistema de ensino, mas a mudança foi imensa para mim.”

Pernambuco tem hoje 70% das vagas de ensino médio em tempo integral, o índice mais alto do País e considerado como máximo, já que se prevê deixar unidades com um turno só, como opção. O Estado começou a investir em 2004 e hoje todos os municípios têm uma escola integral. Para o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, um dos desafios é formar o professor para saber ensinar de uma maneira nova. “Os jovens, principalmente os mais vulneráveis, precisam de aprendizagens significativas para demandas do mundo contemporâneo.”

Nesse período, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Pernambuco, o indicador nacional de qualidade, aumentou, com destaque para o desempenho das escolas em tempo integral. No Ideb de 2019, o mais recente, as unidades que mudaram para período integral aumentaram em 21% sua nota, enquanto o restante cresceu 7%. Outros Estados, como Ceará e Paraíba, passaram também a investir no modelo e tiveram resultados semelhantes. 

O pesquisador do Insper e um dos responsáveis pelo estudo Leonardo Rosa, que tem doutorado pela Universidade de Stanford sobre o assunto, explica que a análise usou dados de 2002 a 2018 em duas abordagens. Uma delas incluiu os municípios de Pernambuco que tinham escola em tempo integral versus os que não tinham. O segundo grupo era de cidades da fronteira com esse modelo comparadas às suas vizinhas de outro Estado, que não têm. No primeiro, a diminuição das taxas de homicídios de homens de 15 a 19 anos foi de 37,6%. No segundo, de 50,8%. As meninas não foram analisadas. Rosa isolou efeitos de outros programas sociais para mostrar somente a influência da escola.

Pernambuco tinha uma das taxas de homicídios dessa população mais altas do País no início dos anos 2000. “A cena da violência é muito masculina.  O traficante oferece essa trajetória para o menino de sonho curto e muito sedutor, ele se vê respeitado por algumas mulheres, batendo de frente com o sistema”, explica o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) Bruno Paes Manso. “Nosso desafio é ganhar a retórica. Seduzir pela escola, pela arte, pela cultura, pelo esporte.”

Alunos da Escola Ageu Magalhãesdurante atividade em período integral; tempo maior de aula reduz taxa de homicídios Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

Atualmente, 24% das escolas de ensino médio do País são em tempo integral. A política começou a ser incentivada nacionalmente em 2016, quando o Ministério da Educação (MEC) abriu editais para os Estados se inscreverem com escolas que pretendiam mudar de modelo. O governo federal dava ajuda financeira por um período de 10 anos. No entanto, nos últimos dois anos, o governo de Jair Bolsonaro parou de abrir novos editais.

“Quem segurou o tempo integral nos últimos anos foi o terceiro setor, que faz formação de professores, tem consultores”, diz a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli. O Estado aumentou, entre 2019 e 2022, o total de escolas em tempo integral de 96 para 240, com pouca ajuda do MEC. Segundo ela, os professores ganham R$ 2.500 a mais para ficar oito horas nessas escolas. “Precisamos segurar o bom professor lá.” 

Além disso, triplica o valor da merenda e é preciso pagar mais pelo transporte. Fátima defende que o ensino em tempo integral comece antes, para segurar a criança na escola. “O menino que vem desde o 8º ano no integral já é mais autônomo, tem o sonho de ir para uma universidade pública. Muitos que têm a oportunidade só no ensino médio não aceitam porque acham que trabalhar é mais importante.”

Os currículos das escolas em tempo integral são pensados para se conectar com a realidade do estudante e desenvolver competências acadêmicas e socioemocionais. Há projetos de orientação de estudos, tutorias, clubes de protagonismo de várias áreas, práticas de laboratório. Maria Clara Araújo, de 17 anos, que fica 10 horas em uma escola estadual do Recife, diz que alguns amigos a questionam sobre o tempo, que consideram extenso. “Não é só ficar sentada na sala de aula, é muito dinâmico, com laboratórios, disciplinas eletivas, núcleo de gênero. Não troco minha rotina por nada”, diz a menina, que estudava antes em uma escola particular.  

