Na segunda-feira, 28, Ana Luiza Cabral, mãe de Roberto, um menino de 15 anos que tem autismo de grau leve, postou em seu Instagram uma série de stories contando que seu filho foi excluído da festa de formatura do colégio em que ele estuda, o Sigma Águas Claras, no Distrito Federal. Segundo ela, a cerimônia aconteceu no último sábado, 26, mas ela só descobriu sobre o evento no domingo, 27, quando o seu filho viu fotos de seus colegas formandos nas redes sociais da escola. Os posts logo se espalharam pela rede social e abriram uma discussão sobre exclusão de crianças autistas nas escolas.
Ana Luiza afirma que não foi comunicada pelo colégio sobre o evento e diz que Roberto, que está concluindo o 9º ano do ensino fundamental, teve uma crise de ansiedade ao descobrir a exclusão. “É uma dor muito grande, ele ficou muito chateado e nós também. Não dormimos há dias, o Roberto fica andando de um lado para o outro na casa e nós já percebemos que ele está introspectivo desde então”, disse a mãe ao Estadão.
Procurada pela reportagem, a escola afirmou que o evento foi amplamente divulgado nos canais de comunicação do colégio (aplicativo institucional, perfis nas redes sociais e e-mail) e disse que ainda está apurando por que Ana Luiza não recebeu as mensagens.
Segundo a instituição, a cerimônia de formatura é optativa e não é organizada pela escola, mas sim por uma comissão de estudantes que contratam uma empresa terceirizada para fazer o evento. O colégio se posicionou contra qualquer tipo de discriminação e disse que outros estudantes com deficiência participaram da cerimônia, reforçando ser aberta para todos os alunos, sem distinção.
Veja a nota oficial do colégio Sigma:
“Em relação ao post que está circulando nas redes sociais em relação a um estudante nosso, o Colégio Sigma informa que preza pela transparência na relação escola-família. O evento destacado é optativo e por adesão e ao longo de todo o ano, os alunos e seus responsáveis receberam quatro comunicados com as devidas orientações pelo canal oficial da escola: aplicativo Agenda Edu.
A formatura também foi divulgada por meio de post nas redes sociais, além de convites em sala de aula feitos pelas Coordenadoras Educacionais e pelos alunos integrantes da Comissão de Formatura. A escola ressalta que todo o atendimento e acolhimento à família e aluno já estão sendo realizados pela direção e pelas Coordenadoras Educacionais.”
Discriminação
Apesar da justificativa da escola, Ana Luiza não está convencida de que o caso tenha sido uma “falha de comunicação”, como foi dito a ela pelas coordenadoras da escola. Segundo ela, desde que seu filho entrou no Sigma, há dois anos, ela não tem acesso ao aplicativo por motivos técnicos e a escola sabia disso. Além disso, episódios anteriores de exclusão de seu filho colaboram para que ela entenda o que aconteceu em relação à formatura como um caso de discriminação.
“Eu não recebi nenhum e-mail, nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Quando perguntei à coordenação, eles disseram que comunicaram os pais por e-mail, mas eu não recebi nenhum. Chequei em todos os meios de comunicação que tenho com a escola, mas em nenhum deles tinha qualquer mensagem sobre a formatura”, diz.
Segundo Claudia Hakim, advogada especialista em Direito Educacional e neurocientista da área de transtornos do neurodesenvolvimento, mesmo com a justificativa da escola, o caso pode ser entendido como discriminação e mãe e filhos podem ter direito a indenização por danos morais, a não ser que a escola prove que comunicou diretamente a família.
“Nenhuma criança pode ser excluída de sua festa de formatura, ainda mais uma criança com TEA (Transtorno do Espectro Autista). Isso representa até uma forma de discriminação, podendo configurar crime. Um dos pilares do autismo é a dificuldade na comunicação. Ele (Roberto) pode não ter entendido as questões burocráticas que envolvem uma formatura e ele é menor de idade, por isso, seus pais é quem deveriam ter sido comunicados. Mesmo sendo optativa e não obrigatória, era direito dele e da família poder escolher se ele iria querer participar ou não”, justifica.
Direitos
Ana Luiza conta que, depois que compartilhou seus relatos no Instagram, recebeu diversas mensagens de outros pais e responsáveis por crianças autistas que passaram por situações semelhantes no País.
Laís Francisco, 35, mãe de Clara, uma criança de 3 anos e 9 meses que tem autismo moderado, malformação congênita na perna e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), conta que já passou por um episódio como o de Roberto neste ano, no período de festas juninas, em uma escola no interior de São Paulo.
“A escola mandou bilhete pra todas as mães dizendo que as crianças tinham que ir caracterizadas em determinado dia (por conta da festa junina) e só eu não fui avisada. Quando chegamos, a Clarinha viu todos vestidos de caipirinha e ela não. Ela já travou na porta pedindo colo e aí eu já fiquei louca e perguntei por que eu não tinha sido avisada. Elas falaram que esqueceram”, conta Laís.
Claudia Hakim alerta que episódios como esses podem causar traumas nas crianças com consequências para toda a vida. “A criança se sente rejeitada e isso pode gerar trauma – mais uma vez, pois provavelmente não terá sido o primeiro”, afirma.
Segundo a advogada, a lei estabelece que toda escola deve oferecer condições adequadas de inclusão de crianças com deficiência – o que inclui autistas –, adaptando seus métodos para atender às necessidades especiais delas. Saiba mais sobre direitos de crianças autistas na escola.