“Na escola integral eu pude me enxergar como gente, me senti uma pessoa potente”, diz Vitor Arruda. Filho de uma agricultora e empregada doméstica em Gravatá (PE), ele foi o primeiro da família a concluir o ensino médio, após cursar a escola de tempo integral na cidade. Casos como o dele são frequentes no Ceará e em Pernambuco, Estados que se tornaram referência na educação em tempo integral – segundo o Censo Escolar 2022, ambos têm cerca de metade dos estudantes do ensino médio matriculados na modalidade.
Hoje professor da rede municipal de ensino, Vitor foi um dos especialistas convidados no segundo meet point da série Reconstrução da Educação, realizada pelo Estadão. Segundo o Censo Escolar de 2022, somente 14,4% dos alunos da rede pública estão matriculados no ensino integral em todo o País – o Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece 25% dos alunos da educação básica como meta para 2024. O levantamento aponta, ainda, que metade das escolas públicas brasileiras não possui nenhum estudante em modalidade integral. Para amenizar o problema, o Ministério da Educação (MEC) lançou, na sexta-feira, o programa Escola em Tempo Integral, que visa a tentar criar 3 milhões de matrículas até 2026. Para se ter ideia, o último censo registrou 47,4 milhões de matrículas, considerando toda a educação básica.
“A criança que passa o dia na escola está socialmente protegida. Ela desenvolve habilidades da base comum, mas também se envolve com protagonismo, reflete sobre seu papel social e desenvolve competências no campo emocional e social, o que reflete na saúde, empregabilidade e melhoria de qualidade de vida”, diz Herbert Lima, secretário de Educação de Sobral (CE), uma referência internacional nos indicadores educacionais.
Para ter 1 de cada 4 alunos da educação básica matriculado no ensino integral, há grandes desafios, a começar pela capacidade de investimento na infraestrutura das escolas e na formação e capacitação de professores. “Estamos falando em investimentos mínimos, como infraestrutura física. É necessário, pelo menos, dobrar a quantidade de espaços físicos, isto é, construir novas unidades escolares, adaptar escolas e construir salas de aula para acomodar as matrículas em tempo integral”, afirma Herbert.
Como destaca Gabriela Moriconi, pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, o investimento deve se voltar não apenas aos alunos, mas também aos professores, já que a maioria deles atua em diferentes escolas, sem o perfil de formação adequado. “A maioria das escolas contrata professores em tempo parcial, muitas vezes vistos como fornecedores de aula. Dessa maneira, é muito difícil conhecer os estudantes e fazer um planejamento adequado. Precisamos caminhar, no Brasil, para uma política que busque concentrar os professores numa escola só.”
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Junto a isso, lembra Gabriela, é necessário um maior investimento na formação inicial. “Esses professores precisam ter bastante repertório e experiência para vivenciar o que vão fazer lá na frente. Sem isso, vai ser muito difícil formar um professor com essa visão mais ampla para formar o aluno integralmente”, afirma. Segundo Herbert, o modelo de Sobral ensina ainda que é necessária uma formação continuada – que prepare o profissional para medir o desempenho dos alunos, sem retirar dele sua capacidade reflexiva e de inovação. “Nós identificamos que os melhores formadores já estão dentro da rede pública. É o professor que alfabetiza bem, que tem bons resultados de matemática com sua turma. Ele passa a ser o formador dos demais professores da rede, porque não apenas conhece o chão da sala de aula, mas, acima de tudo, ele é um bom professor.”
Hoje professor, Arruda explica que a escola integral, além das competências tradicionais, permite ao aluno construir o próprio futuro com maior autonomia. “A escola integral me ensinou que, independentemente do caminho que eu escolha seguir, essa será uma escolha minha, e não a opção que sobrar. Descobri que não basta sonhar, é necessário um projeto de vida, um plano de voo que nos leve a compreender quais degraus a gente precisa construir para alcançar nossos objetivos. O que me levou para a docência foi a possibilidade de ser eterno na vida de alguém. Eu decidi ser professor pelos professores que me formaram.”
Quanto custa?
Estima-se que uma escola em tempo integral exija, pelo menos, o dobro do investimento alocado numa escola regular. Os custos adicionais ficam por conta de tópicos como: renovação do parque escolar ou adaptação de escolas; cinco refeições; contratação de profissionais para disciplinas eletivas; e aquisição de materiais didáticos complementares.
‘Estadão’ debate educação infantil e alfabetização
Nos encontros, gratuitos e que podem ser acompanhados pelo canal do Estadão no YouTube, sempre às 10 horas, especialistas conversam sobre o atual cenário e pensam caminhos para melhorar a educação nacional. Nesta quinta-feira, 18, o tema será educação infantil e alfabetização; no dia 23, ensino médio; no dia 25, ensino fundamental 2 e tecnologia; e no dia 29 ocorre especialmente o Fórum Reconstrução da Educação.
Na série, o Estadão tem parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península, além do apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação.