O aprendizado que veio dos erros e as correções feitas com a nova lei do ensino médio, aprovada nesta quarta-feira, 20, na Câmara, vão direcionar a educação brasileira para um caminho de mais qualidade, afirma o diretor de políticas públicas do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa.
Para ele, as modificações no formato original, que havia sido aprovado em 2017, garantiram corretamente mais tempo para a formação geral básica, mas mantiveram o conceito de um ensino médio com currículo flexível e integrado à educação técnica e profissional, em linha com os países desenvolvidos.
Ele pede pressa, no entanto, para que a lei passe no Senado ainda neste semestre e chegue às escolas no ano que vem. “Caso contrário não vai ter tempo hábil para os Estados reverem currículos, alocarem professores e materiais didáticos. E a mudança infelizmente ficaria só para 2026″, afirma.
Além disso, Corrêa alerta que mesmo com a mudança do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) prevista só para 2027, o Ministério da Educação (MEC) já precisa começar a pensar no modelo da nova avaliação.
“Um dos grandes erros da reforma de 2017 é que ela começou em 2022 sem definição de como seria o Enem. Os estudantes que estão hoje na escola têm um modelo de ensino médio que não conversa com a principal porta de entrada para o ensino superior”, diz.
“O ideal é que os alunos entrem no ensino médio em 2025 já sabendo qual é o modelo de Enem que farão’, acrescenta.
Corrêa ainda diz que é preciso indução do governo para o tempo integral, de forma a obter um salto mais rápido de qualidade. “Isso deveria ser um mantra da sociedade brasileira: avançar nas matrículas em tempo integral, especialmente no ensino médio.”
Leia os principais trechos da entrevista:
Qual foi a importância da aprovação da lei neste momento? Acredita que será possível as mudanças estarem nas escolas ano que vem?
O Ministério da Educação acertadamente abriu a consulta pública no 1º semestre do ano passado, mas foi um processo muito longo, de consolidar, apresentar as propostas. Mas foi bom que o MEC, junto com a Câmara dos Deputados, conseguiu aprovar um texto neste 1º semestre. É importante que ele tenha celeridade no Senado também para que as redes possam começar a operacionalizar essas mudanças e não ter mais atrasos e prejuízos para os jovens. O MEC tem também até o fim deste ano para apresentar as diretrizes para os itinerários formativos. Se deixa para o 2º semestre a aprovação da lei, não vai ter tempo hábil para os Estados reverem currículos, alocarem professores e materiais didáticos, e a mudança infelizmente ficaria só para 2026.
Como você avalia as principais mudanças?
Com os aprendizados da implementação que não deu certo e a correção do modelo que está avançando no Congresso, nossa mensagem é de otimismo, de que o ensino médio brasileiro rume para para um caminho de mais avanço de qualidade. O texto aprovado corrige um grave problema da reforma de 2017 que achatou muito a carga horária da formação geral básica.
O projeto também mantém os conceitos principais que eram positivos e estão em linha com o que fazem sistemas educacionais mais avançados, como carga horária maior, currículo mais flexível, sem ter tudo obrigatório para todos, e que passa a considerar os interesses e aptidões dos jovens. E também o conceito de integrar no ensino médio regular a formação técnica profissional, que ainda é pequena no Brasil. Precisa expandir esse modelo para o bem dos jovens brasileiros, que em toda a pesquisa de opinião indicam querer formação voltada para o mercado de trabalho.
E os alunos agora no ensino médio: eles terão o currículo mudado no meio da etapa ou não serão beneficiados pelas mudanças?
A lei não obriga que se comece a implementação com os alunos que já estão no ensino médio. Poderia ser a partir do ano que vem para os ingressantes. Além disso, prevê um novo Enem alinhado a esse novo modelo só em 2027. Um dos grandes erros da reforma de 2017 é que ela começou em 2022 sem definição de como seria o Enem. Os estudantes que estão hoje na escola têm um modelo de ensino médio que não conversa com a principal porta de entrada para o ensino superior.
O ideal é que os alunos entrem no ensino médio em 2025 já sabendo qual é o modelo de Enem que farão. Por isso, o Ministério da Educação e o Inep (órgão federal responsável pelo Enem) vão precisar dar celeridade a essas definições. Dificilmente o Senado vai fazer mudanças muito estruturais no texto, então já é possível que MEC, Inep e o próprio Conselho Nacional de Educação comecem a refletir nos documentos infralegais sobre qual é a definição do Enem, quais as novas diretrizes curriculares nacionais.
A formação geral básica ficou em 2,4 mil horas para ensino médio regular, e um mínimo de 1,8 mil para quem faz o técnico. Isso pode trazer desigualdade para a educação?