Segundo Saad, apesar de mais gastos com estrutura, merenda e funcionários com carga horária maior, a eficiência depois acaba compensando, com menos evasão, por exemplo. “Se Estados como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Sergipe, que não são os mais ricos, conseguem fazer é porque é viável financeiramente”, afirma. A entidade apoia mais de 20 Estados nessa política. “Escola de ensino médio integral é uma das políticas públicas com mais evidência científica de melhoria de qualidade e impacto na melhoria de vida. O que falta é vontade política.”

Modelo de ensino é ampliado em SP e chega a 464 municípios

São Paulo passou a investir recentemente mais em escolas estaduais em tempo integral, com rápido crescimento. Em 2018, havia 364, em 140 cidades, hoje são 2.050, em 464. Isso equivale a 40% das unidades de ensino fundamental 2 (6.º ao 9.º ano) e das de ensino médio neste modelo. A maioria dos investimentos para a expansão vem do próprio Estado, sem ajuda do Ministério da Educação (MEC). 

O plano, anunciado com pompa pelo então governador João Doria, prevê chegar a 3 mil escolas em 2023, e é também um dos trunfos para a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB). O Programa de Ensino Integral (PEI) tem escolas de 7 e de 9 horas de funcionamento, com pagamento de R$ 2 mil a mais para os professores, que devem ter dedicação exclusiva, e currículos com práticas experimentais, projeto de vida e tutoria. As escolas decidem se aderem ou não ao programa. 

O Estado passou a incentivar a política nos anos em que Rossieli Soares se tornou secretário (2019 a 2022). Ele também estava no MEC em 2016, quando o governo federal criou o programa nacional de escola em tempo integral. Rossieli agora é pré-candidato a deputado federal pelo PSDB e tem defendido essa bandeira em sua pré-campanha.

O Sindicato dos Professores do Estado (Apeoesp), no entanto, critica a política em São Paulo, alegando que falta estrutura para colocar o programa em prática.

Em nota, a Apeoesp disse que o projeto é “eleitoreiro, implementando de forma autoritária, sem diálogo, sem respeitar a vontade da comunidade” e que ao se tornar integral a escola “está de fato expulsando os estudantes que trabalham ou que realizam outros cursos e atividades (...) e também aqueles que simplesmente não desejam estudar em escola PEI”. O governo informou que a mudança ocorre depois de “consulta democrática com participação de toda comunidade escolar”. A presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha também é pré-candidata a deputada estadual pelo PT.

Apesar da política ser nova, as taxas de homicídio em São Paulo caíram muito nas últimas décadas e hoje são as menores do País. Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, além da ação do Estado, houve uma profissionalização do mercado de drogas, que ficou mais lucrativo e menos conflituoso. Mas também acabou levando mais violência para outros Estados, principalmente do Nordeste, com a guerra e a matança entre os grupos.

Investir em escolas em tempo integral reduz as taxas de homicídio de jovens homens em até 50%, segundo estudo recente de pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. A pesquisa analisou 16 anos de uma política referência, no Estado de Pernambuco, que aumentou o tempo de aula para 10 horas e apostou em um currículo centrado no projeto de vida e no protagonismo do estudante. No Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola.

Outros estudos já haviam mostrado a melhora na aprendizagem dos alunos em escolas de tempo integral, maiores salários para os formados, mais empregabilidade das meninas e redução da desigualdade. Para os especialistas, a queda na taxa de homicídios se dá não só porque o tempo maior na escola afasta o jovem de situações arriscadas – como o envolvimento no tráfico de drogas e outros crimes.

A qualidade da educação, com professores dedicados também em tempo integral e currículo diferenciado, influencia muito. “Não são apenas mais horas, é uma escola centrada no jovem, que faz ele entender a vida de uma maneira diferente”, diz o diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad.

Escola Ageu Magalhães, no Recife, tem bons resultados graças à rotina diferenciada de aulas no período integral Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

O pernambucano Vitor Arruda, hoje com 29 anos, vinha de uma família de agricultores analfabetos quando se deparou com a possibilidade de cursar uma das primeiras escolas em tempo integral do Estado, em Gravatá, a 70 quilômetros do Recife. Ele tinha 15 anos e dúvidas sobre se não seria melhor vender frutas para ajudar a mãe, mas acabou escolhendo os estudos. “Eu não tinha a menor ideia do que era uma graduação, se precisava ou não fazer um vestibular, não tinha esse repertório”, conta Arruda, que depois passou em primeiro lugar na seleção de uma universidade federal e cursou Pedagogia, Comunicação, Letras e Matemática. 

