O Ministério da Educação (MEC) apresentou nesta segunda-feira, 7, as propostas do governo para mudar o novo ensino médio, após a reforma ter se tornado alvo de críticas desde o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A intenção do governo, que ainda vai submeter as mudanças ao Congresso, é a de aumentar a carga horária obrigatória das disciplinas de formação básica, como Português, Matemática e História, para pelo menos 2,4 mil horas, como adiantou o Estadão.
A pasta quer ainda reduzir as áreas de itinerários formativos de cinco para três. O ministro da Educação, Camilo Santana, propõe rebatizar os itinerários formativos de “percursos de aprofundamentos e integração de estudos”, que passariam a se dividir nas áreas de:
- Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza;
- Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais
- Formação Técnica e Profissional.
Na prática, o modelo proposto divide os antigos itinerários entre as áreas de Humanas e Ciências da Natureza. A terceira área seria o ensino técnico. Antes, havia um itinerário específico para Matemática e outro para Linguagens. O MEC ainda pretende criar referenciais para os itinerários que devem definir as possibilidades de oferta. Hoje, há críticas sobre itinerários sem qualidade ou que não têm sentido para a formação do jovem.
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), segundo o ministro, não será mudado até 2024, continuando a avaliar apenas a formação básica e não os itinerários. De acordo com Camilo, o modelo da prova a partir de 2025 será discutido novamente com a sociedade.
Antes da reforma, que entrou em vigor em 2022, as três séries do ensino médio tinham 2,4 mil horas de disciplinas básicas e obrigatórias. Com a mudança, esse total passou a ser de 1,8 mil horas e o restante (1,2 mil horas) foi destinado à carga flexível, em que os alunos escolhem trilhas conforme seu interesse, totalizando um máximo de 3 mil horas. A ideia agora é de não limitar mais a carga horária e deixar as disciplinas obrigatórias com pelo menos 2,4 mil horas.
Essa formação geral básica, segundo o MEC, deve ter agora os seguintes componentes curriculares, além de Português e Matemática, mas que não necessariamente precisam se expressar como disciplinas nas escolas: Arte, Filosofia, Educação Física, Sociologia, Literatura, Geografia, História, Química, Biologia, Física, Espanhol ou Inglês e Educação Digital.
Com a reforma, o Espanhol havia sido deixado de ser considerado uma alternativa ao Inglês e as outras áreas não apareciam claramente como obrigatórias no currículo do ensino médio. Na lei anterior sobre o novo ensino médio, apenas Português e Matemática estavam expressadas como compulsórias.
“Escola precisa ser atrativa, criativa, acolhedora, que os jovens gostem de ir para escola e queriam ir para lá”, disse Camilo. “O grande erro da implementação foi a forma de diálogo, que não houve na época, e a forma como foi implementada (a Política Nacional do Novo Ensino Médio), muitas vezes sem olhar para a infraestrutura”, afirmou o ministro. “O que estamos fazendo agora é corrigir e melhorar”, completou.
A equipe do MEC pretende consolidar a proposta até 21 de agosto, quando devem ser finalizadas as reuniões com entidades educacionais, para que o texto final de alteração da reforma do ensino médio possa ser apresentado ao Congresso ainda no início de setembro. O ministro também pretende negociar as mudanças na Câmara e no Senado.
Camilo ainda disse estudar as mudanças que podem ser feitas sem a necessidade de aprovação de lei na Câmara e no Senado, ou seja, por meio de atos normativos do Poder Executivo, como decretos e portarias.
A ideia do MEC também é a de estimular o ensino médio em tempo integral, o que aumentaria a carga horária geral e não reduziria o espaço destinado aos itinerários necessariamente. O presidente Lula sancionou no fim do mês passado um projeto de lei que pretende ampliar em um milhão o número de matrículas nessa modalidade até 2024, com R$ 4 bilhões de repasses a Estados e prefeituras.
Saiba mais:
Antes de anunciar as propostas do MEC nesta segunda-feira, Camilo apresentou os resultados da consulta popular realizada para colher as impressões de estudantes, gestores educacionais, professores e secretários de Educação sobre a possibilidade de serem revistos pontos da reforma do Ensino Médio.
