O Ministério da Educação (MEC) vai criar um seminário para debater métodos de heteroidentificação para candidatos a cotas em vestibulares. O objetivo é propor parâmetros para a forma como os cotistas são avaliados em instituições públicas de ensino superior do País, diminuindo o risco de distorções e injustiças.
Questionamentos sobre essas bancas vieram à tona novamente após casos de candidatos da Universidade de São Paulo (USP) que protestaram contra negativas de vagas, decididas pelas comissões de heteroidentificação, para candidatos autodeclarados pardos.
Um dos casos foi o de Alison Rodrigues. Aprovado em Medicina, ele foi descrito pela banca avaliadora como “de pele clara”, “boca e lábios afilados”. O comitê também disse que o “cabelo raspado” do jovem impedia a banca de identificá-lo como negro.
O caso foi parar até na Justiça e houve acusações de “tribunal racial”. A USP, por sua vez, diz que o mecanismo é importante para coibir fraudes - falsas autodeclarações que tomam as vagas de cotistas. Após a polêmica, a universidade decidiu criar a possibilidade de avaliação virtual para a verificação racial dos candidatos - antes essa etapa envolvia entrevista física.
As conversas do MEC com as universidades serão feitas em 7 e 8 de agosto e devem resultar em um documento com recomendações padronizadas sobre número e formação de membros das bancas de heteroidentificação, modalidade das entrevistas (presenciais e/ou virtuais), possibilidades de recursos dos candidatos, entre outros fatores.
O ministério diz que pretende “ouvir as experiências e discutir os métodos usados pelas diferentes instituições de ensino superior federais”. “A partir do diálogo com a instituições, haverá dados para a proposição de encaminhamentos e documentos orientadores para o trabalho das bancas”, afirma.
As instituições, no entanto, não serão obrigadas a seguir as recomendações do MEC. “É importante reafirmar a autonomia das instituições de ensino superior, as quais já praticam mecanismos para eficácia da política de cotas desde o princípio. O seminário é uma iniciativa do MEC para valorizar e respeitar esse histórico”, diz a pasta.
Entenda
A Lei de Cotas para as universidades federais foi sancionada em 2012, mas não há previsão sobre como as instituições brasileiras devem validar que o candidato é, de fato, preto, pardo ou indígena.
Com a divulgação de casos de fraudes, as universidades começaram a criar bancas de heteroidentificação para essa avaliação. Os métodos, porém, são alvo de questionamentos, especialmente para os candidatos pardos, por terem características físicas ambíguas.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Declaratória de Constitucionalidade de 2017, definiu que as características para esse tipo de avaliação devem ser físicas, visto que o preconceito no Brasil tende ocorrer com base no julgamento de fenótipos.
O Supremo instituiu, na mesma ação, que no caso de pretos e pardos as características que devem ser consideradas por bancas avaliadoras em concursos e processos seletivos como vestibulares são:
- Textura do cabelo (crespo ou enrolado);
- Nariz largo;
- Cor da pele (parda ou preta);
- Lábios grossos e amarronzados.
Documentos do candidato e a ancestralidade (se há pessoas pretas e/ou pardas na família) não devem ser avaliados ou considerados, conforme a recomendação do STF.
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