Na escola, ele diz que foi instigado a refletir “sobre seus sonhos e sua existência”. Além das disciplinas obrigatórias, envolveu-se nos chamados clubes de protagonismo, peças de teatro e na gestão. Os alunos ajudavam a resolver problemas como carteiras quebradas e alagamento de salas. “Muitos colegas que tive na infância se envolveram com criminalidade, foram mortos. Não é romantizar, sei das dificuldades do sistema de ensino, mas a mudança foi imensa para mim.”

Pernambuco tem hoje 70% das vagas de ensino médio em tempo integral, o índice mais alto do País e considerado como máximo, já que se prevê deixar unidades com um turno só, como opção. O Estado começou a investir em 2004 e hoje todos os municípios têm uma escola integral. Para o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, um dos desafios é formar o professor para saber ensinar de uma maneira nova. “Os jovens, principalmente os mais vulneráveis, precisam de aprendizagens significativas para demandas do mundo contemporâneo.”

Nesse período, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Pernambuco, o indicador nacional de qualidade, aumentou, com destaque para o desempenho das escolas em tempo integral. No Ideb de 2019, o mais recente, as unidades que mudaram para período integral aumentaram em 21% sua nota, enquanto o restante cresceu 7%. Outros Estados, como Ceará e Paraíba, passaram também a investir no modelo e tiveram resultados semelhantes. 

O pesquisador do Insper e um dos responsáveis pelo estudo Leonardo Rosa, que tem doutorado pela Universidade de Stanford sobre o assunto, explica que a análise usou dados de 2002 a 2018 em duas abordagens. Uma delas incluiu os municípios de Pernambuco que tinham escola em tempo integral versus os que não tinham. O segundo grupo era de cidades da fronteira com esse modelo comparadas às suas vizinhas de outro Estado, que não têm. No primeiro, a diminuição das taxas de homicídios de homens de 15 a 19 anos foi de 37,6%. No segundo, de 50,8%. As meninas não foram analisadas. Rosa isolou efeitos de outros programas sociais para mostrar somente a influência da escola.

Pernambuco tinha uma das taxas de homicídios dessa população mais altas do País no início dos anos 2000. “A cena da violência é muito masculina.  O traficante oferece essa trajetória para o menino de sonho curto e muito sedutor, ele se vê respeitado por algumas mulheres, batendo de frente com o sistema”, explica o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) Bruno Paes Manso. “Nosso desafio é ganhar a retórica. Seduzir pela escola, pela arte, pela cultura, pelo esporte.”

Alunos da Escola Ageu Magalhãesdurante atividade em período integral; tempo maior de aula reduz taxa de homicídios Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

Atualmente, 24% das escolas de ensino médio do País são em tempo integral. A política começou a ser incentivada nacionalmente em 2016, quando o Ministério da Educação (MEC) abriu editais para os Estados se inscreverem com escolas que pretendiam mudar de modelo. O governo federal dava ajuda financeira por um período de 10 anos. No entanto, nos últimos dois anos, o governo de Jair Bolsonaro parou de abrir novos editais.

“Quem segurou o tempo integral nos últimos anos foi o terceiro setor, que faz formação de professores, tem consultores”, diz a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli. O Estado aumentou, entre 2019 e 2022, o total de escolas em tempo integral de 96 para 240, com pouca ajuda do MEC. Segundo ela, os professores ganham R$ 2.500 a mais para ficar oito horas nessas escolas. “Precisamos segurar o bom professor lá.” 

Além disso, triplica o valor da merenda e é preciso pagar mais pelo transporte. Fátima defende que o ensino em tempo integral comece antes, para segurar a criança na escola. “O menino que vem desde o 8º ano no integral já é mais autônomo, tem o sonho de ir para uma universidade pública. Muitos que têm a oportunidade só no ensino médio não aceitam porque acham que trabalhar é mais importante.”

Os currículos das escolas em tempo integral são pensados para se conectar com a realidade do estudante e desenvolver competências acadêmicas e socioemocionais. Há projetos de orientação de estudos, tutorias, clubes de protagonismo de várias áreas, práticas de laboratório. Maria Clara Araújo, de 17 anos, que fica 10 horas em uma escola estadual do Recife, diz que alguns amigos a questionam sobre o tempo, que consideram extenso. “Não é só ficar sentada na sala de aula, é muito dinâmico, com laboratórios, disciplinas eletivas, núcleo de gênero. Não troco minha rotina por nada”, diz a menina, que estudava antes em uma escola particular.  

