SÃO PAULO - A maioria das universidades federais já decidiu não aderir ao Future-se ou manifestou críticas ao programa do Ministério da Educação (MEC), lançado em julho. E, até agora, nenhuma instituição declarou publicamente que pretende participar do projeto que prevê gestão por meio de organizações sociais (OSs) no ensino superior público.
O levantamento foi feito pelo Estado em consultas às 63 universidades. Entre as que já decidiram em seus conselhos internos pela não adesão estão as maiores e mais tradicionais federais, como a de São Paulo (Unifesp), do Rio de Janeiro (UFRJ), de Minas Gerais (UFMG) e de Brasília (UnB).
Reitores já dão como certo que o programa não será implementado na forma como foi apresentado. No mês passado, em entrevista ao Estado, o ministro Abraham Weintraub chamou os dirigentes que criticavam o Future-se de “pessoal militante politicamente” ligado ao “PSTU, PSOL, PT”. Para ele, o programa, que tem adesão voluntária, contaria com um quarto das federais.
A maior crítica das instituições é uma possível perda da autonomia acadêmica e financeira porque os contratos de trabalho ou para pesquisas seriam fechados por meio de OSs. “Não sabemos quais serão os objetivos das organizações sociais, os projetos podem passar a estar subjugados ao que dá lucro. Que mercado vai querer financiar doenças negligenciadas, por exemplo?, questiona a reitora da Unifesp, Soraya Smaili.
Segundo ela, a Unifesp não é contrária a diferentes formas de captação de recursos, desde que "garantido o recurso público para o funcionamento das instituições". O documento aprovado pelo Conselho Universitário da instituição, que abriga a Escola Paulista de Medicina, uma das mais conceituadas do País, diz que o Future-se “possui diversas fragilidades e riscos” e por isso é “inaceitável”.
Desde o lançamento do programa, procuradores das universidades federais têm analisado as propostas do MEC e chegaram à conclusão de que elas não têm sustentação jurídica. Um dos questionamentos é com relação à venda de bens públicos pelas organizações de direito privado. Segundo o documento divulgado pela Federal do ABC (UFABC), o Future-se "prevê a alteração de 17 leis" e não deixa claro como isso será feito.
A ideia central do Future-se é a captação de recursos próprios pelas instituições e a gestão por meio de OSs. Também incentiva naming rights (usar o nome de empresas/patrocinadores) e busca de dinheiro pela Lei Rouanet, algo que muitas federais já fazem. Outro ponto que os reitores consideram que não está claro é a criação de um fundo para financiar pesquisas e inovação. Há questionamentos sobre a legalidade jurídica e viabilidade fiscal. O programa prevê também indicadores de metas e governança.
Nesta semana, Weintraub declarou ainda ao Estado que as instituições que aderirem ao Future-se teriam de contratar professores por regime de CLT (carteira assinada) e não mais por concurso público. Para boa parte dos reitores, a informação se tornou mais uma razão para não participarem do programa.
“O nosso trabalho é o oposto, é buscar a dedicação exclusiva do professor para garantir que ele dê aulas e faça pesquisa”, diz a reitora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Valeria Correa. A Ufal é uma das que ainda não divulgou um documento final sobre o assunto elaborado pelo Conselho Universitário, mas tem criticado o programa.
Outro caso é da Universidade Federal do Tocantins (UFT), cujo reitor, Luís Eduardo Bovolato, já declarou publicamente que o projeto é "vago" e que aderir ao Future-se seria um "mergulho no escuro". A instituição deve decidir, contudo, se irá rejeitar ou aderir ao programa apenas em outubro.
34 universidades federais rejeitaram o Future-se
O Brasil tem 63 universidades federais. O levantamento do Estado mostra que 54% (34) rejeitam o projeto de alguma forma. São 27 que já decidiram em seus Conselhos Universitários por não aderir à proposta e outras sete que ainda vão concluir um documento, mas criticam o Future-se. Outras 27 comunicaram que ainda não tomaram uma decisão ou que não pretendem se manifestar até que haja um projeto de lei. Duas não responderam aos questionamentos da reportagem e também não publicaram qualquer posicionamento a respeito do programa.
O MEC pretende finalizar no mês que vem o projeto de lei para mandar ao Congresso. O programa passou por consulta pública, finalizada no mês passado.
Questionado pelo Estado sobre as instituições que já teriam aderido ao programa, o secretário da educação superior do MEC, Arnaldo Lima, disse que essa informação era confidencial. Depois, afirmou que “formalmente não há quem aderiu ou não ao Future-se, (porque) o projeto precisa primeiro ser aprovado pelo Congresso Nacional”. Segundo ele, “17 universidades estão contribuindo ativamente para o aperfeiçoamento do programa”.
Na semana passada, os reitores estiveram em Brasília para discutir o programa no Senado. Eles tiveram a garantia de Lima de que o projeto iria considerar as críticas e seria apresentado aos reitores antes de ser enviado ao Congresso. No entanto, foram surpreendidos com a entrevista de Weitraub ao Estado em que falava sobre a contratação de professores por CLT. A primeira minuta foi feita sem qualquer participação das universidades, o que também não agradou aos reitores e ainda deixou dúvidas sobre vários pontos propostos.
O reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Vicente Oppermann, instituição que também rejeitou o Future-se, diz que o MEC não pode apresentar um planejamento estratégico único para instituições de perfis tão diferentes. “Há universidades com 100 anos, outras jovens, o plano de gestão tem de ser feito com autonomia, cada uma tem que resolver como vai administrar seus recursos, quais as fontes que deve procurar, qual o perfil de cursos”, afirma.
O Conselho Universitário da UFABC aprovouuma "moção de repúdio" ao programa. “O projeto resultaria na fragilização dos mecanismos de governança e financiamento existentes, que são preceito constitucional e elementos basilares do que é uma universidade nos dias atuais”, disse o reitor Dácio Matheus.
As universidades enfrentam atualmente o contingenciamento de 30% de seus orçamentos e cortes expressivos em bolsas para mestrado e doutorado. Além disso, a relação das federais com Weintraub está estremecida desde que assumiu o cargo, por causa das declarações do ministro. Entre outras, já disse considerar que há “balbúrdia” nas instituições e que elas recebem dinheiro demais para fazer pouco.