Atualizada às 17h
SÃO PAULO - A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp) decidiu suspender a realização do Show Medicina, tradicional evento de estudantes do curso, criado em 1944, que ocorre em um anfiteatro da faculdade, após recomendação do Ministério Público Estadual (MPE).
A festa foi denunciada por alunos da instituição no ano passado, após supostos casos de violação aos direitos humanos e humilhações aos participantes. "Ficou apurado que para integrar o Show Medicina os interessados passam por um ritual composto de trotes violentos e humilhantes, com forte assédio moral, sexual, além de violência física e noitadas com prostitutas", escreveram as promotoras Beatriz Fonseca e Silvia Chakian de Toledo Santos, responsáveis pelo inquérito civil.
Estudantes, no entanto, já prometem realizar a festa em outro local. "Lembrando aos calouros/calouras e 2º ano que o Tradicional Vestibular do Show medicina é hoje e quinta-feira dessa semana, às 20h, na faculdade. É que apesar do que muitos não querem, vocês são totalmente livres para decidir se vão ou não. A decisão é sua, não deixem que tentem tirar isso de vocês", diz um aluno da instituição em um grupo fechado do Facebook.
O processo foi aberto depois de alunos denunciarem a festa em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada na Assembleia Legislativa no ano passado, para apurar casos de violações de direitos humanos em universidades paulistas.
A recomendação, como mostrou a coluna de Sonia Racy nesta terça-feira, já foi enviada ao diretor da Fmusp José Otávio Costa Auler. O texto sugere suspensão da outorga de autorização de uso do teatro entre a Associação Cultural Show Medicina, responsável pelo evento, e a faculdade.
"A permissão de uso foi concedida sem qualquer apuração dos fatos constatados no relatório da ALESP e sem a garantia da efetiva modificação da cultura de violência praticada pelo grupo, consistente na prática de violência física, moral e sexual, bem como na imposição da submissão e humilhação àqueles que pretendem integrar a associação", diz o texto da recomendação.
O MPE também sugere que a Fmusp instaure sindicância administrativa para apurar os fatos apontados no relatório da Alesp. Pede ainda a alteração do modelo do Show Medicina, que segundo o relatório da Alesp, exigia que os candidatos fossem homens e participassem de um "vestibular" onde sofriam humilhações físicas e morais.
"Tradicionalmente, somente os homens podem participar da atividade (processo criativo e apresentação) reservando-se às mulheres a costura dos figurinos, em espaço segregado. Os homens não podem participar da costura e as mulheres estão impedidas de participar do evento", diz o texto. O MPE solicita que as propostas sejam atendidas nos próximos 30 dias.
Leia a íntegra da recomendação no site do MP.
O diretor do Show Medicina, Erikson Hoff, disse ao Estado que está em tratativas com a USP para regularizar as atividades "em conformidade com o que é apropriado ao espaço público da Faculdade e às recomendações do MP" e que, até que isto seja concluído, o grupo respeitará "plenamente" as recomendações.
Para o ex-deputado estadual e ativista dos direitos humanos Adriano Diogo, que presidiu a comissão na Alesp, a medida acerta em cheio os problemas de violência na universidade. "O Show Medicina é a joia da coroa. É o núcleoduro, a ideologia", disse ele. Ele ressalta, no entanto, que só uma recomendação pode não impedir que os estudantes retomem o evento nos mesmos moldes. "Todos defenderam o Show Medicina, a reitoria, a diretoria da Fmusp. Eles (alunos) já devem até ter captado os recursos para fazer o show".
Diogo defende que o próximo passo é o de apurar os casos de estupro e os de violência. O ativista lembrou do Plano Municipal de Educação, que foi aprovado na Câmara em segunda votação na última semana excluindo a educação sexual e sobre gênero dos currículos. "Essa é a questão central do que ocorre hoje na USP. Esses caras nunca estudaram a questão de gênero porque isto nunca foi tratado na escola com a devida importância", disse.
Denúncias. O caso do Show Medicina veio a público após a denúncia de duas estudantes que disseram ter sido estupradas em festas organizadas por alunos da Fmusp. Depois relato das alunas, feitos em uma audiência pública na Alesp, foi instaurada uma CPI que durou até março deste ano e recomendou, em seu texto final, que alunos com histórico "trotista" não pudessem participar de concursos públicos.
Com a repercussão do caso, a Fmusp reagiu: anunciou à época a criação de um Centro de Direitos Humanos, com assistência jurídica, ouvidoria, assistências psicológica e de saúde para apoiar os alunos da instituição que forem vítimas de violência. Já neste ano, um estudante de Medicina acusado de ter estuprado três alunas foi suspenso e impedido de colar grau.