Segundo Saad, apesar de mais gastos com estrutura, merenda e funcionários com carga horária maior, a eficiência depois acaba compensando, com menos evasão, por exemplo. “Se Estados como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Sergipe, que não são os mais ricos, conseguem fazer é porque é viável financeiramente”, afirma. A entidade apoia mais de 20 Estados nessa política. “Escola de ensino médio integral é uma das políticas públicas com mais evidência científica de melhoria de qualidade e impacto na melhoria de vida. O que falta é vontade política.”

Modelo de ensino é ampliado em SP e chega a 464 municípios

São Paulo passou a investir recentemente mais em escolas estaduais em tempo integral, com rápido crescimento. Em 2018, havia 364, em 140 cidades, hoje são 2.050, em 464. Isso equivale a 40% das unidades de ensino fundamental 2 (6.º ao 9.º ano) e das de ensino médio neste modelo. A maioria dos investimentos para a expansão vem do próprio Estado, sem ajuda do Ministério da Educação (MEC). 

O plano, anunciado com pompa pelo então governador João Doria, prevê chegar a 3 mil escolas em 2023, e é também um dos trunfos para a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB). O Programa de Ensino Integral (PEI) tem escolas de 7 e de 9 horas de funcionamento, com pagamento de R$ 2 mil a mais para os professores, que devem ter dedicação exclusiva, e currículos com práticas experimentais, projeto de vida e tutoria. As escolas decidem se aderem ou não ao programa. 

O Estado passou a incentivar a política nos anos em que Rossieli Soares se tornou secretário (2019 a 2022). Ele também estava no MEC em 2016, quando o governo federal criou o programa nacional de escola em tempo integral. Rossieli agora é pré-candidato a deputado federal pelo PSDB e tem defendido essa bandeira em sua pré-campanha.

O Sindicato dos Professores do Estado (Apeoesp), no entanto, critica a política em São Paulo, alegando que falta estrutura para colocar o programa em prática.

Em nota, a Apeoesp disse que o projeto é “eleitoreiro, implementando de forma autoritária, sem diálogo, sem respeitar a vontade da comunidade” e que ao se tornar integral a escola “está de fato expulsando os estudantes que trabalham ou que realizam outros cursos e atividades (...) e também aqueles que simplesmente não desejam estudar em escola PEI”. O governo informou que a mudança ocorre depois de “consulta democrática com participação de toda comunidade escolar”. A presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha também é pré-candidata a deputada estadual pelo PT.

Apesar da política ser nova, as taxas de homicídio em São Paulo caíram muito nas últimas décadas e hoje são as menores do País. Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, além da ação do Estado, houve uma profissionalização do mercado de drogas, que ficou mais lucrativo e menos conflituoso. Mas também acabou levando mais violência para outros Estados, principalmente do Nordeste, com a guerra e a matança entre os grupos.

Investir em escolas em tempo integral reduz as taxas de homicídio de jovens homens em até 50%, segundo estudo recente de pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. A pesquisa analisou 16 anos de uma política referência, no Estado de Pernambuco, que aumentou o tempo de aula para 10 horas e apostou em um currículo centrado no projeto de vida e no protagonismo do estudante. No Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola.

Outros estudos já haviam mostrado a melhora na aprendizagem dos alunos em escolas de tempo integral, maiores salários para os formados, mais empregabilidade das meninas e redução da desigualdade. Para os especialistas, a queda na taxa de homicídios se dá não só porque o tempo maior na escola afasta o jovem de situações arriscadas – como o envolvimento no tráfico de drogas e outros crimes.

A qualidade da educação, com professores dedicados também em tempo integral e currículo diferenciado, influencia muito. “Não são apenas mais horas, é uma escola centrada no jovem, que faz ele entender a vida de uma maneira diferente”, diz o diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad.