De acordo com o MEC, mais de 139 mil pessoas participaram da pesquisa realizada pelo WhatsApp e mais de 100 mil eram estudantes. Também fizeram sugestões cerca de 30 mil professores, 5 mil gestores escolares e mil jovens que não se identificaram como estudantes.
Outro ponto abordado na pesquisa que será debatido pelo MEC é a elaboração de um documento que oriente o critério de reconhecimento de “notório saber” para atuação como profissional no ensino médio. O ministro afirmou que a nova forma de avaliação de saber dará ênfase à formação técnica profissional.
No rol de anúncios, Santana ainda afirmou que o MEC vai elaborar em conjunto com os sistemas de ensino e a sociedade civil medidas para a recomposição da aprendizagem de alunos afetados pela pandemia e pelos problemas na implementação do novo ensino médio. O ministro ainda afirmou que a pasta estuda propostas de promoção da permanência de estudantes nas escolas, como foco em famílias em situação de vulnerabilidade.
Redução da formação básica era reclamação constante
A redução da carga horária de disciplinas básicas tem sido reclamação constante de estudantes que veem prejuízos à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A prova não mudou e continua a cobrar apenas as matérias obrigatórias do currículo. Um aumento do tempo destinado às disciplinas da formação básica é consenso também entre secretários de Educação e especialistas que participaram da consulta feita pelo MEC.
O ministro da Educação, Camilo Santana, também já havia se referido à redução da carga horária de matérias como Português, Matemática, História e Biologia como “equívoco”. Com a reforma, elas representam hoje cerca de 60% do tempo do aluno na escola.
Após pressões para revogar o ensino médio, Camilo havia anunciado a paralisação do cronograma, determinando que o Enem de 2024 permanecesse o mesmo.
Durante a consulta pública, que terminou o início de julho, secretários da educação pediram, no entanto, que o Enem passasse a cobrar também questões ligadas aos itinerários formativos.
“Ainda que haja um processo de construção que siga por 2025, 2026, até que cheguemos a um ponto de maturidade, não abrimos mão da defesa de que já em 2024 tenhamos um Enem que não contemple apenas a formação geral básica, mas no seu segundo dia também os itinerários”, disse o presidente do conselho de secretários estaduais de educação (Consed), Vitor de Angelo. A ideia, segundo ele, é utilizar o que os itinerários têm em comum para a avaliação.
Um episódio especial do podcast Estadão Notícias dá voz aos jovens que são o centro da discussão.
Críticos da reforma também apontam que ela ampliou a desigualdade entre redes públicas e privadas, além de problemas nos itinerários formativos criados - que não tiveram qualquer direcionamento do MEC - tanto pela qualidade quanto pelo fato de a escolha dos alunos não ser efetivada em vários lugares.
O Consed também defende que haja no País uma espécie de base dos itinerários formativos, ou seja, um direcionamento maior de como a parte flexível do currículo deve ser oferecida. Pelo modelo em vigor, as redes de ensino têm liberdade para definir os itinerários formativos, o que levou a críticas sobre falta de qualidade.
Segundo o estudo do Centro Lemann na Universidade de Stanford (EUA), intitulado Policy Review: Insumos para a reforma do Ensino Médio, países desenvolvidos têm currículos flexíveis, mas as opções de escolha são reduzidas. Em geral, no exterior, são duas ou três trilhas possíveis para o adolescente escolher, que incluem um caminho mais acadêmico e outro técnico profissional, como na Finlândia, em Portugal e na Austrália.
A pesquisa mostra ainda que essas nações investem fortemente para que o alunos cursem o ensino profissional e tecnológico junto com o médio. No Brasil, só 10% dos alunos estão nessa modalidade, quando a taxa é de 68% na Finlândia e de 49% na Alemanha. O técnico é hoje uma das opções de itinerários que podem ser oferecidas no novo ensino médio brasileiro e algo que o MEC também deve fortalecer em sua proposta.
A proposta de aumentar o teto da carga horária de disciplinas básicas e de dar mais direcionamento aos itinerários segue em linha também com o que pedem organizações ligadas à área, como o Todos Pela Educação e de pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) por meio da cátedra Instituto Ayrton Senna.