Um projeto de lei que reformula a Lei de Cotas nas universidades federais foi aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 9. Especialistas em educação afirmam que as mudanças facilitam o acesso de alunos mais pobres ao ensino superior e direciona melhor a reserva de vagas para quem mais precisa. A proposta segue para o Senado.
Entre as mudanças previstas pela lei, a mudança prevê mudanças no mecanismo de disputa de vagas, redução da faixa salarial para parte das vagas e inclusão de quilombolas como um subgrupo elegível. As ações afirmativas são consideradas bem-sucedidas na inclusão da população pobre e negra no ensino superior. A diversidade, segundo pesquisas, beneficia não apenas os cotistas, mas também os demais alunos.
Com a política federal de cotas desde 2012, o Brasil superou a marca de 50% de matrículas de negros e pardos – grupo que representa 55% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – nas universidades e institutos federais. Mas um desafio, segundo especialistas, é fazer com que a competição não prejudique os alunos mais pobres dentro desses grupos.
Pela lei atual, 50% das vagas de cada curso, em cada turno, deve ser reservada para as alunos da rede pública. Metade dessas vagas reservadas é para alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo. As demais vagas não têm restrição de renda.
Pelo projeto aprovado, esse limite deve cair para um salário mínimo. Ou seja, metade das vagas reservadas vai para um grupo mais pobre do que hoje.
Dentro das vagas reservadas, uma parte das cadeiras deve ser destinada a estudantes de escola pública que sejam autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI). A porcentagem de vagas destinadas aos PPI varia e deve respeitar a proporção de pretos, pardos e indígenas de cada Estado, conforme os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Isso significa, por exemplo, que a proporção de vagas para alunos de escola pública é a mesma em todas as universidades federais do Brasil (metade). Já a proporção de pretos, pardos e indígenas será maior, por exemplo, na Bahia do que em Santa Catarina.
“O limite de baixa renda era muito alto e englobava cerca de 70% das pessoas que já entravam antes da Lei de Cotas (de 2012) no ensino superior. Uma família de quatro pessoas com renda mensal de R$ 7,9 mil era considerada baixa renda, o que é muito distante do que consideramos como baixa renda no Brasil”, afirma Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia e Ciência Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em ações afirmativas.
“Isso vai melhorar a focalização socioeconômica da política”, complementa Adriano Senkevics, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) e doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP),
Distribuição de vagas
Para Senkevics, a mudança no formato de distribuição de vagas é outra mudança positiva. Pela regra atual, os cotistas concorrem só entre eles, independentemente da nota.
O projeto de lei propõe um ajuste. Alunos com direito às cotas vão concorrer inicialmente com todos,. Se alcançarem uma nota que garanta ingresso independentemente da declaração racial ou de renda, esse estudante não vai ocupar uma das cadeiras reservadas, mas uma das vagas da seleção geral.
Abre, portanto, outra vaga para candidatos da ação afirmativa. Esses estudantes poderão, eventualmente, entrar na universidade com uma nota mais baixa e enfrentar uma competição menos desigual. Alunos brancos e/ou vieram de escolas particulares costumam ter notas mais altas nos vestibulares.
A proposta aprovada no Legislativo torna a lei mais “equitativa e meritocrática, na opinião de Senkevics, “deixando as cotas raciais para quem tirou notas um pouco mais baixas e realmente precisa da ação afirmativa”.
Pós-graduação e permanência da política
Outro ponto positivo, afirma Luiz Augusto Campos, é a recomendação de cotas também na pós-graduação, que segundo o texto fica a cargo de escolha de cada universidade.
“É um avanço o fato de o projeto recomendar que as universidades utilizem ações afirmativas na pós-graduação. Isso fica a cargo das próprias instituições porque os processos seletivos desses cursos são mais complexos que os vestibulares”, afirma o especialista.
Critérios como o de baixa renda, por exemplo, são mais difíceis de serem aplicados para o mestrado e doutorado, já que a pessoa pode trabalhar e já ter uma renda mesmo vindo de família pobre, enquanto uma de classe média pode ser dependente dos pais.
Neste mês, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprovou reserva de vagas para todos os programas de pós-graduação, que ficam orientados a estabelecer políticas de ações afirmativas em modalidades de cotas para pretos, pardos e indígenas em seus processos seletivos de ingresso. As vagas para os cotistas devem somar ao menos 25% do total oferecido.
Bancas de heteroidentificação ficam de fora
Para conseguir votar o texto, a relatora, deputada Dandara (PT-MG), desistiu da implementação das chamadas bancas de heteroidentificação para validar autodeclarações de candidatos. Ela agradeceu a “sensibilidade” de líderes da oposição.
Mesmo assim, as bancadas do Novo e do PL orientaram voto contrário – a aprovação foi simbólica. À Agência Câmara, o líder da oposição, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), afirmou que as cotas raciais nunca deram certo e ampliam a divisão entre grupos étnicos.
“A intenção não é privilegiar os mais pobres, mas promover a equiparação de brancos e negros nos espaços públicos.” Em nota, a União Nacional dos Estudantes (UNE) definiu a aprovação do projeto como “vitória”.
Suprema Corte dos EUA revisou modelo
No fim de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos restringiu a adoção de cotas raciais em universidades publicas e privadas no país. Por 6 votos a 3, com os juízes de orientação conservadora votando de maneira conjunta, a Corte acatou recurso contrário aos programas de cotas das Universidades da Carolina do Norte e de Harvard.
Em outras duas oportunidades nos últimos 45 anos, a Corte mantivera a jurisprudência de 1978, a última delas em 2016. A decisão deve restringir o acesso de minorias raciais como negros e latinos a universidades americanas e obrigar escolas a revisitar suas práticas de admissão.