Escola Ageu Magalhães, no Recife, tem bons resultados graças à rotina diferenciada de aulas no período integral Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

O pernambucano Vitor Arruda, hoje com 29 anos, vinha de uma família de agricultores analfabetos quando se deparou com a possibilidade de cursar uma das primeiras escolas em tempo integral do Estado, em Gravatá, a 70 quilômetros do Recife. Ele tinha 15 anos e dúvidas sobre se não seria melhor vender frutas para ajudar a mãe, mas acabou escolhendo os estudos. “Eu não tinha a menor ideia do que era uma graduação, se precisava ou não fazer um vestibular, não tinha esse repertório”, conta Arruda, que depois passou em primeiro lugar na seleção de uma universidade federal e cursou Pedagogia, Comunicação, Letras e Matemática. 

Na escola, ele diz que foi instigado a refletir “sobre seus sonhos e sua existência”. Além das disciplinas obrigatórias, envolveu-se nos chamados clubes de protagonismo, peças de teatro e na gestão. Os alunos ajudavam a resolver problemas como carteiras quebradas e alagamento de salas. “Muitos colegas que tive na infância se envolveram com criminalidade, foram mortos. Não é romantizar, sei das dificuldades do sistema de ensino, mas a mudança foi imensa para mim.”

Pernambuco tem hoje 70% das vagas de ensino médio em tempo integral, o índice mais alto do País e considerado como máximo, já que se prevê deixar unidades com um turno só, como opção. O Estado começou a investir em 2004 e hoje todos os municípios têm uma escola integral. Para o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, um dos desafios é formar o professor para saber ensinar de uma maneira nova. “Os jovens, principalmente os mais vulneráveis, precisam de aprendizagens significativas para demandas do mundo contemporâneo.”

Nesse período, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Pernambuco, o indicador nacional de qualidade, aumentou, com destaque para o desempenho das escolas em tempo integral. No Ideb de 2019, o mais recente, as unidades que mudaram para período integral aumentaram em 21% sua nota, enquanto o restante cresceu 7%. Outros Estados, como Ceará e Paraíba, passaram também a investir no modelo e tiveram resultados semelhantes. 

O pesquisador do Insper e um dos responsáveis pelo estudo Leonardo Rosa, que tem doutorado pela Universidade de Stanford sobre o assunto, explica que a análise usou dados de 2002 a 2018 em duas abordagens. Uma delas incluiu os municípios de Pernambuco que tinham escola em tempo integral versus os que não tinham. O segundo grupo era de cidades da fronteira com esse modelo comparadas às suas vizinhas de outro Estado, que não têm. No primeiro, a diminuição das taxas de homicídios de homens de 15 a 19 anos foi de 37,6%. No segundo, de 50,8%. As meninas não foram analisadas. Rosa isolou efeitos de outros programas sociais para mostrar somente a influência da escola.

Pernambuco tinha uma das taxas de homicídios dessa população mais altas do País no início dos anos 2000. “A cena da violência é muito masculina.  O traficante oferece essa trajetória para o menino de sonho curto e muito sedutor, ele se vê respeitado por algumas mulheres, batendo de frente com o sistema”, explica o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) Bruno Paes Manso. “Nosso desafio é ganhar a retórica. Seduzir pela escola, pela arte, pela cultura, pelo esporte.”

Alunos da Escola Ageu Magalhãesdurante atividade em período integral; tempo maior de aula reduz taxa de homicídios Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

Atualmente, 24% das escolas de ensino médio do País são em tempo integral. A política começou a ser incentivada nacionalmente em 2016, quando o Ministério da Educação (MEC) abriu editais para os Estados se inscreverem com escolas que pretendiam mudar de modelo. O governo federal dava ajuda financeira por um período de 10 anos. No entanto, nos últimos dois anos, o governo de Jair Bolsonaro parou de abrir novos editais.

“Quem segurou o tempo integral nos últimos anos foi o terceiro setor, que faz formação de professores, tem consultores”, diz a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli. O Estado aumentou, entre 2019 e 2022, o total de escolas em tempo integral de 96 para 240, com pouca ajuda do MEC. Segundo ela, os professores ganham R$ 2.500 a mais para ficar oito horas nessas escolas. “Precisamos segurar o bom professor lá.” 

Além disso, triplica o valor da merenda e é preciso pagar mais pelo transporte. Fátima defende que o ensino em tempo integral comece antes, para segurar a criança na escola. “O menino que vem desde o 8º ano no integral já é mais autônomo, tem o sonho de ir para uma universidade pública. Muitos que têm a oportunidade só no ensino médio não aceitam porque acham que trabalhar é mais importante.”

