BRASÍLIA - Depois de 15 exonerações, medidas polêmicas e seis recuos, o Ministério da Educação (MEC) está à deriva. Nesta terça, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez reviu decisão anunciada no dia anterior pela pasta - sem que ele soubesse -, de não avaliar crianças em fase de alfabetização no País. Segundo especialistas em gestão pública de educação, o episódio mostrou mais uma vez o amadorismo e a falta de articulação do MEC no governo de Jair Bolsonaro.
Vélez tem tido até dificuldade de encontrar quadros para repor os espaços vagos. Nesta terça, o ex-aluno do ministro Alexandro Ferreira de Souza passou a acumular duas secretarias. Continua com a que ele já comandava, da Educação Profissional e Tecnológica, e será o secretário da Educação Básica, pois a titular anterior, Tania Almeida, pediu demissão porque também não foi avisada da mudança na prova de alfabetização.
Nos últimas semanas, Vélez chegou a anunciar dois nomes de secretários executivos e foi desautorizado pelo Palácio do Planalto. O cargo permanece vago há 15 dias. “Não temos mais interlocutor no MEC, não tem com quem se possa conversar sobre os anseios dos secretários, das escolas do País”, diz a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) Cecília Motta, que é secretária de Mato Grosso do Sul. “Precisamos de uma política de Estado, não de governo.”
Militar. O general Francisco Mamede de Brito Filho, que tem experiência na área de Defesa e nunca trabalhou com educação, deve assumir o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), que responde pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Brito Filho foi chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Nordeste.
“Faz três meses que não temos uma clara orientação sobre qual a política nacional”, afirma a ex-secretária executiva do MEC no governo de Michel Temer e de Fernando Henrique Cardoso, Maria Helena Guimarães de Castro. Ela diz que livros e merenda, por exemplo, que são ações de alocação automática de recursos, estão chegando às escolas. Mas não se sabe o que vai acontecer com verbas que seriam destinadas à implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ou para a reforma do ensino médio, por exemplo.
Há semanas, o MEC enfrenta uma disputa entre os grupos dos seguidores do guru dos bolsonaristas, Olavo de Carvalho, e os ligados à área técnica e aos militares. A demissão do presidente do Inep, nesta terça, deixou claro o clima que vive a pasta.
À noite, após ser confirmada a exoneração, Marcus Vinicius Rodrigues fez duras críticas ao ministro Ricardo Vélez Rodríguez. “O Brasil precisa de um ministro da Educação que tenha responsabilidade de gestão, competência e experiência”, disse ao Estado. Rodrigues já vinha travando uma disputa interna com Vélez há semanas. Ele conta que discordou da comissão que vai analisar as questões do Enem e tentou barrar integrantes de perfil ideológico e ligados ao filósofo Olavo de Carvalho.
Nesta semana, segundo ele, foi convencido pelo secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, a cancelar a avaliação de alfabetização no País. “Não é um assunto que conheço. Pedi um ofício justificando o pedido.” No documento, ao qual o Estado teve acesso, o secretário alega que “a referida avaliação, no atual formato, não corresponde às necessidades da política que será implementada”.
Vélez não sabia da portaria sobre a avaliação - assinada pelo presidente do Inep - e ficou furioso com a repercussão negativa do caso. Na segunda-feira à tarde, chamou Rodrigues ao gabinete e disse que ele deveria ter pedido autorização ao MEC para assinar o documento. Rodrigues então retrucou, dizendo que o Inep é uma autarquia e tem independência. Os dois discutiram e Vélez pediu a demissão do presidente do Inep.
Rodrigues chegou ao governo por indicação do general Alessio Ribeiro Souto, que atuou na campanha de Bolsonaro. O professor da Fundação Getúlio Vargas também conta com o apoio do general Augusto Heleno, ministro do gabinete de Segurança Institucional. Brito Filho, que deve assumir o posto, é muito próximo de Rodrigues. Ele serviu no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, entre 2008 e 2009, durante o governo Lula, e comandou o Batalhão Brasileiro no Haiti, em 2012.
Duas das exonerações ainda não foram publicadas no Diário Oficial. Alguns dos que saíram foram remanejados para áreas adjacentes do MEC. O Estado apurou ainda que a pasta deverá enfrentar nova onda de mudanças. A informação é de que pelo menos mais 20 pessoas sejam demitidas.
“Tudo isso cria uma situação de muita instabilidade e insegurança na gestão educacional, todo mundo fica na expectativa de qual o próximo fato que vai acontecer”, afirma a ex-secretária de Educação do Rio Grande do Sul Mariza Abreu. “É uma pena o que estamos vendo, para as gerações que estão na escola e para as que vão entrar.”
Na lista de saída
1. Rodrigo Morais. Assessor 2. Ayrton Pereira Rippel. Chefe de gabinete 3. Ricardo Roquetti. Diretor de programa 4. Eduardo Melo (2). Adjunto da Secretaria Executiva 5. Claudio Titericz (2). Adjunto da Secretaria Executiva 6. Tiago Tondinelli (2). Chefe de gabinete 7. Tiago Levi Diniz Lima. Diretor da Fundação Joaquim Nabuco 8. Silvio Grimaldo. Assessor 9. Luiz Antonio Tozi. Secretário executivo do MEC 10. Robson Santos da Silva (2). Assessor 11. Daniel Emer (2). Assessor 12. Osmar Bernardo Junior (2). Assessor 13. Iolene Lima (1). Secretária executiva do MEC 14. Tânia Almeida (1). Secretária de Educação Básica 15. Marcus Vinicius Rodrigues. Presidente do Inep
3 perguntas para Claudia Costin
1. Como a senhora analisa a atual situação do MEC? Estão prestando um desserviço ao dispersar forças com esses conflitos, idas e voltas, demissões. O Brasil tem uma urgência em melhorar a qualidade da educação. Eu imaginava que o MEC estaria envolvido, dentro da visão deles, em como urgentemente investir nessa melhoria, mas não é o que estamos vendo.
2. Quais deveriam ser as prioridades do MEC? Uma é implementar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com formação de professores, materiais apropriados. É preciso também rever a forma como o ensino superior prepara os professores. Além de não haver atratividade para a carreira, ela é muito desvinculada da prática. Mas nada disso está andando no ritmo que deveria. Por fim, é papel do governo federal assegurar avaliações para saber se estamos avançando.
3. É possível ver efeitos nas redes e nas escolas? A vida continua nas redes, mas no mesmo patamar. Nós já batemos em um teto do que dá para fazer. Enquanto o MEC não fizer o papel dele em relação à BNCC, que precisa ser traduzida em currículos estatuais e municipais, e à formação de professor, estaremos avançando a passos muito lentos. Mesmo que defina agora políticas corretas, ainda vai levar tempo para implementá-las. O Brasil precisa pisar no acelerador e fazer ajustes estruturais. Se houver uma equipe técnica sólida, o ministério pode conseguir avançar, mas os sinais não vão nessa direção.
Claudia é diretora do Centro de Inovação em Políticas Educacionais da FGV./ COLABOROU ISABELA PALHARES