Isso preocupa menos porque não é que nessas 1,2 mil horas (carga da formação técnica), o aluno está fazendo outras atividades que não envolvam aprendizado. Nos cursos técnicos de 1,2 mil horas, que é uma carga bastante elevada, eles têm aulas de disciplinas articuladas com a Base Nacional Comum Curricular.
Fazem, por exemplo, um curso técnico de Mecatrônica, com muita Matemática, Física. Acho que não não é isso que vai aumentar as desigualdades do Brasil. O ensino médio tem vários outros problemas e questões que preocupam mais com relação à desigualdade do que essa distinção da carga horária da formação geral básica aprovada no projeto de lei.
E os itinerários formativos, que foram muito criticados por não terem consistência pedagógica, serem soltos. Que garantia agora há de que serão melhor direcionados?
São dois principais avanços nos itinerários. Um deles é de ter clareza que um itinerário precisa ser de aprofundamento de uma das quatro áreas do conhecimento (Português, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza), diferentemente de como se tinha antes, que era um arranjo curricular, não dizia a palavra aprofundamento. Esse foi um grande avanço porque o itinerário não pode ser disperso, pouco profundo. É para aprofundar o conhecimento.
O segundo avanço é a garantia em texto de lei que todas as escolas precisam oferecer ao menos dois itinerários, ou seja, os estudantes precisam ter a opção de escolha. Você pode oferecer mais, mas se for ter só dois precisa envolver todas as áreas do conhecimento porque o estudante tem de ter todas elas à sua disposição. Pode oferecer Linguagens e Ciências Humanas e outro de Matemática e Ciências da Natureza, aí já tem as quatro áreas. Esse é um caminho que muitas escolas particulares e alguns Estados, inclusive São Paulo, passaram a adotar.
Outro problema é a garantia de escolha. Muitos alunos escolhiam um itinerário e caiam em outro...
Na lei anterior, você tinha que um mínimo de dois itinerários por município. Nem se obrigava que uma escola tivesse duas ou mais opções de escolha. Agora, tem todo o desafio de implementação numa rede de ensino. Quem oferece um itinerário ao estudante e depois fala que não tem vaga pra ele cometeu grande equívoco no seu planejamento.
Por isso que a legislação não resolve todos os problemas. Ela dá a base de legalidade, diretrizes. Agora começa um amplo esforço novamente de ter boa implementação do modelo.
As escolas terão de criar novamente os itinerários e isso foi um processo lento. Dá tempo?
A grande vantagem é que geralmente o 1° ano do médio é um ano com muito menos carga horária de itinerário formativo. O grande esforço é para o ano seguinte. No ano que vem, é reorganizar a formação geral básica, que não terá muita novidade. Aí no outro ano, organizar os itinerários formativos para quando os alunos chegarem no 2° ano em 2026, terem boas opções de escolha.
E a comunicação com os jovens? Um grande problema foi que muitos deles sequer entenderam o que era a reforma e os itinerários.
Olhando para trás, a gente vê alguns grandes problemas. O início da implementação foi prejudicado pela própria pandemia. O jovem chegou no novo modelo de ensino médio depois de dois anos longe da escola - 2020 e 2021.
Chegaram em 2022 com o novo ensino médio. E ainda com a comunicação ruim, atrapalhada pelo governo federal (na época sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro). Somou um desenho da política pública que tinha graves problemas com uma implementação da política pública que também teve problemas graves. Deu no que deu.
Como você vê o incentivo ao ensino em tempo integral nesse novo modelo?
Nesse modelo que está sendo desenhado, que tem uma parte comum e uma parte flexível, visando uma expansão do ensino técnico, a qualidade é realmente viabilizada em escolas de tempo integral. Isso porque tem mais tempo para trabalhar a formação geral básica, para aprofundar a área do conhecimento e oferecer o curso técnico. Isso deveria ser um mantra da sociedade brasileira: avançar nas matrículas em tempo integral, especialmente no ensino médio.
No modelo anterior, a escola de tempo integral, que tem 4,2 mil horas no total, tinha o máximo de 1,8 mil para trabalhar na formação geral básica e todo o restante era para itinerário informativo. Realmente desorganizava muito a escola. Agora, há um mínimo de 2,4 mil horas para a formação básica.
O que for acima disso, cada escola ou sistema decide onde aumentar. A gente acha que seria importante induzir mais, apoiar mais os Estados para avançarem nesse sentido, uma vez que a indução em termos legislativos ainda é frágil. O Brasil precisa realmente olhar para isso porque é o caminho que pode viabilizar um salto de qualidade mais rápido para o ensino médio brasileiro.