Os currículos das escolas em tempo integral são pensados para se conectar com a realidade do estudante e desenvolver competências acadêmicas e socioemocionais. Há projetos de orientação de estudos, tutorias, clubes de protagonismo de várias áreas, práticas de laboratório. Maria Clara Araújo, de 17 anos, que fica 10 horas em uma escola estadual do Recife, diz que alguns amigos a questionam sobre o tempo, que consideram extenso. “Não é só ficar sentada na sala de aula, é muito dinâmico, com laboratórios, disciplinas eletivas, núcleo de gênero. Não troco minha rotina por nada”, diz a menina, que estudava antes em uma escola particular.  

Segundo Saad, apesar de mais gastos com estrutura, merenda e funcionários com carga horária maior, a eficiência depois acaba compensando, com menos evasão, por exemplo. “Se Estados como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Sergipe, que não são os mais ricos, conseguem fazer é porque é viável financeiramente”, afirma. A entidade apoia mais de 20 Estados nessa política. “Escola de ensino médio integral é uma das políticas públicas com mais evidência científica de melhoria de qualidade e impacto na melhoria de vida. O que falta é vontade política.”

Modelo de ensino é ampliado em SP e chega a 464 municípios

São Paulo passou a investir recentemente mais em escolas estaduais em tempo integral, com rápido crescimento. Em 2018, havia 364, em 140 cidades, hoje são 2.050, em 464. Isso equivale a 40% das unidades de ensino fundamental 2 (6.º ao 9.º ano) e das de ensino médio neste modelo. A maioria dos investimentos para a expansão vem do próprio Estado, sem ajuda do Ministério da Educação (MEC). 

O plano, anunciado com pompa pelo então governador João Doria, prevê chegar a 3 mil escolas em 2023, e é também um dos trunfos para a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB). O Programa de Ensino Integral (PEI) tem escolas de 7 e de 9 horas de funcionamento, com pagamento de R$ 2 mil a mais para os professores, que devem ter dedicação exclusiva, e currículos com práticas experimentais, projeto de vida e tutoria. As escolas decidem se aderem ou não ao programa. 

O Estado passou a incentivar a política nos anos em que Rossieli Soares se tornou secretário (2019 a 2022). Ele também estava no MEC em 2016, quando o governo federal criou o programa nacional de escola em tempo integral. Rossieli agora é pré-candidato a deputado federal pelo PSDB e tem defendido essa bandeira em sua pré-campanha.

O Sindicato dos Professores do Estado (Apeoesp), no entanto, critica a política em São Paulo, alegando que falta estrutura para colocar o programa em prática.

Em nota, a Apeoesp disse que o projeto é “eleitoreiro, implementando de forma autoritária, sem diálogo, sem respeitar a vontade da comunidade” e que ao se tornar integral a escola “está de fato expulsando os estudantes que trabalham ou que realizam outros cursos e atividades (...) e também aqueles que simplesmente não desejam estudar em escola PEI”. O governo informou que a mudança ocorre depois de “consulta democrática com participação de toda comunidade escolar”. A presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha também é pré-candidata a deputada estadual pelo PT.

Apesar da política ser nova, as taxas de homicídio em São Paulo caíram muito nas últimas décadas e hoje são as menores do País. Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, além da ação do Estado, houve uma profissionalização do mercado de drogas, que ficou mais lucrativo e menos conflituoso. Mas também acabou levando mais violência para outros Estados, principalmente do Nordeste, com a guerra e a matança entre os grupos.

Investir em escolas em tempo integral reduz as taxas de homicídio de jovens homens em até 50%, segundo estudo recente de pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. A pesquisa analisou 16 anos de uma política referência, no Estado de Pernambuco, que aumentou o tempo de aula para 10 horas e apostou em um currículo centrado no projeto de vida e no protagonismo do estudante. No Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, as crianças em geral ficam só quatro horas na escola.

Outros estudos já haviam mostrado a melhora na aprendizagem dos alunos em escolas de tempo integral, maiores salários para os formados, mais empregabilidade das meninas e redução da desigualdade. Para os especialistas, a queda na taxa de homicídios se dá não só porque o tempo maior na escola afasta o jovem de situações arriscadas – como o envolvimento no tráfico de drogas e outros crimes.

A qualidade da educação, com professores dedicados também em tempo integral e currículo diferenciado, influencia muito. “Não são apenas mais horas, é uma escola centrada no jovem, que faz ele entender a vida de uma maneira diferente”, diz o diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad.

Escola Ageu Magalhães, no Recife, tem bons resultados graças à rotina diferenciada de aulas no período integral Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

O pernambucano Vitor Arruda, hoje com 29 anos, vinha de uma família de agricultores analfabetos quando se deparou com a possibilidade de cursar uma das primeiras escolas em tempo integral do Estado, em Gravatá, a 70 quilômetros do Recife. Ele tinha 15 anos e dúvidas sobre se não seria melhor vender frutas para ajudar a mãe, mas acabou escolhendo os estudos. “Eu não tinha a menor ideia do que era uma graduação, se precisava ou não fazer um vestibular, não tinha esse repertório”, conta Arruda, que depois passou em primeiro lugar na seleção de uma universidade federal e cursou Pedagogia, Comunicação, Letras e Matemática. 

Na escola, ele diz que foi instigado a refletir “sobre seus sonhos e sua existência”. Além das disciplinas obrigatórias, envolveu-se nos chamados clubes de protagonismo, peças de teatro e na gestão. Os alunos ajudavam a resolver problemas como carteiras quebradas e alagamento de salas. “Muitos colegas que tive na infância se envolveram com criminalidade, foram mortos. Não é romantizar, sei das dificuldades do sistema de ensino, mas a mudança foi imensa para mim.”

Pernambuco tem hoje 70% das vagas de ensino médio em tempo integral, o índice mais alto do País e considerado como máximo, já que se prevê deixar unidades com um turno só, como opção. O Estado começou a investir em 2004 e hoje todos os municípios têm uma escola integral. Para o secretário de Educação de Pernambuco, Marcelo Barros, um dos desafios é formar o professor para saber ensinar de uma maneira nova. “Os jovens, principalmente os mais vulneráveis, precisam de aprendizagens significativas para demandas do mundo contemporâneo.”

Nesse período, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Pernambuco, o indicador nacional de qualidade, aumentou, com destaque para o desempenho das escolas em tempo integral. No Ideb de 2019, o mais recente, as unidades que mudaram para período integral aumentaram em 21% sua nota, enquanto o restante cresceu 7%. Outros Estados, como Ceará e Paraíba, passaram também a investir no modelo e tiveram resultados semelhantes. 

O pesquisador do Insper e um dos responsáveis pelo estudo Leonardo Rosa, que tem doutorado pela Universidade de Stanford sobre o assunto, explica que a análise usou dados de 2002 a 2018 em duas abordagens. Uma delas incluiu os municípios de Pernambuco que tinham escola em tempo integral versus os que não tinham. O segundo grupo era de cidades da fronteira com esse modelo comparadas às suas vizinhas de outro Estado, que não têm. No primeiro, a diminuição das taxas de homicídios de homens de 15 a 19 anos foi de 37,6%. No segundo, de 50,8%. As meninas não foram analisadas. Rosa isolou efeitos de outros programas sociais para mostrar somente a influência da escola.

Pernambuco tinha uma das taxas de homicídios dessa população mais altas do País no início dos anos 2000. “A cena da violência é muito masculina.  O traficante oferece essa trajetória para o menino de sonho curto e muito sedutor, ele se vê respeitado por algumas mulheres, batendo de frente com o sistema”, explica o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) Bruno Paes Manso. “Nosso desafio é ganhar a retórica. Seduzir pela escola, pela arte, pela cultura, pelo esporte.”

Alunos da Escola Ageu Magalhãesdurante atividade em período integral; tempo maior de aula reduz taxa de homicídios Foto: CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO

Atualmente, 24% das escolas de ensino médio do País são em tempo integral. A política começou a ser incentivada nacionalmente em 2016, quando o Ministério da Educação (MEC) abriu editais para os Estados se inscreverem com escolas que pretendiam mudar de modelo. O governo federal dava ajuda financeira por um período de 10 anos. No entanto, nos últimos dois anos, o governo de Jair Bolsonaro parou de abrir novos editais.

“Quem segurou o tempo integral nos últimos anos foi o terceiro setor, que faz formação de professores, tem consultores”, diz a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli. O Estado aumentou, entre 2019 e 2022, o total de escolas em tempo integral de 96 para 240, com pouca ajuda do MEC. Segundo ela, os professores ganham R$ 2.500 a mais para ficar oito horas nessas escolas. “Precisamos segurar o bom professor lá.” 

Além disso, triplica o valor da merenda e é preciso pagar mais pelo transporte. Fátima defende que o ensino em tempo integral comece antes, para segurar a criança na escola. “O menino que vem desde o 8º ano no integral já é mais autônomo, tem o sonho de ir para uma universidade pública. Muitos que têm a oportunidade só no ensino médio não aceitam porque acham que trabalhar é mais importante.”

Os currículos das escolas em tempo integral são pensados para se conectar com a realidade do estudante e desenvolver competências acadêmicas e socioemocionais. Há projetos de orientação de estudos, tutorias, clubes de protagonismo de várias áreas, práticas de laboratório. Maria Clara Araújo, de 17 anos, que fica 10 horas em uma escola estadual do Recife, diz que alguns amigos a questionam sobre o tempo, que consideram extenso. “Não é só ficar sentada na sala de aula, é muito dinâmico, com laboratórios, disciplinas eletivas, núcleo de gênero. Não troco minha rotina por nada”, diz a menina, que estudava antes em uma escola particular.  

Segundo Saad, apesar de mais gastos com estrutura, merenda e funcionários com carga horária maior, a eficiência depois acaba compensando, com menos evasão, por exemplo. “Se Estados como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Sergipe, que não são os mais ricos, conseguem fazer é porque é viável financeiramente”, afirma. A entidade apoia mais de 20 Estados nessa política. “Escola de ensino médio integral é uma das políticas públicas com mais evidência científica de melhoria de qualidade e impacto na melhoria de vida. O que falta é vontade política.”

Modelo de ensino é ampliado em SP e chega a 464 municípios

São Paulo passou a investir recentemente mais em escolas estaduais em tempo integral, com rápido crescimento. Em 2018, havia 364, em 140 cidades, hoje são 2.050, em 464. Isso equivale a 40% das unidades de ensino fundamental 2 (6.º ao 9.º ano) e das de ensino médio neste modelo. A maioria dos investimentos para a expansão vem do próprio Estado, sem ajuda do Ministério da Educação (MEC). 

O plano, anunciado com pompa pelo então governador João Doria, prevê chegar a 3 mil escolas em 2023, e é também um dos trunfos para a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB). O Programa de Ensino Integral (PEI) tem escolas de 7 e de 9 horas de funcionamento, com pagamento de R$ 2 mil a mais para os professores, que devem ter dedicação exclusiva, e currículos com práticas experimentais, projeto de vida e tutoria. As escolas decidem se aderem ou não ao programa. 

O Estado passou a incentivar a política nos anos em que Rossieli Soares se tornou secretário (2019 a 2022). Ele também estava no MEC em 2016, quando o governo federal criou o programa nacional de escola em tempo integral. Rossieli agora é pré-candidato a deputado federal pelo PSDB e tem defendido essa bandeira em sua pré-campanha.

O Sindicato dos Professores do Estado (Apeoesp), no entanto, critica a política em São Paulo, alegando que falta estrutura para colocar o programa em prática.

Em nota, a Apeoesp disse que o projeto é “eleitoreiro, implementando de forma autoritária, sem diálogo, sem respeitar a vontade da comunidade” e que ao se tornar integral a escola “está de fato expulsando os estudantes que trabalham ou que realizam outros cursos e atividades (...) e também aqueles que simplesmente não desejam estudar em escola PEI”. O governo informou que a mudança ocorre depois de “consulta democrática com participação de toda comunidade escolar”. A presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha também é pré-candidata a deputada estadual pelo PT.

Apesar da política ser nova, as taxas de homicídio em São Paulo caíram muito nas últimas décadas e hoje são as menores do País. Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, além da ação do Estado, houve uma profissionalização do mercado de drogas, que ficou mais lucrativo e menos conflituoso. Mas também acabou levando mais violência para outros Estados, principalmente do Nordeste, com a guerra e a matança entre os grupos.

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